Ana Sofia Antunes, à direita na imagem, foi acusada, na quinta-feira, pela deputada do Chega Diva Ribeiro, de falar apenas sobre assuntos relacionados com deficiência.
Ana Sofia Antunes, à direita na imagem, foi acusada, na quinta-feira, pela deputada do Chega Diva Ribeiro, de falar apenas sobre assuntos relacionados com deficiência.Foto: Leonardo Negrão

Alexandra Leitão exige fim da "violência verbal" do Chega. Ventura fala em "virgens ofendidas de democracia"

Partidos reagiram a insultos na AR. PS vai propor alterações ao código de conduta e quer pedido de desculpa à deputada Ana Sofia Antunes, que disse ter sido um desrespeito às pessoas com deficiência.
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O PS vai propor alterações ao código de conduta dos deputados para incluir novas sanções e pretende que o presidente da Assembleia da República peça desculpa à deputada Ana Sofia Antunes, em nome do parlamento.

Esta foi uma das várias reações dos grupos parlamentares em conferência de imprensa, esta sexta-feira, depois de uma sessão plenária marcada por insultos da bancada do Chega dirigidos à deputada socialista Ana Sofia Antunes.

O Chega também fala em insultos dirigidos aos seus deputados e André Ventura queixa-se de nunca ter havido um "partido tão insultado na Assembleia da República" como o seu.

Em conferência de imprensa, a líder parlamentar do PS, Alexandra Leitão, insurgiu-se contra a conduta do Grupo Parlamentar do Chega, designadamente quanto ao incidente gerado na sessão plenária de quinta-feira, quando a deputada do partido de extrema-direita Diva Ribeiro acusou a socialista Ana Sofia Antunes, que é cega, de só conseguir "intervir em assuntos que, infelizmente, envolvem deficiência".

Alexandra Leitão defendeu que "o ambiente de violência verbal, de provocação e de intimidação que se vive na Assembleia da República tem que acabar e é tempo de dizer basta" àquele tipo de situações, considerando que o código de conduta do deputado que está em vigor "é manifestamente insuficiente".

"O PS vai estudar e propor alterações ao código de conduta no sentido de tornar mais efetivo o cumprimento deste e de outros deveres, incluindo a previsão de sanções como existem em parlamentos de vários países e no parlamento europeu", antecipou.

Alexandra Leitão considerou ainda que o presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, deveria apresentar, em nome do parlamento, "um pedido de desculpas à deputada Ana Sofia Antunes" e no futuro tudo fazer "para evitar a agressão verbal a que deputadas e deputados estão hoje sujeitos neste ambiente de degradação do parlamento".

"Hoje mesmo, no inicio do plenário, teria sido uma excelente ocasião", sustentou.

De acordo com os relatos da líder parlamentar no PS, após as declarações da deputada do Chega foram ouvidos apartes, com o microfone desligado, nos quais se pode ouvir expressões como "aberração, isto não é uma esquina, pareces morta, és uma drogada", dirigidas à bancada socialista.

Pedro Nuno Santos chama "bando de delinquentes" ao Chega

Depois de na quinta-feira o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, ter avisado que o partido "não vai compactuar com o desrespeito" do Chega, já esta sexta-feira voltou a expressar a sua indignação com o Chega, que acusou de ser "um bando de delinquentes" que não respeita ninguém e levou "má educação e grosseria" ao parlamento, considerando que é preciso "dizer basta".

Pedro Nuno Santos fez hoje duras críticas ao partido de André Ventura na sequência do incidente com a deputada do PS Ana Sofia Antunes no plenário na quinta-feira, quando a deputada do Chega Diva Ribeiro acusou a socialista Ana Sofia Antunes, que é cega, de só conseguir "intervir em assuntos que, infelizmente, envolvem deficiência", tendo depois sido relatados insultos dirigidos à bancada do PS como a palavra "aberração".

"Eu já o disse uma vez e digo novamente. Nós temos um bando de delinquentes no parlamento que não respeitam ninguém, não respeitam os colegas de trabalho, não respeitam o parlamento, não respeitam os jornalistas, não respeitam quem lhes paga o salário que são os portugueses", acusou.

Para o líder do PS, o Chega levou ao parlamento "má educação, má criação, grosseria", referindo que, se "em qualquer emprego, quem passa os dias a insultar os seus colegas de trabalho o mais provável é ter um processo por despedimento ou mesmo um despedimento".

"Temos por uma vez por todas de dizer basta ao Chega e quem votou no Chega e tem uma grande adesão à ideia do cumprimento da lei, das regras, da ordem, que fique a saber que os deputados que elegeu não têm o menor respeito nem pela ordem, nem pelas regras nem pela lei", defendeu.

"A indignação com um conjunto de deputados que não tem o menor respeito pela Assembleia da República e pelos portugueses que todos os dias lhe pagam os salários", disse.

