Ventura será líder da oposição mesmo sem eleger mais deputados entre os emigrantes
O Chega confirmou que será o segundo maior partido desta legislatura, com mais dois deputados do que o PS (60-58), após o apuramento dos votos dos emigrantes, num processo de escrutínio que terminou na noite desta quarta-feira. Isso permitiu a André Ventura apresentar-se como líder da oposição, referindo-se a “uma vitória histórica e estrondosa”. Embora o resultado tenha sido ligeiramente agridoce, pois o seu partido não só esteve muito perto de garantir os dois mandatos do círculo da Europa como ficou a menos de cinco mil votos de suplantar os socialistas no total de votos nas eleições de 18 de maio.
O partido de André Ventura foi o mais votado na Europa, como já tinha acontecido nas legislativas de 2024, mas desta vez também ficou à frente da AD no círculo de Fora da Europa. Ainda assim, a coligação entre PSD e CDS teve direito ao “prémio” da reconquista do mandato que nos últimos atos eleitorais lhe havia escapado na Europa, ultrapassando o PS, que desta vez não teve nenhum mandato na emigração, e verá apenas 58 deputados a tomar posse na Assembleia da República na próxima terça-feira.
No início da noite, ainda com uma mesa de voto por escrutinar, mas sem hipóteses de alterar a ordenação de partidos e distribuição de mandatos no círculo de Fora da Europa, Ventura disse que o Chega teve “uma grande vitória”, que “vê com responsabilidade”, e que garantiu marcar “uma mudança profunda no sistema político português”. E destacou que se tornou líder da oposição “precisamente com votos daqueles que tiveram de partir por causa do PS e PSD”.
Reforçando essa interpretação dos resultados, Ventura defendeu que os emigrantes portugueses “sabem o que é o socialismo, sabem o que é a social-democracia, sabem o que é a corrupção e sabem o que é subsidiodependência”. E que “vivem em países que enfrentam os desafios que estamos a enfrentar”, referindo-se à “imigração descontrolada” que foi um dos principais temas de campanha nas eleições legislativas que lhe permitiram elevar o Chega a 22,76%, quase o mesmo que o PS (22,83%) e não muito longe da vencedora AD (31,21%).
Em declarações a jornalistas, no hotel lisboeta onde fez aquilo que o Chega designou por noite eleitoral, André Ventura garantiu que “nada será como dantes”, em jeito de balanço dos resultados eleitorais. E, embora tenha dito que saberá “liderar a oposição com responsabilidade”, deixou um aviso a Luís Montenegro, que deverá ser indigitado primeiro-ministro pelo Presidente da República: “Não esperem do Chega o que o PS e o PSD fizeram nos últimos 50 anos.”
O avanço da votação do Chega no círculo da Europa foi sobretudo evidente na Suíça, onde atingiu 45,72%, tendo mais 8307 votos do que no ano passado e conseguindo o dobro da soma da AD e do PS. Até porque havia a perspetiva de eleger a segunda candidata da lista, Edite Teixeira, residente nesse país há 40 anos, onde fundou, juntamente com o marido, a empresa Interkran, especializada na montagem de gruas e comércio de máquinas de construção.
Também vitorioso em França, com mais do que a soma dos votos do PS e da AD - e teve consigo mais 13 mil eleitores do que nas eleições legislativas anteriores -, na Bélgica, no Luxemburgo e no Reino Unido, o partido de André Ventura só perdeu o segundo mandato no círculo da Europa mesmo na reta final do apuramento, com os resultados de Espanha. Continuou a ser a terceira força política entre os emigrados nesse país, atrás da AD e do PS, o que o deixou a pouco mais de mil votos do segundo mandato. Presente na contagem de votos, que decorreu na Feira Internacional de Lisboa, o cabeça de lista do Chega no círculo, José Dias Fernandes, que foi reeleito para um segundo mandato, assumiu que, apesar de “ter varrido o PS da Europa”, não ter conseguido fazer o pleno dos dois mandatos acabou por ser uma desilusão. Algo que, minutos mais tarde, o próprio Ventura relativizou.
Já no círculo de Fora da Europa, no qual o Chega ficara a mais de três mil votos da AD em 2024, a viragem teve a ver com o Brasil. A coligação de centro-direita perdeu cerca de 3500 eleitores que lhe deram o voto no ano passado e o partido de André Ventura ganhou vantagem, ainda que também tenha perdido quase 800 votos. Quanto ao PS, que em 2022 elegeu Augusto Santos Silva, então presidente da Assembleia da República, por esse círculo, teve apenas 13,51%, sem mandatos.
O empate a dois deputados entre Chega e AD entre os deputados que representam os emigrantes traz de volta ao Parlamento os cabeças de lista do partido de André Ventura, Manuel Magno (Fora da Europa) e José Dias Fernandes (Europa), enquanto a coligação de centro-direita volta a eleger José Cesário por Fora da Europa, juntando-lhe agora José Manuel Fernandes no círculo da Europa. Sendo previsível que ambos continuem a ser governantes - enquanto secretário de Estado das Comunidades Portuguesas e ministro da Agricultura, respetivamente -, deverão assumir o mandato Flávio Martins e Carlos Alberto Gonçalves. E o resultado sobe o número de deputados da AD para 91 (89 do PSD e dois do CDS), o que continua a ser distante da maioria absoluta, mas supera claramente a soma do PS com o resto da esquerda parlamentar.
Para o PS, que perdeu o único deputado que tinha nos círculos da emigração, depois de Pedro Nuno Santos ter optado por trocar o deputado Paulo Pisco por Emília Ribeiro, cabeça de lista pela Europa nas legislativas de 18 de maio, a derrota encerra o ciclo do ex-secretário-geral.
Novos eleitos
Manuel Magno
Eleito pelo Chega em 2024, foi vice-presidente da Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais. Tem 77 anos, mais de 70 dos quais a viver no Brasil, para onde emigrou com a família. Formado em Direito, trabalhou na banca e no setor imobiliário, até ter um escritório de advogados. Esteve ligado ao PSD, sendo o segundo candidato desse partido pelo Círculo de Fora da Europa em 2022.
José Cesário
O cabeça de lista da AD pelo Círculo de Fora da Europa deve continuar a ser secretário de Estado das Comunidades Portuguesas no próximo Governo. Assim sendo, tal como aconteceu no ano passado, o mandato será assumido por Flávio Martins, de 59 anos, professor universitário de Direito que nasceu e vive no Rio de Janeiro.
José Dias Fernandes
Mais uma vez eleito, como cabeça de lista do Chega pelo Círculo da Europa, apresenta-se aos emigrantes como alguém que tem experiência e não é “um crocodilo que vem de Lisboa e nada conhece dos nossos problemas”. Nascido em Viana do Castelo, há 65 anos, o empresário emigrou há meio século para França.
José Manuel Fernandes
A AD impediu o monopólio do Chega no Círculo da Europa. Mas não deve ser o cabeça de lista José Manuel Fernandes, ministro da Agricultura, a assumir o mandato, e sim o experiente Carlos Alberto Gonçalves, de 63 anos, que já representou os residentes em países europeus noutras seis legislaturas.