Numa sessão - a nona desde que começou o julgamento em torno da Operação Marquês - marcada por interrupções técnicas, imputadas aos serviços do tribunal, e pelo cansaço que José Sócrates referiu várias vezes, o Ministério Público voltou a ser o alvo dos ataques principais do antigo primeiro-ministro, que reiterou a fórmula de perguntar à acusação: Onde é que estão as provas? Pelo meio, houve um ministro das Finanças acusado de mediocridade, e laços familiares que deixaram José Sócrates a dizer que era uma “violência” ter de passar por isto.A juíza presidente, Susana Seca, propôs que a sessão incidisse no que diz respeito “à administração da Caixa Geral de Depósitos [CGD] e à demissão do à data ministro das Finanças Campos e Cunha”. O objetivo era recuperar a ideia expressa na acusação de que José Sócrates terá influenciado mudanças na administração do banco do Estado, indicando Armando Vara para a liderança, para beneficiar em 200 milhões de euros os investidores no empreendimento turístico do Vale do Lobo, no Algarve.Sobre a nomeação de Armando Vara para a CGD, Sócrates diz até ter apresentado algumas “objeções”, recusando a ideia de que teve intervenção no processo, imputando essa responsabilidade ao então ministro das Finanças Teixeira dos Santos.Questionado sobre que objeções seriam essa, Sócrates disse que, em 2005, tinha considerado que “era muito cedo, depois da forma como Armando Vara saiu do Governo em 1999. Disse a Teixeira dos Santos ‘acho que isso está ainda muito fresco e vamos ser muito atacados politicamente’”, lembrou.Armando Vara deixou o Governo em dezembro de 2000, liderado por António Guterres, para evitar, nas palavras do atual secretário-geral da ONU, que o Governo se transformasse num “pântano político”, porque Vara, então ministro da Juventude, estava sob ataque da oposição na sequência de notícias sobre irregularidades na Fundação para a Prevenção e Segurança.Mas o antigo primeiro-ministro recuperou a estratégia de alegar um padrão na sua acusação, referindo uma escuta que faz parte do processo Face Oculta.“Para verem se me incriminam de alguma forma”, justifica, enquanto sublinha que é uma conversa entre Armando Vara e o secretário de Estado da Juventude da altura, Laurentino Dias.José Sócrates refere, em tom retórico, que esta escuta lhe tinha sido imputada, pela comunicação social, como “probatória”, que “compromete Sócrates” e que “diz respeito a Vale do Lobo”, quando, de acordo com o antigo primeiro-ministro, era sobre o autódromo do Algarve e sobre o BCP.Depois de apontar que “nunca tiveram essa decência de fazer passar a escuta”, Sócrates diz que não faz questão de a ouvir, após a juíza Susana Seca sugerir que se passe a escuta.“Tiveram de ir buscar ao processo Face Oculta, para verem se me incriminam de alguma”, conclui, antes de começar a contar a passagem do ministro da Finanças Luís Campos e Cunha pelo seu Governo, durante três meses em 2005.Nesta fase, Sócrates diz querer “desmentir” o antigo ministro das Finanças, rebatendo as acusações que de saíra por pressões para a mudança da administração da CGD.Segundo Sócrates, a verdadeira razão para o afastamento de Campos e Cunha foi “o facto de um ministro ter participado numa decisão”, que foi tomada em Conselho de Ministros, “numa quinta-feira”, em torno de “um plano de investimentos públicos”, “há 20 anos”.Com a nota de que estas decisões faziam parte da política orçamental do Governo, e que incluía “baixar o défice abaixo dos 3%”e “promover o emprego” e “investimentos”, levou, no entanto, a que “três dias depois [Campos e Cunha] publicasse um artigo” no jornal Público a atacar esta decisão.“Cansei-me das mentiras deste senhor. Esteve três meses no Governo e depois já estava dedicado a atacar, maldizer e denegrir o PS e tudo sobre os seus Governos. Já tive oportunidade de dizer que eu demiti Campos e Cunha, não foi ele que se demitiu”, vincou.Mais à frente na sessão, e depois de várias pausas, Sócrates assegurou que o mal-estar sentido com o antigo ministro das Finanças Campos e Cunha começou quando foram discutidas alterações às regras da aposentação, com as quais o responsável pela pasta das Finanças não concordava.A procuradora do Ministério Público Nadine Xarope pediu para que fosse lida na audiência uma carta que Campos e Cunha escrevera a Sócrates, a 18 de junho de 2005, onde se queixara de uma “pressão sistemática” para mudar a administração da Caixa Geral de Depósitos, que era algo que recusava fazer sem uma “estratégia”.A procuradora falou numa contradição, que o arguido rejeitou, tendo dito mesmo: “Até parece que a senhora procuradora não esteve aqui de manhã.”Depois de uma repreensão pela forma como o arguido se dirigiu ao MP, que poderia implicar a saída da sala de audiências, José Sócrates disse estar admirado por esta possível sanção, e perguntou, de forma retórica: “Porque não prisão domiciliária?”No final da sessão, o antigo primeiro-ministro referiu “toda uma fantasia que não tem ponta por onde se lhe pegue”, em referência a uma parte do valor, que, de acordo com José Sócrates, em alusão à acusação, são 150 mil euros que o seu primo José Paulo Pinto Sousa terá levantado na Suíça e trazido para Portugal, tendo entregado a quantia a José Sócrates.A juíza Susana Seca lembra que a transação terá ocorrido durante um período de férias.“O que temos aqui pela frente?”, questiona José Sócrates, de forma retórica, acabando por dar a resposta de seguida: “É uma técnica inacreditável”, que passa por afirmar que “se há dinheiro, há crime”.“São acusações sem fundamento”, insiste o arguido, enquanto diz ter estado no Brasil nesse momento, pelo que seria impossível receber em mãos o dinheiro de Pinto Sousa.“O Ministério Púbico descreve aquilo com uma minúcia, como se fosse verdade, mas é tudo falso”, garante Sócrates, enquanto ironiza com os termos da acusação: “Elementos probatórios! São tão sofisticados que nem dizem prova.”.Breve história do Processo Marquês escrita no dia em que faz 10 anos.Sócrates regressa esta semana a tribunal. O que esperar após as férias judiciais?