Marcelo e Costa voltam a atirar-se juntos para os braços do povo
A lua-de-mel, para já, prossegue. Depois de três dias de braço dado em Paris, de 10 a 13 de junho, com uma agenda (definida no essencial pelo Presidente) coincidente quase a cem por cento (e que incluiu banho de multidão na festa da Rádio Alpha), Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa preparam-se para se atirarem de vez para os braços do povo: na próxima semana, na noite de 23 para 24, tendo como anfitrião o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, estarão lado a lado na noite de São João, oferecendo as respetivas cabeças aos martelinhos de plástico característicos desta festa popular. Antecipam-se trocadilhos vários com o facto de Marcelo ter sido em tempos tratado pelo Contra-Informação como Professor Martelo.
Horas antes, o Presidente da República (PR) e o primeiro-ministro (PM) terão também no Porto a sua habitual reunião semanal. A imprensa, como habitualmente, será inundada de relatos dando conta de uma coabitação Belém-São Bento nunca antes vista.
A história ensina, porém, que no princípio a coabitação entre os dois órgãos de soberania é sempre tranquila (Cavaco chegou uma vez a elogiar o "ímpeto reformista" de Sócrates). Talvez nunca se tenha visto tanta informalidade e boa disposição - mas isso advém das personalidades de um e de outro, unidas pelo gosto por uma boa gargalhada. Em Paris, Costa divertiu-se com Marcelo oferecendo-lhe um postal com um coelho desenhado - pormenor do quadro O Salto do Coelho, de Amadeo de Souza-Cardoso, cuja exposição tinham acabado de visitar, no Grand Palais. Riram-se muito os dois. Vendo jornalistas nas imediações, Marcelo preferiu não comentar, para evitar "leituras nacionais".
Isto foi no domingo passado. No sábado os dois tinham jantado a sós num restaurante da capital francesa, por iniciativa do PR, segundo revelou o Observador. Também tinham - num gesto verdadeiramente herético, do ponto de vista da segurança - viajado em França no mesmo avião: um "voo histórico", segundo a legenda da foto que o primeiro-ministro publicou na sua página no Instagram.
A mesma rede social serviu aliás a Costa para colocar outras fotografias mostrando-o em momentos de cumplicidade com Marcelo: uma do momento em que o PM protegeu o PR com um guarda--chuva no "comício" aos emigrantes na festa da sua Rádio Alpha (o PR também publicou uma imagem desse momento no seu site); outra com os dois juntos posando para uma selfie que Costa tirou, na Câmara Municipal de Paris, logo no primeiro dia da visita.
Há, porém, uma nuvem no horizonte e chama-se economia. Meio a brincar meio a sério, Marcelo já falou do "otimismo irritante" do primeiro-ministro em relação à evolução económica do país. Em Paris considerou-o mesmo "hiperotimista" (assumindo para si, em compensação, a característica de "hiperativo").
Ontem, segundo o Expresso, Marcelo chamou a Belém o governador do Banco de Portugal (BdP). Supostamente era para falarem da Caixa Geral de Depósitos (CGD), mas afinal não foi. "Vou convocar um Conselho de Estado para tratar da situação económica e financeira europeia, e acho que é muito importante ouvir com antecedência o governador do Banco de Portugal acerca do que se passa na Europa", disse ontem Marcelo aos jornalistas, quando entrava na Faculdade de Direito de Lisboa para um jantar comemorativo dos 50 anos do seu curso.
Mas além da CGD há a economia do país, no seu todo. Dados ontem revelados pelo BdP mostram que o indicador da atividade económica caiu pelo sexto mês consecutivo - e pela primeira vez a queda foi para valores negativos. O consumo privado - componente da procura interna que o governo diz que será a alavanca do crescimento económico dado o arrefecimento da economia interna- cional e, portanto, das exportações - também caiu, pelo quarto mês consecutivo.
Marcelo convocou para 11 de julho a próxima reunião do Conselho de Estado, seguindo a periodicidade que anunciara (reuniões trimestrais). Como ontem explicou, quer discutir oficialmente o impacto na economia nacional de factos internacionais relevantes, como o referendo do Reino Unido sobre a sua permanência na UE, marcado para a próxima quinta-feira (precisamente o dia em que ele e Costa se entregarão aos braços do povo portuense na festa do São João).
Dito de outra forma, a reunião será mesmo sobre o rumo da economia portuguesa, sendo muito pouco provável que o ambiente de "forte empatia institucional" (expressão, ontem, de Pedro Santana Lopes, na sua coluna de opinião no Correio da Manhã) sentido nos últimos dias se transporte para a sala do Palácio de Belém onde os conselheiros se reunirão. Um primeiro sinal importante sobre a forma preocupada como o PR segue o progresso da economia foi dada na espécie de "pena suspensa" que anunciou à entrada em vigor da nova lei das 35 horas. Se se verificar aumento da despesa pública, a lei será mandada para o Tribunal Constitucional, explicou Marcelo - que assim sinalizou a importância que dá a um controlo férreo das contas do Estado.
A data para o Conselho de Estado não foi escolhida por acaso. Será exatamente na véspera do dia para o qual a Comissão Europeia já marcou o anúncio de uma decisão sobre eventuais sanções a Portugal motivadas pelo défice de 2015 (3,2% do PIB, a que há que somar 1,2 do efeito Banif). Aparentemente, nem o PR nem o PM sabem ainda qual será a decisão - e a sintonia entre ambos tem-se revelado também nessa matéria, denunciando o "absurdo" (expressão de Costa) que seria penalizar Portugal por duas décimas do PIB.
Na agenda internacional, a única certeza que há sobre um novo momento que junte os dois será no final de outubro. O Presidente da República e o primeiro-ministro irão a Cartagena das Índias, Colômbia, para a Cimeira Ibero--Americana. É normal os dois órgãos de soberania deslocarem-se juntos a esta reunião. É também possível que em setembro os dois se desloquem a Brasília (cimeira da CPLP).
No curto prazo, Marcelo e Costa desejariam voltar juntos a Paris (onde, aliás, o primeiro-ministro estará hoje, para ver o Portugal-Áustria, e encontrar-se com o seu homólogo francês, Manuel Valls). Gostariam de fazê-lo a 10 de julho. Mas para isso é preciso que a seleção de Portugal chegue à final do Euro 2016.