Três dos mais importantes constitucionalistas portugueses consideram ilegal a decisão da ministra da Justiça em admitir a extradição de Raul Schmidt Felippe Junior, com nacionalidade portuguesa desde 2011, acusado pelas autoridades brasileiras na megainvestigação de corrupção conhecida por Lava-Jato. Gomes Canotilho, Paulo Otero e Rui Moura Ramos concluíram que Raul Schmidt, nascido no Brasil e neto de português, é, de acordo com a legislação em vigor, "português originário" ou "de nascença", não podendo em situação alguma ser aceite o pedido de extradição, devendo o seu julgamento ser feito em Portugal..Em abril de 2016, Francisca Van Dunem decidiu ser "admissível" a extradição de Raul Schmidt para que fosse julgado no Brasil. Em 7 de setembro, o Supremo Tribunal de Justiça confirmou a extradição para o Brasil, ao validar a decisão tomada pelo Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), em 7 de dezembro de 2016. O TRL aceitou a extradição do empresário para o Brasil, na condição de este só ser julgado por factos anteriores a 2011, data em que adquiriu nacionalidade portuguesa. Raul Schmidt - fugido à justiça brasileira desde julho de 2015 e que foi detido em março do ano passado pela Polícia Judiciária - é suspeito, no Brasil, dos crimes de corrupção e branqueamento de capitais e organização criminosa, no âmbito da operação Lava Jato, que investiga crimes económico-financeiros na Petrobras..Reforçada agora com os pareceres dos três "pesos-pesados" da mais importante lei da República, a defesa requereu à ministra, ao Tribunal Constitucional e ao Tribunal de Relação (instância que decide os casos de extradição) que revogasse a decisão. O principal argumento é que, quando a ministra da Justiça considerou "admissível" a extradição, limitada aos factos anteriores a 14 de dezembro de 2011 (a data em que Raul Schmidt adquiriu a nacionalidade portuguesa por naturalização), já as alterações ao Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, de 2015, deveriam ter entrado em vigor há mais de sete meses..Paulo Otero sublinha que "se o governo tivesse cumprido o prazo de 30 dias a que estava obrigado, em finais de agosto de 2015 a Lei Orgânica n.º 9/2015 já teria entrado em vigor e, deste modo, "todo o regime que, permitindo ao Dr. Raul Schmidt Felipe Júnior adquirir a cidadania originária, impossibilitaria a senhora ministra da Justiça de, em 26 de abril de 2016, considerar "admissível o pedido de extradição"". Para o catedrático de Direito Constitucional o que sucedeu foi, por isso "um inequívoco abuso de direito por parte da administração pública". A administração "comete uma dupla ilicitude, pois a nova ilicitude", admitir a extradição, "alicerça-se na sua própria ilicitude anterior", atrasar dois anos a entrada em vigor das alterações à Lei da Nacionalidade"..Um ponto fundamental do parecer de Paulo Otero é a "natureza retroativa da cidadania originária", uma vez que todo o estrangeiro (Raul Schimdt já é português desde 2011) que seja neto de portugueses pode ser, retroativamente, português de origem a qualquer momento..Gomes Canotilho também não tem dúvida de que a "extradição deve ser "recusada". Considera que a lei que permite o direito à cidadania originária "é aplicável independentemente do momento da aquisição da nacionalidade portuguesa". Significa isto que "se trata de norma aplicável quer a indivíduos já portadores da nacionalidade portuguesa aquando da prática do crime que justifica o pedido de extradição quer a indivíduos que a hajam adquirido após a prática do crime, mas antes de tomada a decisão sobre o requerimento de extradição apresentado perante o Estado português", como sucede com Raul Schmidt. No seu entender, "é inequívoca a inadmissibilidade constitucional da extradição do cidadão português Raul Schmidt"..Rui Moura Ramos sublinha que as autoridades administrativas e judiciais estão obrigadas a reconhecer a nacionalidade de origem deste cidadão português, independentemente de qualquer outra formalidade regista", devendo "proceder ao registo, por averbamento ao assento de nascimento"..O gabinete da ministra da Justiça não revela se Francisca Van Dunem pode mudar a sua posição, face aos pareceres. "A extradição é um processo judicial, os pareceres terão sido dados no processo que o juiz decidirá. Algum despacho da senhora ministra será apenas um pró-forma de formalidades do processo de extradição quando vem ao ministério", respondeu.