Convergência rara. Alegre e Assis querem resposta do PS ao Bloco
Um - Francisco Assis - é da direita do PS; outro - Manuel Alegre - é da esquerda. Assis é contra a geringonça, sempre o foi, desde o princípio; Alegre, pelo contrário, sempre a defendeu, até antes de acontecer (a sua candidatura presidencial de 2011 teve o apoio do PS e do BE).
Mas numa coisa agora convergem: consideram ambos, em declarações ao DN, que os ataques que o Bloco de Esquerda tem feito ao PS, por causa do chumbo à taxa das renováveis, têm de ter resposta dos socialistas. Uma entrevista de Catarina Martins ao Expresso, ontem, acendeu o rastilho.
"Sou defensor da geringonça. Mas não é aceitável ter uma situação em que há dois partidos [BE+PCP] que passam a vida a dar lições de moral a um outro [o PS], que as recebe, calado", afirmou ao DN Manuel Alegre.
É que - acrescentou - "este Governo não existiria se não fossem o BE e o PCP. Portanto, quer queiram quer não queiram, o BE e o PCP fizeram de facto uma coligação parlamentar com o PS", o que torna os ataques aos socialistas vindos da sua esquerda ainda mais inaceitáveis - e carentes de resposta.
Já o eurodeputado Francisco Assis - desde o início crítico da solução em que o PS assenta a sua governação - carrega nas tintas e afirma-se "siderado e espantado" com a "incapacidade de resposta" da direção do PS aos ataques de que tem sido alvo pelos partidos à sua esquerda, em particular estes últimos do Bloco de Esquerda. "Estaremos reféns?", interroga.
Dizendo que, na "absolutamente lamentável" entrevista ao Expresso, Catarina Martins "pôs em causa a honradez do PS", Assis considera que isto põe em evidência de, no seu partido, se "começar a pensar além da geringonça" para "fazer a batalha do centro político". "Nunca vi Assunção Cristas fazer acusações tão fortes e no entanto a essas o primeiro-ministro respondeu", afirma ainda.
Para Assis, o súbito agravamento da tensão entre o PS e o BE na fase final da aprovação do Orçamento do Estado para 2018, decorre do facto de "estar esgotada" a fase do entendimento entre o PS e os partidos à sua esquerda em que se "faziam as reposições de rendimentos". Assim, agora "vem ao de cima" o "problema insanável" da maioria de esquerda - o de ser "demasiado heterogénea".
Na entrevista, Catarina Martins insistiu na ideia de que "o PS é permeável" a lóbis e isso "vê-se na medida da energia, na recusa de mudar a legislação laboral" e "na forma como continua a proteger o setor privado da saúde, numa altura em que é tão necessário proteger o SNS".
Ou seja: "O PS faz parte de um centro político em Portugal que ao longo dos tempos promoveu a promiscuidade entre grandes interesses económicos e a decisão política". E agora que governa apoiado à esquerda está a frustar a "enorme expetativa" criada, "desde logo na base do PS", de que seria "capaz de colocar os interesses económicos onde devem estar e não a mandar no poder política".
Na entrevista, Catarina Martins criticou também a escolha pelo Governo de Maria de Belém para coordenar a revisão da lei de Bases da Saúde - naquilo que foi uma resposta objetiva dos socialistas ao projeto apresentado em livro pelos históricos do PS António Arnaut e do BE João Semedo (Salvar o SNS)
Embora agora critique a entrevista de Catarina, Manuel Alegre vai associar-se a esse projeto, apresentando o livro quando for o seu lançamento oficial (6 de janeiro, em Coimbra).