O líder do PS escusou-se a fazer qualquer reflexão adicional sobre o posicionamento do presidente da Assembleia da República, afirmando que a líder da bancada socialista, Alexandra Leitão, já o tinha feito na conferência de imprensa desta manhã.

"Eu queria manifestar esta indignação contra pessoas que não respeitam nada nem ninguém", reiterou.

Pedro Nuno Santos afirmou que "os apartes regimentais existem e fazem parte do debate parlamentar", mas têm que ser feitos "com educação e respeito", frisando que desde 1975 "há todo um histórico sobre a forma dos deputados do PS se comportarem na Assembleia da República".

"Aquilo que nós estamos a assistir é novo e o pior que nós fazemos é estar a equiparar, a fazer de conta que é mais ou menos o mesmo que acontece com as outras bancadas. Não é. Temos que dizer basta a quem se comporta desta maneira", defendeu.

Ana Sofia Antunes acusa Chega de desrespeito

A própria deputada Ana Sofia Antunes acusou o Chega de a ter desrespeitado e ofendido, bem como a todas as pessoas com deficiência, considerando que este "livre-trânsito disfarçado de suposta liberdade de expressão" não pode continuar no parlamento.

"Ontem, no plenário da Assembleia da República, eu fui desrespeitada enquanto pessoa com deficiência. Sou uma pessoa com deficiência, sou uma pessoa cega congénita", disse.

Para lá da ofensa, a deputada considerou "mais grave" que, através das acusações que lhe foram feitas, terem sido no "plenário ofendidas todas as pessoas com deficiência, rotuladas como incapazes, inábeis ou incompetentes", o que disse ser inaceitável.

"Têm-se tornado frequentes comentários, apartes, afirmações humilhantes vexatórias em relação a diferentes pessoas com diferentes características, sejam elas mulheres, migrantes, com diferentes orientações sexuais, com diferentes características físicas", lamentou.

Segundo Ana Sofia Antunes, quando se pensa que "mais baixo não se pode descer", no parlamentou, o Chega aponta "o dedo às pessoas em razão da sua deficiência, sendo inclusive as mesmas caracterizadas num aparte como aberrações".

"Chegámos a um limiar em que alguma coisa tem que ser feita", enfatizou.

A deputada do PS defendeu que não se pode "permitir que este livre-trânsito continue a acontecer no parlamento, disfarçado de uma suposta liberdade de expressão".

Ana Sofia Antunes contrapôs ainda a acusação da deputada do Chega de que só intervém em temas de deficiência e contabilizou cerca de 15 intervenções desde que assumiu o lugar de deputada nesta legislatura sobre temas como segurança ou migrações, acrescentando que é coordenadora do PS na Comissão de Assuntos Europeus.

"Desde que aqui estou como deputada, esta foi a primeira intervenção que fiz em matéria de deficiência", disse, sublinhando que se reserva o direito de intervir sobre direitos de pessoas com deficiência as vezes entender.

PSD disponível para discutir alterações

O líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, assumiu a disponibilidade da sua bancada para discutir as propostas do PS, mas diz não saber "como é que se legisla a falta de educação".

"Se for possível legislarmos no sentido de que certos comportamentos sejam evitados, se me demonstrarem que isso é possível, o grupo parlamentar do PSD está disponível para fazer essa discussão, sempre esteve", garantiu.

No entanto, o maior argumento de Hugo Soares era o das lacunas legais que este episódio levanta.

"Creio que não há regras para a falta de educação. Eu acho que há limites para a grosseria, que são os limites do berço, do chá e da educação de cada um", acrescentou o deputado social-democrata, completando a ideia destacando a "falta de urbanidade – peço desculpa, mas falta de educação, mesmo – num conjunto de apartes que se vão proferindo no plenário da Assembleia da República" por parte do Chega.

Para Hugo Soares, este problema "não se resolve com regras", mas através do ato eleitoral.

"A grande vantagem da democracia é precisamente a possibilidade de o povo, soberano, poder, ato eleitoral após ato eleitoral, avaliar, também aí, o comportamento daqueles que são os seus representantes. E essa é a maior pena que, quem não se comporta, do ponto de vista político conforme se devia comportar, pode ter. É a penalização por parte do povo", rematou.

"Quem diz o que quer, ouve o que não quer"

Por parte do Chega, não foi o líder parlamentar, Pedro Pinto, que representou a sua bancada a propósito dos apartes no plenário desta quinta-feira, mas o líder do partido, André Ventura, que comentava "a falta de civilidade e a falta de urbanismo" na Assembleia da República, acabando por elencar um conjunto de insultos que atribui aos outros partidos e que alega terem sido dirigidos aos seus deputados.

