A geringonça vista pelo povo comunista na Festa do Avante!
Muitos já opinaram sobre a solução governativa que, há 10 meses, juntou o PCP aos dois inimigos figadais da esquerda, PS e BE. Mas o que pensam os comunistas anónimos, sejam ou não militantes de base, a quem Jerónimo de Sousa quis explicar o porquê dessa aliança na abertura da Festa do Avante, que hoje termina no Seixal?
"Acho que a geringonça já devia ter existido há mais tempo, ter-se-iam evitado males maiores", diz a militante Fernanda Espada ao DN momentos antes de o secretário-geral do PCP fazer a intervenção inaugural da festa que anualmente junta dezenas de milhares de comunistas na Quinta da Atalaia (e a partir de agora também na Quinta do Cabo).
Septuagenária que presidiu à Associação de Amizade Portugal-Cuba e trabalhou numa loja de produtos naturais, Fernanda Espada reconhece igualmente o contributo do Bloco de Esquerda: "Tem ideias novas, atrai gente nova... não vejo isso como uma coisa negativa, agora tem de haver cuidado para não criar feridas que levam alguns a afastar-se."
Maria Fernanda Ventura, antiga secretária da CP que agora preside à Associação de Mulheres com Patologia Mamária e chegou à Festa do Avante! na companhia do marido, saúda o facto de o PS ter conseguido formar governo com o apoio do PCP e do BE (e dos Verdes) e confessa não estar surpresa com a sua duração. "É uma questão de inteligência, de as pessoas serem capazes de conviver com as divergências e saberem" que as convergências são mais importantes.
"Tenho esperança que [a geringonça] consiga" durar toda a legislatura, mas eles é que têm de ver o que é possível. De fora, talvez gostássemos de uma solução mais rápida" para cumprir os objetivos definidos pelo partido, "mas eles é que sabem porque estão lá dentro", assinala Maria Fernanda Ventura, enquanto por trás passa uma mãe a perguntar ao filho se quer "ir beber alguma coisa a Braga" e depois se dirige com ele pela mão para o respetivo pavilhão.
"O novo quadro político"
"Esta solução política é melhor do que a anterior, para todos os efeitos", argumenta o reformado Luís Ribeiro, 64 anos. "Não concordo com tudo, mas não tenho queixas [e] o mais importante é haver um entendimento" do que a direita voltar ao poder, sublinha o antigo funcionário de uma empresa de segurança, confiante em que PS, BE e PCP consigam "mostrar que é possível continuar o mesmo programa porque, no momento atual, será o melhor possível".
Talvez para dissipar dúvidas, o PCP tem no pavilhão central da Festa do Avante! uma exposição sobre "O novo quadro político" surgido após a "pesada herança [de] 40 anos de política de direita e 30 anos de adesão à CEE" - onde elenca "o que foi alcançado com o contributo" ou "por proposta" do Partido e se traduziu em "um orçamento [de Estado] diferente para melhor": eliminação dos cortes salariais aos funcionários públicos; aumento do salário mínimo (e do abono de família, do complemento solidário do idoso, do rensimento de inserção social); redução da sobretaxa do IRS e a sua eliminação em 2017; devolução dos feriados; fixação do horário de trabalho nas 35 horas; redução e isenção de taxas moderadoras; interdição do aumento dos valores máximo e mínimo das propinas....
"Queiram ou não", enfatiza o antigo trabalhador da PT Francisco Nunes, "o PCP é a força política da geringonça, a garantia do funcionamento do Governo, pela força social e política que tem". Então e o Bloco, que ficou à frente do Partido e cujo resultado foi explicado por Jerónimo de Sousa com o ar fotogénico das dirigentes bloquistas e o apoio dos media? Francisco Nunes não se atrapalha: "Não ignoramos que o BE ficou à frente. Mas quando o BE e o PS surgiram, o PCP já existia e lutava!"
Agora, assume, "temos consciência que neste momento nem tudo é possível. Mas nunca iremos ignorar que é possível continuar" a lutar e com uma interrogação sempre presente: "Se o país tem tido resposta financeira para o grande capital, por não tem garantias financeiras para suportar pequenos aumentos de reformas ou dos salários mínimos?"
"Para já, do mal o menos"
Joana Sanches, enfermeira a trabalhar para o Estado com um contrato individual de trabalho, vê a atual solução política "com bons olhos" perante o que "foi reconquistado". Embora ache que "é uma solução com muitos entraves, na medida em que as imposições da UE não permitirão que se rompa com isto", a jovem conclui: "Para já, do mal o menos" porque "o importante tem que ver com a devolução" de rendimentos e direitos às pessoas - "e o que o PCP prevê é a continuação dessa política".
Jacinto Silva, chefe de armazém desempregado, frisa que os parceiros da geringonça "estão a conseguir incomodar muita gente" ao continuarem juntos ao fim de 10 meses. "Não é o que se pretende, mas tem havido melhorias para os mais desfavorecidos" e o importante "é que se vá caminhando", embora considere que "o BE já está a ajeitar-se à sombra do PS para estar no poder", enquanto "o PCP é um partido de ideais e princípios que não pactua com isso" - mas "tem que se adaptar, porque o tempo é outro".
Rui Vaz Pinto, economista e "militante de base" que veio do Porto para estar na abertura da Festa do Avante!, sustenta que "só em última instância se deve deixar cair o governo", até porque "a política é a arte da governação" e "o PCP já devia fazer parte" do Executivo. Porquê? As dezenas de autarquias comunistas mostram que "não há corrupção nem escândalos" - e que "com o PCP conta-se sempre! Só tem uma palavra!"
Também tem memória, como faz questão de lembrar a ex-eurodeputada (1999-2012) e atual vereadora Ilda Figueiredo: "Bem tínhamos razão, quando denunciávamos o tratado orçamental...."