Críticas e demissão por quebra de anonimato em barrigas de aluguer

Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida reúne hoje para "encontrar soluções aos problemas causados pelo Constitucional", diz Eurico Reis, que se demitiu
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O Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida reúne hoje para "encontrar soluções aos imensos problemas que o chumbo do Tribunal Constitucional causa" no que diz respeito à gestação de substituição e à procriação medicamente assistida (PMA). Explicações do juiz Eurico Reis ao DN, ontem, no dia em que apresentou a demissão ao presidente da Assembleia da República em "sinal de protesto", deixando o conselho na segunda-feira, para poder participar na reunião que tem início marcado para as 10.00.

"Apresentei a minha demissão em sinal de protesto contra a tomada de decisão do Tribunal Constitucional (TC), com efeitos a partir de segunda-feira. O Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida vai apreciar o acórdão do T C, que causa imensos problemas, e têm que ser encontradas soluções", justificou Eurico Reis, que está no órgão há 11 anos (dois mandatos como presidente).

O TC chumbou seis normas no acesso à gestação de substituição e à procriação medicamente assistida (PMA) que decorrem da terceira alteração à lei n.º 32/2006. Mas a que mais problemas coloca, segundo o desembargador, tem a ver com o anonimato dos dadores.

Os juízes conselheiros consideram inconstitucional que a lei imponha o "sigilo absoluto relativamente às pessoas nascidas em consequência de processo de PMA com recurso a dádiva de gâmetas ou embriões, incluindo nas situações de gestação de substituição, sobre o recurso a tais processos ou à gestação de substituição e sobre a identidade dos participantes nos mesmos como dadores ou enquanto gestante de substituição".

Eurico Reis entende que a quebra do anonimato vai implicar a redução do número de dadores, o que tornará o processo mais difícil e caro, já que se terá de recorrer aos bancos estrangeiros. "Declaram inconstitucionais normas que entraram em vigor há anos", sublinha.

Críticas corroboradas pela presidente da Associação Portuguesa de Fertilidade, Cláudia Vieira: "É incompreensível que uma lei que já foi aprovada, que passou por todas as instâncias e que já estava em pleno funcionamento volte agora para trás. Basta colocarem-se na pele destes casais e perceberem o impacto emocional que um volte-face destes tem nas suas vidas. É algo de verdadeiramente inimaginável".

Considera que há dadores porque existe anonimato, salientando que o recurso à doação de gâmetas faz-se "há anos e sem qualquer celeuma". Protesta: "No caso da gestação de substituição esta situação roça o ridículo, por dois motivos: em muitos casos o casal beneficiário dará ambos os gâmetas (feminino e masculino) e, se tal não acontecer, a lei prevê a obrigatoriedade de pelo menos um dos elementos doar os seus gâmetas".

Opinião diferente é a de Jorge Soares, presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV). Entende que tais justificações "não têm em conta a dignidade da gestante e da pessoa que nasceu mas o recurso a uma técnica". O parecer deste órgão foi referido pelos juízes do Constitucional ao votaram contra as seis normas. ""A decisão do TC apoia-se muito no nosso parecer. Aborda muito bem o que é o direito à identidade genética. É fundamental uma pessoa saber de onde veio", defende Jorge Soares. Elogia também, a declaração de inconstitucionalidade não se permitir que a gestante recue na decisão de entregar a criança depois de assinado o contrato de consentimento. "Considerámos que a lei era muito aberta relativamente aos contratos de gestação com os progenitores, já que não estavam salvaguardados os aspetos fundamentais relativamente à dignidade da gestante e à revogação do contrato".

Também os partidos estão divididos. A presidente do CDS é apologista da "possibilidade da criança saber quais são os progenitores biológicos", disse à agência Lusa. Fernando Negrão, líder parlamentar do PSD, concorda com o Constitucional, disponibilizando-se para "sanar as inconstitucionalidades". O vice-presidente do grupo parlamentar do PS, João Paulo Correia, demonstrou disponibilidade para "dialogar", mas depois de ver as propostas dos outros grupos. Posição idêntica é a do BE (autores da iniciativa legislativa), sublinhando que o TC considerou a "a solução legal e constitucional".

A lei da gestação de substituição foi aprovada, com alterações após o veto presidencial, em 20 de julho de 2016, com os votos do BE, PS, PEV, PAN e 20 deputados do PSD. Votaram contra a maioria dos deputados do PSD, do PCP, do CDS-PP e de dois do PS. E teve oito abstenções do grupo do PSD.

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