A bancada do Chega é acusada por todos os outros partidos de insultos reiterados.
A bancada do Chega é acusada por todos os outros partidos de insultos reiterados.Foto: MIGUEL A. LOPES/LUSA

Violência verbal do Chega. Deputados admitem regras do Parlamento Europeu na Assembleia da República

Partidos ainda não sabem que alterações regimentais ou no Código de Conduta introduzir para evitar novos casos. "Não pretendemos inventar a roda", garantiu ao DN o deputado do PS Pedro Delgado Alves.
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A líder parlamentar do PS, Alexandra Leitão, anunciou esta sexta-feira que a bancada socialista "vai estudar e propor alterações ao Código de Conduta [dos deputados] no sentido de tornar mais efetivo o cumprimento destes e de outros deveres que possam ser consagrados, como por exemplo o dever de correção, incluindo a previsão de sanções como já existem em parlamentos de vários países e no Parlamento Europeu".

Caso se concretize a intenção socialista, pode entrar algo em vigor semelhante ao artigo 10.º do Regimento do Parlamento Europeu, que estabelece as regras de conduta dos eurodeputados. Estas passam "pelo respeito mútuo e radicam nos valores e nos princípios estabelecidos nos tratados, em particular, na Carta dos Direitos Fundamentais". "Os deputados preservam a dignidade do Parlamento e não lesam a sua reputação", diz o artigo 10.º do Regimento do Parlamento Europeu.

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Adicionalmente, as regras do PE ditam que os deputados não podem comprometer "o bom andamento dos trabalhos parlamentares, nem a segurança e a ordem ou o bom funcionamento dos equipamentos nas instalações do Parlamento".

A conduta dos deputados também prevê que estes não perturbem "o bom funcionamento da assembleia", para além de terem de se abster "de comportamentos inadequados". Os deputados não podem ainda exibir "bandeiras, nem faixas."

Para além disto, "nos debates parlamentares em plenário, os deputados abstêm-se de usar linguagem ofensiva".

Porém, caso algumas das situações descritas no artigo 10.º ocorram, há um outro artigo, o 176.º, que contempla sanções. Ainda assim, o presidente do Parlamento Europeu "pode adotar uma decisão fundamentada ao abrigo do presente artigo, independentemente de ter sido ou não previamente imposta ao deputado em causa uma medida imediata".

"Na apreciação dos comportamentos observados, deve ser tido em conta o seu carácter pontual, recorrente ou permanente, e a sua gravidade. Será igualmente tido em conta, se for caso disso, o eventual dano causado à dignidade e à reputação do Parlamento", refere o mesmo artigo, acabando por elencar as medidas sancionatórias, que podem passar por "censura", "perda do direito ao subsídio de estadia por um período de dois a trinta dias, suspensão temporária da participação no todo ou em parte das atividades do Parlamento por um período de dois a trinta dias durante os quais o Parlamento ou qualquer dos seus órgãos, comissões ou delegações se reúnam", ou "proibição de representar o Parlamento numa delegação interparlamentar, numa conferência interparlamentar ou em fóruns interinstitucionais pelo período máximo de um ano".

Também está previsto neste diploma que as medidas "podem ser agravadas para o dobro em caso de infrações repetidas".

Por fim, "o Presidente pode apresentar à Conferência dos Presidentes uma proposta de suspensão ou de retirada do deputado de um ou mais mandatos que exerça no Parlamento, em conformidade com o procedimento previsto no artigo 21.º".

O que aconteceu na Assembleia da República

As várias conferências de imprensa desta sexta-feira surgiram na sequência de ofensas por parte da bancada do Chega, na sessão plenária de quinta-feira, dirigidas à deputada do PS Ana Sofia Antunes, algumas que terão sido proferidas com os microfones desligados, mas que, ainda assim, são apartes regimentais e que ficam registados nas atas do Parlamento.

"Espero, sinceramente, que este tenha sido um limiar baixo que atingimos para que daqui para a frente possamos começar, novamente, a subir o limiar do respeito e da democracia dentro desta casa", apelou a deputada socialista Ana Sofia Antunes, numa das várias conferências de imprensa que decorreram na Assembleia da República.

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Por seu turno, Alexandra Leitão elencou alguns dos episódios que envolveram o Chega e que, de acordo com a deputada socialista, passaram por "insultos e ameaças a deputados e a pessoas ausentes, incluindo líderes eleitos de países democráticos, atribuição de culpas coletivas e atitudes discriminatórias a grupos étnicos, imigrantes e minorias." E lembrou outros episódios. "Colocação ilegal de pendões e tarjas na fachada e nas salas da Assembleia da República. Difamação de pessoas inocentes. Relatos de bullying, assédio e intimidação dentro e fora do plenário", acusou ainda Alexandra Leitão, elencando ainda "insultos e afirmações trocistas relativas e dirigidas a deputados e, em especial, a deputadas".

"Tudo isto tem acontecido no Parlamento Português nos últimos anos, quase diariamente, diante dos olhos de todos nós", destacou, depois de admitir que nunca pensara isto "ser possível num regime democrático".

Por parte do PSD, o líder parlamentar, Hugo Soares, disse que tem "sérias dúvidas que isto sejam matérias possíveis de serem reguladas". "Não há forma de regular a falta de educação", afirmou, antes de deixar um apelo para que os líderes parlamentares possam "conversar com os seus deputados, e a consciência individual de cada uma e de cada um dos deputados pudesse de uma vez por todas contribuir para o prestígio das instituições".

No entanto, Hugo Soares mostrou abertura por parte da sua bancada para discutir uma revisão da legislação.

