Costa recusa decidir contra Marcelo possível continuação de PGR

Primeiro-ministro justifica afirmação de ministra como "opinião jurídica pessoal". PSD garante que PS "condiciona" Ministério Público
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O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, será o árbitro na possível continuação da procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, se a própria não fechar a porta a essa hipótese.

O primeiro-ministro, António Costa, disse-o ontem na Assembleia da República - no primeiro debate quinzenal do ano - e a Constituição define-o, no seu artigo 133.º: é ao Presidente que compete "nomear e exonerar, sob proposta do Governo, o presidente do Tribunal de Contas e o procurador-geral da República".

Uma frase da ministra da Justiça, ontem, em entrevista à TSF, sobre a não renovação do mandato de Joana Marques Vidal à frente da Procuradoria-Geral da República, colocou o primeiro-ministro à defesa. "Na perspetiva de análise jurídica que faço, há um mandato longo e um mandato único", disse Francisca Van Dunem - o que deu o pretexto para as primeiras perguntas a António Costa, por Hugo Soares, líder parlamentar do PSD.

O primeiro-ministro defendeu-se dizendo que a ministra se limitou a dar "a sua opinião jurídica pessoal", garantiu não estar tomada nenhuma decisão política e recordou que terá de a consensualizar previamente com o Presidente da República - que como se viu é quem nomeia, por proposta do Governo - e acrescentou ainda que nessa altura (daqui a dez meses) falará também com os partidos parlamentares.

"O calendário impõe que essa decisão tenha de ser tomada em outubro e, como é próprio da Constituição, decorre de um diálogo entre Governo e Presidente da República. Nunca direi nada em público sobre o futuro do Ministério Público, sobre o futuro da atual procuradora-geral da República, sem que fale primeiro com o Presidente da República", atirou o primeiro-ministro.

Contactada pelo DN, fonte de Belém afirmou que não comenta entrevistas de governantes.

Costa alinharia com o discurso de Van Dunem. "Se me pergunta, tenderei a dizer que a interpretação da ministra da Justiça está correta, mas é absolutamente prematuro discutir o tema, não vou assumir em nome do Governo uma posição que o Governo não analisou", assegurou o primeiro-ministro.

Como se previa, o PSD não se deu por satisfeito com as respostas. Hugo Soares recuperou o acordo entre sociais-democratas e socialistas para a revisão constitucional de 1997. António Costa era o líder parlamentar do PS, recordou o atual líder da bancada do PSD, e os dois partidos acertaram que o mandato do PGR seria de seis anos "sem limitação de renovações", como leu Hugo Soares. Já os mandatos dos juízes do Tribunal Constitucional estão definidos como sendo de "nove anos", "não renováveis". "Não há limitação de mandatos para nenhum órgão que não esteja expressamente previsto na lei", argumentou.

Hugo Soares defendeu que a ministra não tem direito a opiniões pessoais no exercício de funções e que vê todo o caso como uma tentativa do Governo de "condicionar" a chefe do Ministério Público (MP).

Governo não gosta de PGR "livre"

O Governo, acusou o líder parlamentar social-democrata, "não respeita a autonomia" do MP e não gosta da forma "livre" como Joana Marques Vidal tem exercido o seu mandato.

"Os senhores querem mesmo mudar a senhora procuradora porque não gostaram do mandato, livre, competente, determinado que exerceu", acusou. É que, sublinhou Hugo Soares, "há um antes e um depois da doutora Joana Marques Vidal na Procuradoria-Geral da República". E justificou: "É a primeira vez que a justiça mostrou que não é diferente com os fortes e com os fracos, com grandes e pequenos."

O líder da bancada social-democrata não falou da investigação ao antigo primeiro-ministro socialista José Sócrates mas era o que estava nas entrelinhas.

António Costa não deixou o elefante no meio da sala sem resposta: "É difícil encontrar alguém que, ao longo de toda a sua vida, mais escrupulosamente tenha respeitado a autonomia do Ministério Público do que eu próprio, em circunstâncias bem difíceis, por vezes com grande incompreensão de pessoas que são minhas amigas, camaradas, e pessoas com quem tive a honra de trabalhar. Mesmo assim, sempre separei o que é a política do que é a justiça e essa é uma linha de que nunca me afastarei", afirmou o primeiro-ministro, recuperando uma expressão que repetiu à exaustão na altura da detenção de Sócrates, no final de 2014.

Ao desafio de Soares para desautorizar Van Dunem, Costa insistiu que a ministra da Justiça "apenas respondeu de boa fé a uma pergunta" na entrevista à TSF, replicando que não havia posição ou decisão do Governo. "Eu não desautorizo posições jurídicas de qualquer membro do Governo", argumentou o primeiro-ministro. E lembrou que o tema chegou ao debate público pela "balbúrdia da discussão interna" dos candidatos à liderança do PSD, Rui Rio e Santana Lopes.

Também o comentador e antigo líder social-democrata, Luís Marques Mendes, defendeu no seu espaço na SIC, no domingo, a continuação de Marques Vidal, apesar de notar que a própria poderá não querer esse novo mandato.

"Eu sei que, em privado, a procuradora-geral da República tem manifestado a intenção de não fazer mais um mandato, mas julgo que a bem do país e da independência do MP propusesse a sua recondução e a convencesse para um segundo mandato", avançou Marques Mendes.

O tema também já tinha entrado no debate entre Pedro Santana Lopes e Rui Rio. No primeiro debate entre ambos, realizado na quinta-feira passada, os dois candidatos à presidência do PSD escusaram-se a dizer se reconduziriam Joana Marques Vidal, mas Rio não se desfez em elogios à atual PGR. "Não é um balanço positivo [que faço], não vejo no Ministério Público a eficácia que gostava de ver, o recato que entendo que deve existir. Os julgamentos não devem ser feitos na praça pública", atirou na altura, obrigando-se a justificar que tal não significa que esteja "a ilibar quem quer que seja".

Do outro lado, Santana deu uma no cravo (concordou com a inadmissibilidade de julgamentos na praça pública) e outra na ferradura, ao fazer um balanço positivo da atuação do MP, afirmando - na linha do que defendeu ontem o seu apoiante Hugo Soares - que "tem dado provas de coragem e de capacidade".

No final do debate quinzenal de ontem, nos Passos Perdidos, quando Costa se preparava para sair, o primeiro-ministro fez questão de se despedir à frente das câmaras da ministra da Justiça.

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