Sentada no banco em frente ao prédio onde mora, Paula Santos põe a conversa em dia com as vizinhas. À volta delas, o pátio do bairro da Quinta do Cabrinha, em Lisboa, está num alvoroço pouco habitual. Portas abertas, 160 jovens de um lado para o outro, com batas, toucas e latas de tinta, e ao fundo um grelhador, onde se começam a fazer brasas para mais tarde se confecionar o lanche comunitário.."Tudo o que for para melhorar o bairro é bom. E, olhe, também vêm entreter a gente", aponta, de imediato, Paula. Aos 62 anos, e apesar das condições terem melhorado, não hesita na escolha entre o bairro antigo - o Casal Ventoso - e o atual. "Gostava mais de estar lá em cima." Desde que os habitantes do Casal Ventoso foram realojados nos bairros da Quinta do Loureiro e Quinta do Cabrinha, passaram 20 anos, e apesar de já estarem "habituados", muitos moradores mantêm os laços afetivos com o antigo bairro.."Queremos recolher as memórias das pessoas que viveram no Casal Ventoso. Não há uma identificação das pessoas com o bairro porque não houve um luto do Casal Ventoso, quando se fez a mudança", aponta Filipe Santos, do Projecto Alkantara, que promove este enraizamento da população aos bairros onde foram realojados..Uma das iniciativas é este melhorar dos espaços comuns, feito com recurso a voluntários, alunos de várias universidades de Lisboa. Em novembro de 2017, já um grupo de estudantes, onde estava Patrícia Lopes, de 21 anos, fez o mesmo trabalho na Quinta do Loureiro. O desafio para participar chegou por uma assistente social que está no projeto. Fez parte das duas ações e acredita que é uma forma de perceber de perto o impacto da reinserção social e também ser útil para esta população. Gosta de ver que "as pessoas estão sempre curiosas para ver o que vai acontecer". Nasceu um ano antes destes bairros terem sido habitados, por isso, não tem memória da existência do Casal Ventoso. "Apenas o que o meu pai me disse. Ele é GNR por isso, como imagina não foi nada de positivo." Nada que limitasse a perceção de Patrícia: "Somos estudantes de serviço social e aprendemos que temos de ver além do que os outros veem.".O projeto Memórias do Casal Ventoso tem o financiamento do programa BIP/ZIP da Câmara Municipal de Lisboa, e a colaboração das juntas de freguesia a que os bairros pertencem (Campo de Ourique e Alcântara), da Santa Casa da Misericórdia e associações locais. A gestão da iniciativa está a cargo do Projecto Alkantara.."Quando fizemos esta ação no Loureiro, pintámos o átrio de entrada e ficámos a saber que depois os moradores se organizaram e já pintaram o resto das áreas comuns dos lotes", conta, orgulhoso, Filipe Santos, que apesar dos 70 anos não mostra qualquer sinal de cansaço. Embora admita que "trabalhar a resistência à frustração" seja uma tarefa árdua.."Somos mediadores de muitos destes moradores no mercado de trabalho, criamos competências que eles precisam, como aprender inglês. Mas reconhecemos que é um estereótipo que se mantêm", lamenta. Para logo, dar o exemplo de dois casos de sucesso: "Temos dois jovens licenciados. Uma educadora social que trabalha connosco e um licenciado em História que é assessor na junta de freguesia.".Filipe Santos trabalha para multiplicar os casos de sucesso junto desta população. E acredita que este "é um trabalho para se fazer por quem está dentro da comunidade, alguém que está disponível para ir com eles onde for preciso"..Momentos como os vividos ontem à tarde são vistos pelo presidente da Junta de Freguesia de Alcântara com "muito agrado", porque permitem abrir o bairro aos jovens estudantes. "É uma iniciativa muito positiva, não só porque promove a melhoria dos espaços públicos, como pelo entusiasmo que se cria à volta destes momentos", aponta Davide Amado..Deixar as entradas dos prédios do bairro mais limpas e luminosas foi o resultado conseguido pelo trabalho dos estudantes, que contaram com a oferta de 60 litros de tinta por parte da Gebalis. Um gesto apreciado pelos moradores, que não deixaram, no entanto, de apontar outras necessidades. "Era preciso tratar das portas e dos elevadores, mas isso não é trabalho para esta rapaziada nova, pode ser que alguém responsável veja isso", aponta Paula Santos, contando com os acenos de concordância das vizinhas..Apesar disso, não deixa de reconhecer que o bairro fica melhor com esta nova pintura. Depois da pintura, Filipe Santos espera que na Quinta do Cabrinha se crie também uma comissão de moradores, como aconteceu no Loureiro. O objetivo é que estes moradores criem identificação com o bairro onde moram e cuidem do bairro. Se ajudar a criar estes laços, Filipe Santos vai poder repetir que faz este trabalho, há 20 anos, "por satisfação de dever cumprido".