"Se for possível legislarmos no sentido de certos comportamentos serem evitados, se me demonstrarem que isso é possível, o grupo parlamentar do PSD está disponível para fazer essa discussão, sempre esteve. Agora, eu continuo a dizer: eu não sei como é que se legisla a falta de educação."

O DN falou também com o deputado do PSD Pedro Neves de Sousa, que assistiu à sessão plenária em causa e considerou que "a lei não está preparada para lidar com esta conduta". Porém, a solução, defendeu, terá de passar pela Conferência de Líderes, até "porque não é bom tomar decisões em cima dos problemas".

Para as bancadas mais à esquerda, a promessa de uma reflexão sobre o tema também esteve em cima da mesa.

"Estamos abertos para iniciar um processo de reflexão. Já o sinalizámos no passado, quando os deputados do Chega tiveram comportamentos semelhantes", garantiu o líder parlamentar do BE, Fabian Figueiredo, assumindo, porém, que não está certo "sobre qual é que será a fórmula fechada para lidar com casos como este".

"Mas estamos inteiramente abertos e, aliás, é por hoje que é mais evidente que é urgente que a Conferência de Líderes inicie um trabalho de reflexão", sustentou.

Também o PCP garantiu a participação no debate, ainda que, explicou o deputado António Filipe, não conheça as propostas socialistas para o tema, principalmente porque esta é uma “situação nova”, tendo atingido esta quinta-feira o "ponto mais baixo".

É é com base no que não existe na lei que Alexandra Leitão prometeu que a sua bancada não só estará disponível para rever o código que rege os deveres dos deputados como apresentará "um projeto que incluirá novos deveres e sanções para a violação desses deveres".

Também o deputado Rui Tavares, do Livre, defende a adoção na Assembleia da República de regras de conduta semelhantes às que vigoram no Parlamento Europeu.

Ao DN, Rui Tavares, deixou claro que “um Parlamento não tem que admitir comportamentos antiparlamentares de qualquer tipo que sejam”, e exemplifica com o que acontece “noutros parlamentos europeus e no próprio Parlamento Europeu”, onde “atitudes antiparlamentares não são toleradas, nem sequer com a desculpa de que possamos estar a impedir discurso ou a liberdade dos deputados". "Pelo contrário, os deputados que insultam, que ofendem, que fazem vozearia, que impedem os outros de falar, esses é que são os verdadeiros censores”, disse ao DN.

A propósito do episódio recente que envolveu a deputada Ana Sofia Antunes, Rui Tavares sublinha que “os verdadeiros defensores da liberdade de expressão são aqueles que defendem que uma deputada que tem uma deficiência possa falar com igual dignidade que todos os outros, ou são aqueles que defendem que próximo dia de memória das vítimas do holocausto, na verdade em qualquer dia, o nosso Parlamento não sirva para se fazer saudações nazistas”.

Por este motivo, insiste que “no Parlamento Europeu, por exemplo, há sanções pecuniárias. Os deputados perdem diárias.”

E deixa um aviso: “Eles, quando começarem a ter que pagar do seu próprio bolso pelas tropelias que fazem, passam a comportar-se de outra forma.”

Concretizar a "urbanidade e respeito" com jurisprudência

O DN falou com o deputado do PS Pedro Delgado Alves sobre o que pode ser feito perante a situação nova que surgiu. Para começar, explicou, tudo isto ultrapassa qualquer outra situação de insulto na rua, por exemplo.

Por isso, o que aconteceu no Parlamento aproxima-se mais "dos deveres de urbanidade e correção que existem no âmbito de relações profissionais ou institucionais", sublinhou Pedro Delgado Alves, acrescentando que "os casos equivalentes não estão, por isso, no insulto na rua (que só em certas circunstâncias quando há injúrias ou difamação é que são crime)". "Onde se deve procurar o mesmo espírito é nos deveres laborais (privados ou na função pública) ou nos deveres de respeito pelos colegas de profissão que se encontra por exemplo no estatutos das ordens profissionais", acrescentou.

Questionado, em alusão às palavras de Hugo Soares, sobre como é que se "legisla a falta de educação", o deputado socialista disse não pensar "que se trata apenas de falta de educação".

"Aquilo a que assistimos vai para lá disso e entra nos domínios do bullying, do insulto, da ameaça verbal ou do boicote às intervenções através da vozearia. E todas estas realidades são conhecidas do mundo do Direito - há muita jurisprudência a concretizar o que são deveres de urbanidade e respeito. Não pretendemos inventar a roda, sendo o caminho de apontar para essas realidades consolidadas uma forma objetiva de resolver a questão e de ter regras que protejam a Assembleia da República."

Relativamente aos apartes, isto é, aquilo que os deputados dizem com os microfones desligados, Pedro Delgado Alves explica que "os serviços de redação têm a função" de os registar.

"Nem sempre se consegue identificar o quê ou quem profere (indica-se ‘vozes da bancada de…’ ou ‘protestos de…’) mas sempre que possível deve ficar registado, para reprodução fiel do que se passou na sessão."

O DN questionou também Pedro Delgado Alves se as palavras do líder do PS, Pedro Nuno Santos, que acusou a bancada do Chega de ser "um bando de delinquentes", não poderíam ser entendidas como um insulto.

"A delinquência corresponde à prática de delitos. Haja ou não sanções (e é isso que discutimos) todas as demais forças políticas foram unânimes ao considerar que, no mínimo, e neste episódio, foram violadas regras de conduta. Mal seria que não se pudessem descrever objetivamente as condutas de quem viola as regras, e ainda serem os transgressores (que dizem ou toleram que se digam as maiores enormidades) a reclamar serem vítimas de insulto", concluiu.

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