Domingues avisou que votação na AR provocaria demissão
António Domingues avisou com antecedência o Governo: estava a preparar-se no Parlamento, nas votações do Orçamento do Estado, uma coligação negativa que tornaria absolutamente expressa em lei a obrigatoriedade dele próprio e dos outros administradores da CGD (Caixa Geral de Depósitos) apresentarem no TC (Tribunal Constitucional) declarações de rendimentos e património. E isso poria em causa a continuidade da administração.
Na quinta-feira passada, confirmou-se o que Domingues antecipara: o BE juntou-se ao PSD e ao CDS para aprovar a proposta do PSD - só o PS e o PCP votaram contra. O assunto voltou a ser debatido no dia seguinte, no plenário parlamentar - e, segundo fonte ligada ao processo avançou ao DN, Domingues não pediu que se tentasse uma segunda votação. A decisão de renúncia estava tomada. A mesma fonte acrescentou: "Um banco da dimensão da Caixa não pode ser dirigido por uma administração em cima da fogueira".
Do elenco que compõe o conselho de administração da CGD, além de António Domingues, saem três administradores executivos (Emídio da Costa Pinheiro, Henrique Noronha Menezes e Paulo Rodrigues da Silva) e outros três não executivos (Pedro Norton de Matos, Angel Corcóstegui Guraya e Herbert Walter). Não renunciaram quatro elementos.
No domingo a notícia foi conhecida, por uma nota emitida pelas Finanças, a qual dizia que "nuito brevemente, será designada, para apreciação por parte do Single Supervisory Mechanism [instituição da UE], uma personalidade para o exercício de funções como Presidente do CA [Conselho de Administração] da CGD, que dê continuidade aos planos de negócios e de recapitalização já aprovados".
Ora o vago "muito brevemente" de que o gabinete de Mário Centeno falava no domingo passou ontem, pela voz do primeiro-ministro, para um mais preciso "esta semana"."Esta semana apresentaremos o nome de quem possa liderar a equipa e a constituição da equipa", disse António Costa a jornalistas, em Mangualde, antes de iniciar uma visita à PSA. Para já, não se referem nomes, porque Bruxelas precisa de dar visto prévio: "A pior coisa é andar a saturar nomes na opinião pública sem que eles sejam previamente visados positivamente pelo sistema de supervisão europeu."
Seja como for, Costa salientou que Domingues saiu pelo seu próprio pé, não foi demitido: "Se não houvesse confiança política, o acionista teria procedido à demissão da administração da Caixa". E entretanto o que há a salientar - e Costa já tinha começado a fazê-lo há semanas - é que "o essencial na Caixa Geral de Depósitos é o que está feito". Ou seja: "Ter obtido de Bruxelas a aprovação para um plano de negócios, um plano de capitalização 100% público, que era aquilo que muita gente dizia que era absolutamente impossível e que era essencial assegurar."
Esta"não é uma questão fundamental neste dia" e "as pessoas mudam, mas as instituições fortes permanecem". Foi assim que, ontem, ao sair de uma sessão solene com o rei de Espanha na câmara municipal do Porto, o Presidente da República desvalorizou a demissão de António Domingues. "Acho que é uma questão que não é fundamental neste dia. Neste dia, o importante são as relações entre Portugal e Espanha, e a perspetiva de que, no futuro, há um plano, há um projeto que vai ser executado."
Declarações entregues
Foi Marcelo Rebelo de Sousa quem, com uma nota publicada no site da Presidência em 4 de novembro, tornou claro que os administradores da CGD não tinham outro caminho senão entregar as suas declarações de rendimentos e património ao TC: se não o fizessem voluntariamente (no entendimento do PR era a isso que estavam obrigados por lei), deveria ser o tribunal a interpelá-los nesse sentido; e se os juízes do Palácio Ratton não fossem por aí, então deveria ser o Parlamento a legislar (o que aconteceu na quinta-feira passada). Seja como for, algumas declarações de rendimentos provenientes da administração da CGD entraram ontem no Tribunal Constitucional. Quantas - e de quem - não se sabe, nem mesmo se os titulares pediram sigilo ou não.
No domingo, o BE e o PCP reagiram e ontem foi a vez do PS. "O que esperamos é que o novo nome [do presidente] seja indicado o mais rapidamente possível, como aliás foi dito pelo primeiro-ministro, e o processo de recapitalização da CGD possa decorrer com a normalidade que todos esperamos. Nunca nos podemos esquecer que o ponto mais importante da Caixa foi conseguir aquilo que muitos diziam ser impossível: a manutenção da CGD na esfera pública e a sua recapitalização pelo acionista Estado", salientou o porta-voz para a banca. João Galamba também pediu tréguas ao PSD e o CDS: "Se são genuínos em defesa da manutenção de um banco público, compreenderão então a delicadeza deste processo e a importância de que chegue a bom porto. Espero que PSD e CDS-PP valorizem isso e não se entreguem à tática de pura guerrilha partidária, que quer unicamente dificultar o processo de recapitalização da CGD."