No verão, é a região do país que quase triplica a sua população. É assim há muito, mas de ano para ano, “nada muda”, concordam ao DN André Gomes, da Federação Nacional dos Médicos (Fnam), e Guadalupe Simões, dirigente do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP), duas das três estruturas que ao início da tarde desta quarta-feira, 30 de julho, anunciaram, numa concentração em frente ao Hospital de Faro, um dia de greve a 7 de agosto. A estas estruturas junta-se ainda o Sindicato da Função Pública do Sul e Ilhas, que representa as classes de assistentes operacionais, técnicos auxiliares e assistentes técnicos. “É preciso que o Governo perceba que o que se passa na Saúde na região algarvia não é um problema só de médicos ou de enfermeiros, é de todas as classes profissionais e está na hora de todos exigirmos soluções de reforço do SNS na região”, explica ao DN Guadalupe Simões.As razões do protesto são as mesmas de há muito tempo também, mas que os dois dirigentes consideram que “neste último ano, se agravaram”. Porquê? Pela dificuldade em contratar e fixar profissionais na região algarvia. No comunicado enviado aos órgãos de comunicação social, os três sindicatos referem mesmo que ser "reconhecida a falta de profissionais na ULS do Algarve. A ausência de contratação e de medidas de retenção tornou-se um dos maiores problemas com que os profissionais, os algarvios e os turistas estão confrontados com consequências graves no acesso aos cuidados de saúde. É hora de, conjuntamente, exigirmos soluções de REFORÇO DO SNS para a região."Para Guadalupe Simões, a carência de recursos humanos em todas as classes profissionais é de tal ordem que, diz, "seguramente que este ano haverá menos capacidade de resposta do SNS nesta região. "Aliás, alerta ainda, no caso da classe de enfermagem, “se ainda não é mais grave é porque temos profissionais a desdobrarem-se, fazendo 16 horas de trabalho seguidas, fazendo manhãs, descansando à tarde, e voltando à noite, para garantir alguma resposta. Mesmo assim há serviços que estão a funcionar com equipas que tem menos elementos do que mínimo exigido”..Direção executiva do SNS exonera administração da ULS do Algarve mas já há nova direção. Os médicos queixam-se do mesmo. “A carência de profissionais tornou-se num dos maiores problemas da região algarvia, que por si só tem características muito próprias”, assinala André Gomes, destacando “não se perceber como é que a região não foi abrangida com vagas carenciadas. A região de Lisboa é das que sofre maior pressão com a falta de recursos, mas é preciso que se olhe para o Algarve como uma região que necessita de mais médicos e que os consiga fixar”, acrescentando: "Basta lembrar que estamos a falar da região cuja população triplica na época sazonal do verão, o que causa uma sobrecarga enorme para os profissionais que lá trabalham durante o ano todo”.Recorde-se que as vagas carenciadas - que permitem a colocação de médicos em determinadas zonas com mais 40% em cima da remuneração normal para fazer face ao custo de vida, pelo menos durante seis anos - foram lançadas para todo o país. Lisboa e Vale do Tejo que é a região com o maior número de utentes sem médico de família (1 130 229 em julho, segundo o Portal do SNS, 68% do total, 1 669 695), foi a mais contemplada, "a região do Algarve, Alentejo, Beira Interior e Trás-os-Montes não. E não se percebe porquê", questiona André Gomes, lembrando que esta "poderia ser uma forma de conseguir atrair e fixar mais médicos no Algarve", já que é uma zona onde 110 285 utentes não têm médico de família e que a população quase triplica no mês de agosto. O médico assinala que no concurso para médicos de família das 34 vagas lançadas, 13 ficaram por ocupar. A dirigente do SEP, Guadalupe Simões, critica também a ausência de vagas carenciadas para o Algarve na área da Enfermagem, argumentando que se se uma das unidades da Grande Lisboa, como "o Hospital Garcia de Orta tem vagas carenciadas, e não estou a dizer que não necessite delas, o Algarve também necessita. É preciso fixar profissionais na região"..Internos em risco no Hospital de Faro.André Gomes remata: “Imagine, se a manta já é curta no inverno, no verão não chega mesmo e a resposta ainda é mais complicada”, argumentando que “o Governo tem apostado mais e alterações de arquitetura do funcionamento do sistema - por exemplo, em PPP e nas tão faladas Unidades de Saúde Familiar Modelo C – mas isto não atrai profissionais. O que atrai e fixa profissionais são melhores condições de trabalho e valorização das carreiras”.Na classe de enfermagem, a dirigente do SEP realça a saída constante de profissionais daquela região da profissão. “Já não é sequer saírem de uma unidade para irem para outra, é abandonarem a profissão, porque a região do Algarve é das que regista uma taxa de absentismo muito elevada devido a baixas por doenças prolongadas, doenças raras e outras situações. Não adianta a administração da ULS do Algarve dizer que existem mais de dois mil enfermeiros no Algarve, uma boa parte deles não está ao serviço e os que estão, não são reforçados, e rapidamente atingem a exaustão”. Este ano, refere ao DN, “a agravar a situação, a administração da ULS decidiu que não iria utilizar a bolsa de recrutamento para enfermeiros. De setembro do ano passado a junho deste ano, não foi recrutado um único enfermeiro, até que perceberam que não poderia ser e em junho recrutaram alguns colegas, mas não chegam”.Guadalupe Simões argumenta mesmo que “à custa de não haver contratações, assiste-se ao aumento do trabalho extraordinário, o que tem feito com que aumente também as declarações de escusas de responsabilidade dos profissionais. Só em Faro temos escusas de enfermeiros nos serviços de urgência, obstetrícia, cirurgia e oncologia”. A enfermeira tece críticas a esta administração por “não dialogar com os profissionais e não assumir compromissos”, referindo que “só em junho foram pagos dinheiros devidos desde 2024, o que só faz, associado ao aumento do trabalho extraordinário e à desregulação total dos horários de trabalho, que saiam cada vez mais profissionais do SNS”.Para os sindicatos este protesto é alerta para que sejam "tomadas medidas que potenciem a retenção dos profissionais no SNS e na Região do Algarve; para que os horários sejam regulados e permitam a conciliação da vida pessoal com a profissional". Pretendem ainda a "abertura de concursos que cumpram a justa expetativa de promoção nas carreiras e a revogação do sistema de avaliação, SIADAP, porque é injusto, subjetivo, pouco transparente, nunca é operacionalizado nos prazos legais, não se adequa à especificidade do setor e é especialmente penalizador para os mais jovens profissionais."Após este protesto, entre 25 e 29 agosto, Guadalupe Simões diz que o SEP vai avançar com uma campanha de sensibilização juntos dos centros de saúde e hospitais a alertar a população para a carência de enfermeiros no Algarve e as consequências que tal tem na prestação de cuidados.