Os dois zeros entrelaçados, no logotipo do bicentenário, formam o símbolo de infinito, com que a Vista Alegre, em festa, se apresenta na exposição, que inaugurou esta 5ª feira, no Palácio Nacional da Ajuda, em Lisboa. Rumo ao Infinito - Vista Alegre, 200 anos de Criatividade, assim se intitula a mostra, celebra, como não podia deixar de ser a história de uma marca que é uma bandeira cultural de Portugal no mundo, mas também se abre ao futuro e à inovação tecnológica e artística.Todo o trabalho de museologia e curadoria foi elaborado por Filipa Oliveira e Anísio Franco, com consultoria da diretora do Museu Vista Alegre, Filipa Quatorze, o que foi decisivo para que as mais de 400 peças expostas entrassem num diálogo fluido entre passado, presente e futuro, sempre com a arte e a tecnologia como panos de fundo.Como nos diz o historiador de arte e conservador do Museu Nacional de Arte Antiga, Anísio Franco, “uma das principais preocupações dos curadores foi demonstrar como, em muitos casos, a produção da Vista Alegre antecipou a chegada a Portugal de alguns dos principais movimentos artísticos dos séculos XIX e XX”. E exemplifica com dois casos emblemáticos: os temas românticos nas peças assinadas pelo francês Rousseau, ainda nas décadas de 1830 e 1840 e, cerca 30 anos mais tarde, os elementos Arte Nova sobre porcelana, muito antes que este movimento artístico se implantasse, de facto, no país. O que, para a outra curadora da exposição, Filipa Oliveira, demonstra que “é possível esbater as falsas fronteiras entre as artes consideradas maiores, como a pintura e a escultura, e as outras, tidas por menores e decorativas.”.Uma “chávena com pires” raríssima.O percurso começa na sala dos Embaixadores do Palácio, cuja imponência poderia facilmente ter esmagado a delicadeza do material exposto - cerca de 400 obras históricas, de média e pequena dimensão - mas tal não acontece graças ao trabalho do estúdio P06, dirigido por Nuno Gusmão. .Esta primeira sala transforma-se, assim, numa caixa de jóias, que guarda, além das peças icónicas de várias épocas, da fundação à atualidade, muitas peças em “chacota” (só com uma primeira cozedura), demonstrativas das várias fases de produção da Vista Alegre..Destas cerca de 400 peças, há que destacar a raríssima “Chávena com Pires”, com decoração a ouro e rosa, ostentando medalhões policromados, com “figuras alegóricas”, tendo o medalhão central a legenda “D. Izabel Maria”. Trata-se de uma das duas primeiras peças conhecidas produzidas pela Fábrica, destinada à Infanta Isabel Maria (1801-1876), filha do rei D. João VI e regente do Reino após a morte do pai..Foto: Álvaro Isidoro.Mas também podemos salientar, pelo valor histórico, as peças da primeira encomenda de um particular à marca - a baixela do Marquês de Abrantes, ainda na primeira metade do século XIX, ou as obras encomendadas a nomes grandes das artes portuguesas como Raul Lino, Roque Gameiro, Delfim Maya ou, mais recentemente, Siza Vieira, Júlio Pomar ou Bela Silva..Clare Twomey, autora da instalação 'Continuum'Fotografia: Álvaro Isidoro.Mas engana-se quem, como a jornalista, espera encontrar tais preciosidades atrás dos vidros de vitrinas. Sem mediação, elas apresentam-se ao seu público, como “estrelas” que são, protegidas por um círculo que vai desfiando a linha cronológica da História da marca, desde a fundação por Pinto Basto à atualidade. “Esta proximidade do olhar - diz-nos Filipa Quatorze, diretora do museu da Vista Alegre - caba por ser muito atraente para o visitante, na medida em que lhe permite apreciar as peças sem reflexos..Moldes e matérias-primas.Outro aspecto curioso é o facto da seleção de obras não ter incluído apenas peças perfeitas, símbolos acabados da excelência Vista Alegre. Como afirma Anísio Franco, “o objetivo é mostrar como decorre o processo de criação de novas obras, que é feito de tentativas e erros naturalmente.” Atrás desta primeira sala, o público poderá ter um “cheirinho” da manufactura Vista Alegre, com a exibição de moldes e matérias-primas, mas também com a presença de um pintor da fábrica a mostrar como é feita a pintura, sempre manual, das mais diversas peças.A abertura da marca aos desafios do futuro está, por sua vez, simbolizada na instalação encomendada à artista plástica britânica Clare Twomey, Continuum, que, nas palavras da própria, “é uma homenagem à fábrica da Vista Alegre e à excelência dos que lá trabalham.” Com um confesso fascínio pelo mundo da indústria, Clare, que já trabalhou para instituições como o Victoria & Albert Museum, em Londres, imaginou, assim, uma cascata de barbotina, que funciona quase como uma experiência imersiva, já que nos remete para o som e até para o cheiro de uma fábrica de cerâmica.Na sala D. João IV, sob os lustres que iluminaram a última corte de Portugal, a Vista Alegre mostra ainda algumas das suas mais recentes criações, que, além da porcelana, incluem já mobiliário, têxteis, cutelaria e cristal. E como não há celebração sem música, toda a exposição terá como tema de fundo a “Valsa Alegre”, composta por Rodrigo Leão para este bicentenário..A exposição poderá ser visitada até 31 de Maio, de 5ª a 3ª feira, das 10 às 19 horas. O bilhete só para a exposição custa 7 euros e 12.50 se incluir também a visita ao Palácio Nacional da Ajuda.