Tal como se vê nos filmes, é possível identificar se uma bala foi disparada de determinada arma comparando as marcas deixadas no projétil (ou no cartucho) entre as provas recuperadas no local do crime e as amostras obtidas em laboratório. No entanto, e ao contrário do que nos mostram na ficção, esta perícia não é algo que se faça rapidamente. “Podia demorar alguns meses”, admite ao DN Luísa Proença, diretora Nacional-Adjunta da Polícia Judiciária (PJ). Mas este tempo está prestes a ser reduzido “a minutos”, através da ajuda da Inteligência Artificial (IA)..A PJ desenvolveu uma ferramenta de IA capaz de analisar as imagens de balística e assim ajudar os peritos a identificar mais rapidamente as armas utilizadas. O inovador sistema “vai ser utilizado no nosso Laboratório de Polícia Científica, em primeiro lugar”, mas não se ficará por cá: segue para Espanha. “A Polícia Nacional de Espanha fez parte da última parte do projeto, foram coparceiros, digamos.” E vai do país vizinho para outros Estados-membros, através da Europol, uma vez que a tecnologia ficará disponível para todos..Luísa Proença, diretora Nacional-Adjunta da Polícia Judiciária. FOTO: Leonardo Negrão.Este é um dos exemplos mais evidentes de como a Judiciária não apenas se está a inovar como a ajudar os seus parceiros europeus a combater o crime no século XXI. Este caminho para uma PJ tecnologicamente avançada e energeticamente sustentável, uma espécie de “PJ Verde” (ler aqui), começou em meados de 2018, “quando esta Direção Nacional tomou posse”, lembra Luísa Proença..“Faltava-nos tudo, na altura. E, portanto, investiu-se em muita tecnologia, não só no hardware, mas sobretudo software. Havia motivação e know-how, mas não havia hardware, nem esta camada de sistemas de informação”, recorda..Na Sala de Situação e Operações, a enorme TV LCD, ladeada por telas de vídeoprojetores e duas filas de computadores em anfiteatro trazem lembrança o centro de controlo da NASA em ponto pequeno. FOTO: Leonardo Negrão.Foi, naturalmente, necessário encontrar financiamento. O facto de esta diretora Nacional-Adjunta ter os pelouros Tecnológico e Financeiro Nacional foi uma feliz coincidência. Entraram em cena os fundos europeus: Portugal2020, Portugal2030 e, agora, o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)..Seis anos volvidos “estamos com investimento na ordem dos 50 milhões de euros” em inovação. Desses, “38 ou 39 milhões são o valor do financiamento comunitário”, afirma Luísa Proença. “O que significa que a PJ, com 12 ou 13 milhões, ou seja, uma parcela muito pequena, consegue maximizar o impacto, entrar nas áreas que são absolutamente fundamentais para o seu desempenho na área da prevenção e da investigação criminal.”.Digitalização visível e invisível.Uma visita à nova sede da Judiciária permite perceber, em parte, para onde foi este dinheiro. Há “drones de várias dimensões e com diversas utilidades, desenvolvidos na PJ”, refere a dirigente, que admite também haver “projetos de robótica” em curso, não querendo, porém, revelar, que tipo de utilização têm..Leva-nos à Sala de Situação e Operações: com uma enorme TV LCD, ladeada pelas telas de dois vídeoprojetores e duas filas de computadores em anfiteatro faz-nos lembrar um centro de controlo da NASA em ponto pequeno. Daqui é possível monitorizar qualquer situação de emergência em tempo real, quando se justificar. Existem mesmo gabinetes isolados, equipados com computadores, para as várias equipas internas e externas, incluindo magistrados, caso seja necessário emitir mandados rapidamente..Para aqui poderão ser transmitidas, por exemplo, as imagens obtidas pelo uso do sistema DARLENE (Deep Augmented Reality Law Enforcement), uma ferramenta de realidade aumentada para a resposta à criminalidade e ao terrorismo, que combina óculos inteligentes, algoritmos e arquitetura de rede 5G, permitindo monitorizar em tempo real operações de cenários de alto risco (em perspetiva de primeira pessoa); ou observar o que veem os inspetores no terreno com os óculos de