Advogada que diz falar com os mortos quis saber se atividades eram incompatíveis

Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados deu o seu aval à prática holística mas alerta que "o escritório de advocacia deve ser integralmente distinto do local da prática curativa pela Luz"
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Uma advogada que afirma "falar com o Além" desde os 9 anos e que é "detentora de vários cursos esotéricos e holísticos" pediu um Parecer à Ordem dos Advogados (OA), para saber se pode continuar a exercer a advocacia em simultâneo com a prática holística. O pedido, enviado para o Conselho Regional de Coimbra, recebeu resposta positiva a 11 de janeiro, mas o redator do documento decidiu citar Shakespeare e até a Bíblia, para justificar a decisão do Conselho. "Há mais coisas entre o céu e a Terra do que as da tua filosofia" é uma das frases (da obra Hamlet) que constam no Parecer.

O documento, que pode ser consultado na íntegra na página da Ordem dos Advogados (Conselho Regional de Coimbra), refere que a advogada que "usa o nome profissional de FR (...), dirigiu a este Conselho comunicação em que pretende colher parecer sobre a existência ou não de incompatibilidade entre a advocacia e outra atividade, que não classifica mas que proficientemente descreve e contextualiza".

Para não existirem dúvidas do contexto descrito, o documento explica que FR "afirma-se possuidora da capacidade de falar com o Além desde a idade de 9 (nove) anos, altura em que também se apercebeu da respetiva capacidade mediúnica".

A advogada, além do curso de Direito, informou a OA de que também possui "vários cursos esotéricos e holísticos": Reiki, Hipnose de Regressão das Vidas Passadas e de Terapia Dimensional ou Cura do Coração: todos estes conhecimentos baseiam-se, segundo FR, "na energia e Seres de Luz", e aproveita ainda para esclarecer que "o culto desses conhecimentos configura uma religião - o Espiritismo".

A "situação" foi apreciada pelo Conselho Regional de Coimbra da OA que recorda a Constituição da República Portuguesa no sentido em que esta assegura a liberdade de consciência e de culto (artigo 42º, 1) e que, entre outras conclusões, indica que "não se descortina como a independência e a isenção da advocacia possam vir (...) a ser afetadas pelo desenvolvimento paralelo de ações conexas com o espiritismo".

O redator do Parecer, Jacob Simões, recorda, no entanto, que no exercício "deve imperar uma lógica que se pretende estritamente racional" e que neste ponto, a "discussão já assume maiores melindre e dificuldade", até porque, traduzindo para termos mais simples a redação de Simões, quem não acredita em "vidas passadas" pode atribuir à atividade da advogada um "caráter quase burlesco".

Mas eis que aqui se apela de novo à Constituição, no que diz respeito à liberdade religiosa. E o redator do Parecer - que é vinculativo - passa a citar Shakespeare, na peça Hamlet: "há mais coisas entre o céu e a terra do que as da tua filosofia".

A conclusão é a de que "quem se dedica a essa espécie de estudos e práticas não sofre de qualquer diminuição na sua capacidade de exercer a advocacia".

O autor do Parecer quis ainda usar uma frase da Bíblia e cita Mateus (22, 21): "Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus". E o que pretende dizer Jacob Simões com este trecho religioso? Que "o escritório de advocacia deve ser integralmente distinto do local da prática curativa pela Luz".

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