"Nunca houve nenhum líder tão insultado como eu. E não houve nenhum partido tão insultado na Assembleia da República como o Chega", afirmou Ventura, antes de eleger a deputada socialista Isabel Moreira como principal perpetradora de ofensas aos deputados do seu partido.

"A doutora Isabel Moreira queixa-se de ter sido ofendida ontem no Parlamento. Poderá ter sido ou não, mas eu sei disto que vou dizer: a doutora Isabel Moreira é das que mais ofende, não só a mim como a outros deputados dentro e fora desta câmara. Tem zero moral para falar sobre insultos e para falar sobre ataques."

Para ilustrar esta acusação, André Ventura, que na maior parte da sua intervenção não comentou o episódio com a deputada Ana Sofia Antunes, destacou dois episódios que associou a Isabel Moreira.

"Ontem [quinta-feira], à mesma hora, se tivessem sido sérios aqueles que transmitiram esses insultos, se tivessem sido sérios tinham passado o que a doutora Isabel Moreira disse a um deputado do Chega: “Sai daqui e vai pagar as tuas dívidas.” Foi isso que disse. Depois ouviu o que não queria", considerou.

"Como diz o povo português, 'quem diz o que quer, ouve o que não quer'", disse o líder do Chega numa tentativa de justificar as palavras proferidas na sessão plenária.

Para além disto, o líder do Chega acusou Isabel Moreira de ter dito a um "deputado do Bloco de Esquerda", que tinha passado por um grupo de deputados do Chega: “Conseguiste passar no meio deles? Como é que é possível?”

"Foi dito aqui, na Assembleia da República. Desafio-a a desmentir isto. Foi dito. Eu presenciei. E, portanto, não podem depois vir fazer-se de virgens ofendidas de democracia como se ninguém pudesse dizer-lhes nada. Porque passam o dia a insultar os elementos do Chega e a promover, isso sim, o ódio à diferença", afirmou.

"Eu ouvi aqui os partidos todos como se houvesse um responsável pela tensão que se vive nesta casa. E que esse responsável se chama Chega e André Ventura. Só isso. Não há um exercício de autocrítica, não há autoculpa, como se os problemas da democracia tenham começado com a chegada do Chega à Assembleia da República", disse.

"Houve trocas de palavras ontem? Houve. Houve apartes ontem? Houve. Houve entre todas as bancadas e de todas as bancadas? Houve. Mas há sempre uma parte do país, da imprensa, também, e dos partidos, que gostam de culpar o Chega por tudo o que acontece. E que gostam de culpar o Chega e o seu presidente por todos os insultos que existem no Parlamento", queixou-se André Ventura.

CDS diz que nem só o Chega insulta em plenário e acusa PS de hipocrisia

O CDS, através do líder parlamentar Paulo Núncio, considerou entretanto que nem só o Chega profere apartes insultuosos em plenário, no parlamento, mas também as bancadas da "extrema-esquerda", e acusou o PS de hipocrisia em matéria de degradação do debate político.

Núncio admitiu que da bancada do Chega são proferidos apartes de caráter insultuoso, mas rejeitou que o PS se possa agora assumir "como guardião da moralidade".

"É uma hipocrisia", sustentou o dirigente democrata-cristão e antigo secretário de Estado, contrapondo que o CDS, "enquanto partido fundador da democracia e que está no parlamento há 50 anos, tem a autoridade de pedir e de fazer um apelo para que os outros partidos elevem o nível" de debate na Assembleia da República.

"Certamente que também fazemos apartes, mas são apartes que estão dentro das regras de civilização e de urbanidade que devem acompanhar a natureza desses mesmos apartes. Fazemos um apelo para que as outras bancadas, não só a bancada do Chega, mas também outras bancadas à esquerda, cumpram os requisitos mínimos e dignifiquem as instituições, designadamente o parlamento", salientou Paulo Núncio.

Paulo Núncio considerou que "em muitos casos os insultos provenientes das bancadas do Chega estão exatamente ao mesmo nível dos insultos e das calúnias que têm sido feitos por deputados das bancadas à esquerda".

"Não estou a desculpar os apartes do Chega. Há muitos apartes que são feitos pela extrema-esquerda e que são feitos pelas bancadas do PS, que têm passado um pouco debaixo do tapete. As bancadas da esquerda não estão imunes aos ataques e às críticas que têm sido feitas", acrescentou.

Em suma, de acordo com o líder parlamentar do CDS, a bancada do PS "também é culpada pelo nível muito baixo a que chegaram os trabalhos parlamentares".

Com Lusa

Ana Sofia Antunes, à direita na imagem, foi acusada, na quinta-feira, pela deputada do Chega Diva Ribeiro, de falar apenas sobre assuntos relacionados com deficiência.
Pedro Nuno Santos diz que PS "não vai compactuar com o desrespeito" do Chega

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