realidade aumentada RISEN (Real-tIme on-site forenSic tracE qualification), um sistema de sensores que permite captar e transmitir os detalhes de uma cena de crime, criando um modelo interativo em 3D. Tem ainda a vantagem de eliminar o risco de contaminação dos vestígios recolhidos, preservando a segurança do operacional..Já no IT Hub, onde se desenvolvem os projetos financiados pelo PRR e se fazem análises de cibersegurança de vários níveis, encontramos por exemplo “cabines antiescuta”, insonorizadas, onde é possível analisar gravações áudio ou realizar entrevistas com total privacidade. Tivemos oportunidade de as testar: de facto, nenhum som do interior se ouve cá fora..No IT Hub da sede da Polícia Judiciária os especialistas desta força policial fazem análise de cibersegurança e desenvolvem projetos especiais com apoio do PRR. FOTO: Leonardo Negrão.E no Laboratório de Polícia Científica, além de todas as outras complexas análises que são aqui realizadas, as tradicionais (mas fundamentais ainda para identificação) impressões digitais são hoje captadas por scanners digitais e não com papel e tinta..Só que nada destes dados terá grande importância se, depois de obtidos e arquivados, não puderem ser eficientemente acessíveis. E aqui entra uma vertente da digitalização que, apesar de parecer invisível, é absolutamente fundamental - a ligação entre todas as componentes do processo de trabalho por via informática..“Já a partir de outubro”, diz ao DN a diretora Nacional-Adjunta da PJ, dar-se-á mais um passo nesse sentido: entrará em funcionamento, de forma faseada, o Piquete Digital. Ou seja, um sistema que permite “aos inspetores e a quem trabalha no piquete fazer toda a gestão de operações, de uma forma integrada” por via informática, sem papel, desde o momento da denúncia. O que tem um imenso potencial para acelerar os processos de investigação..As digitalizações dos meios de prova recolhidos e de impressões digitais - para serem depois analisados, como se vê abaixo - são feitos no Laboratório de Polícia Científica com instrumentos altamente sofisticados. FOTOS: Leonardo Negrão.Ao todo, afirma Luísa Proença, “são 90 e tal projetos” na área da Tecnologia que estão a ser desenvolvidos em simultâneo na, ou para, a Judiciária. Tal é feito com especialistas da polícia e com parceiros externos, “sempre que possível portugueses”, assegura a responsável. Alguns são universidades..“Hoje vejo uma Polícia Judiciária muito capacitada, tecnologicamente muito evoluída, muito bem formada em matéria de competências, muito capaz de enfrentar os desafios do futuro que se colocam à prevenção e investigação da criminalidade mais complexa, organizada e transnacional”, afirma a diretora Nacional-Adjunta. Mas também admite que este é um processo em permanente evolução. “Por outro lado, olhamos para o futuro e temos de ver quais são as necessidades que a polícia vai ter daqui a dois, três, quatro, cinco anos.”.Nas instalações da PJ há gabinetes à prova de som, que garantem a privacidade das conversas quer de quem está no interior, quer de quem está no exterior se não quiser que alguém lá dentro as oiça. Na foto, a diretora Nacional-Adjunta, Luísa Proença, e João Simão, responsável pela Unidade de Sistemas de Informação e Comunicações. FOTO: Leonardo Negrão.Luísa Proença avança que no Fundo de Segurança Interna até 2027 a PJ tem já “projetos identificados que ascendem a 30 e tal milhões de euros”, além dos 50 em curso. “Submetemos agora candidaturas que ascenderam a cerca de 11 ou 12 milhões de euros. Estamos à espera de resultados. E até ao final do quadro comunitário do Fundo de Segurança Interna, estamos a contar ir com o nacional e o europeu a 30 e tal milhões, se pudermos.” Questionada sobre a taxa de execução, a resposta sai rápida como um tiro: “É 100%, claro. Nós não desperdiçamos um cêntimo!”.Uma coisa é certa, afirma: “A este ritmo, a PJ, em 2025, estará irreconhecível, do ponto de vista tecnológico.”. em cima uma das salas de formação tecnológica da Polícia Judiciária.