Carlos Poiares: "Foi um erro grosseiro. A PGR devia pedir desculpa"

Os corpos das duas vítimas de legionela estiveram na posse dos hospitais tempo suficiente para serem autopsiados, defende Carlos Poiares. Na opinião do especialista em psicologia criminal, o Ministério Público falhou no tratamento que deu aos corpos das vítimas do surto de legionela. "Houve responsabilidade de alguém", afirma.
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Os familiares das vítimas mortais do surto de legionela no Hospital de São Francisco Xavier viram os funerais ser interrompidos para os corpos serem levados para autópsia. Que impacto é que isto pode ter?

Tem um grande impacto. É uma interrupção de um processo de dor. As pessoas estavam a fazer a gestão da perda. Estavam confrontadas com o momento terminal e, de repente, irrompem inocentes, que estão a cumprir ordens, para enfiar os corpos em sacos e levá-los para autópsia. Houve um mau procedimento do Ministério Público [MP]. Isto provoca uma dor suplementar nas famílias. É uma gestão da perda adiada. A cerimónia fúnebre é um momento complicado e que foi interrompido de uma maneira um bocado absurda e que agora prossegue com a devolução dos corpos. Isto não se admite numa sociedade democrática. Vai reforçar a dor destas pessoas. Se fosse uma destas pessoas, intentaria uma ação de indemnização por perdas morais contra a Procuradoria-Geral da República [PGR].

Qual a sua opinião sobre a forma como este caso foi conduzido?

Lamento que o MP não tenha raciocinado a tempo e horas quanto à necessidade de fazer autópsias. Parecia óbvia. Se o MP abriu um inquérito sobre a morte de pessoas e sobre um surto de uma doença que pode ser letal, competia-lhe ter capacidade de discernimento de pensar que eram necessárias autópsias, e não entregar os corpos sem as mesmas. Trata-se de uma incúria do Ministério Público. Algo funcionou mal e é necessário responsabilizar a PGR e o MP pelo que aconteceu.

Considera, portanto, que a Justiça falhou...

Não podemos ter aquela ideia de que tudo quanto a Justiça faz está bem feito. A Justiça comete muitos erros. Este foi um erro grosseiro, básico, que não devia ter sido cometido. A PGR devia pedir desculpa pelo que aconteceu com o Ministério Público, porque isto não se faz. Houve tempo suficiente para pensar que tinham de se fazer as autópsias. Qualquer leigo perceberia isso. Gerir a Justiça é prever, ter capacidade de antecipação. Sabendo que vamos ter de estabelecer causalidade entre mortes e uma causa provável da morte, temos de ter o corpo autopsiado. Isto é básico. Alguma coisa falou. Por ignorância, por incompetência, por incúria... Não sei, não faço avaliações. Mas espero que alguém avalie este comportamento do Ministério Público e que os responsáveis sejam sancionados.

Os familiares destas vítimas poderão vir a precisar de acompanhamento psicológico?

Claro que sim. O Estado tem de disponibilizar apoio a estas pessoas, porque há um sofrimento que pode, depende de cada um, precisar de intervenção psicológica. Repare-se o que é estar a velar uma pessoa próxima e de repente levarem o corpo. Isto é de um absurdo, surreal, parece um filme. Há um sofrimento que se vai revelar amanhã ou depois. Há um voltar atrás. Um refresh de todo o procedimento sem necessidade nenhuma. Os corpos estiveram na posse administrativa dos hospitais durante tempo suficiente para serem autopsiados. Isto não faz sentido. Houve responsabilidade de alguém. E esse alguém tem de ser punido, se for caso disso. Não podemos permitir que haja investigação que se deixa arrastar nessas coisas. Se exigimos tanto aos responsáveis políticos - e bem -, porque é que a Justiça há de estar isenta? Repito: isto foi um erro grosseiro de alguém. É preciso averiguar, inquirir e punir, se for necessário, dando uma justificação à comunidade. Não podemos daqui para a frente estar num velório e pensar que vêm levar o corpo para uma autópsia fora de horas.

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