A Ordem dos Advogados defende que uma futura lei que despenalize a morte medicamente assistida deve ser levada, preventivamente, ao Tribunal Constitucional (TC). "Em matérias de tão séria repercussão individual e social, cremos bem que este controlo se imporia", escreve a organização representativa dos advogados, num parecer enviado à Assembleia da República..No documento, a Ordem dá como exemplo a intervenção dos juízes do Palácio Ratton numa "matéria próxima" - a despenalização do aborto nas primeiras dez semanas - considerando que a intervenção prévia do Tribunal ajudou "decisivamente no aplacar de dúvidas que existem sempre em matérias assaz sensíveis". O mesmo princípio será válido para a morte assistida, dado que a pronúncia do TC representaria uma "garantia acrescida de que a Constituição não constitui óbice" às soluções que vierem a ficar previstas na lei. A OA diz, por isso, que "não estranharia que o projeto, a merecer aprovação na Assembleia da República, fosse submetido pelo senhor Presidente da República a fiscalização preventiva da constitucionalidade"..A posição da Ordem dos Advogados está expressa no parecer ao projeto de lei do Bloco de Esquerda que autoriza a morte medicamente assistida, uma das quatro propostas sobre esta matéria que vai a debate no parlamento, a 29 de maio (os restantes projetos são do PS, PAN e PEV). Até agora, chegaram à Assembleia da República sete pareceres aos textos apresentados pelos partidos, com predominância aos do PAN e BE, os primeiros a darem entrada na Assembleia da República..Quanto à questão de fundo, a OA não toma posição, considerando que a despenalização da morte medicamente assistida é "uma exclusiva opção de política legislativa que compete aos órgãos de soberania titulares do poder legislativo". A OA diz também que esta é "uma eminente matéria de consciência individual", posição que repete no parecer ao texto do PAN..Enfermeiros são contra.A Ordem dos Enfermeiros já se pronunciou sobre três das quatro propostas em cima da mesa (falta apenas a pronúncia ao texto do PEV, o último a entrar), terminando sempre com a mesma conclusão - "o projeto de lei não apresenta maturidade para que possa ser analisado enquanto tal", pelo que a Ordem decide "não aceitar a redação proposta"..Dois dos argumentos para a rejeição são repetidos nos três pareceres. "Para além do conceito de antecipação da morte por decisão da própria pessoa ainda carecer de maturação e de melhor fundamento em Portugal, à luz de um necessário e alargado consenso ético", a OE defende que esta discussão "não poderá sobrepor-se, nem antecipar-se à necessidade de previamente se assegurar uma rede de Cuidados Paliativos e Continuados, competente, eficaz e de acesso imediato ao utente"..Mas há uma outra crítica da organização que representa os enfermeiros e que é comum aos vários projetos, classificados como "redutores" na medida em que centralizam o processo "num único profissional de saúde - o médico - ignorando a intervenção concreta não só dos profissionais de enfermagem, como de outros profissionais de saúde". Na apreciação ao projeto do PS, os enfermeiros enunciam uma posição de princípio contra a eutanásia - "É obrigação do enfermeiro exercer a profissão com respeito pela vida, pela dignidade humana e pela saúde e bem estar da população "..CNECV também, mas há exceções.Quem também assume uma posição de princípio contra a morte medicamente assistida é o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV), que procura contrariar um dos argumentos dos defensores da despenalização da eutanásia - a primazia da vontade do doente. "O projeto [no caso, do PAN] atribui ao médico a decisão final sobre o pedido de morte. Logo, o fundamento do princípio do respeito pela autonomia da pessoa que faz o pedido fica claramente comprometido", argumenta o CNECV. Por outra lado, a mesma entidade defende que é "gravosa, em Portugal, a carência de cuidados, designadamente paliativos, que podem proporcionar qualidade de vida no seu fim, bem como a falar de informação e esclarecimento aos cidadãos sobre as opções existentes"..Uma argumentação contrariada por um dos membros do CNECV, que votou contra o parecer. Numa declaração de voto, André Dias Pereira diz não se rever nas "reservas e cautelas" do CNECV e argumenta que a a questão do reforço dos cuidados paliativos é um consenso na sociedade portuguesa, mas que não é desse tema que trata o projeto de lei. E contraria o argumento segundo o qual o controlo médico ao pedido de eutanásia constitui uma limitação da autonomia. Um argumento que incorre "numa falácia", defende, dado que "o argumento do parecer limita a autonomia em nome da própria autonomia"..André Dias Pereira conclui defendendo a "primazia da autonomia da pessoa doente e a ilegitimidade de - numa sociedade plural e democrática - se querer impor certas formas de morrer a outra pessoa"..Ao Parlamento chegaram ainda pareceres da Procuradoria-Geral da República e do Conselho Superior da Magistratura (CSM). Nenhuma das entidades toma posição sobre a morte medicamente assistida, centrando-se na redação dos diplomas. No caso do CSM, que se pronuncia sobre o texto do PAN, são vários os alertas para a necessidade de precisar que as situações de incapacidade mental são motivo de exclusão do pedido de eutanásia.