Ainda são raros os clientes nos restaurantes de Setúbal, com as grelhas a aquecerem para os almoços, mas já duas dezenas de pessoas, algumas com bandeiras roxas e verdes, percorrem as ruas, entregando panfletos a quem encontram. Até notarem que falta alguém na comitiva. “Onde está a nossa candidata? Não conseguimos acompanhar o ritmo dela”, interroga-se uma apoiante, apressando o passo, em busca de Maria das Dores Meira.Presidente da Câmara de Setúbal entre 2006 e 2021, três vezes eleita pela CDU, a ex-comunista, de 68 anos, que saiu do partido pelo qual se candidatou a Almada nas últimas autárquicas, anunciou no verão passado que avançaria com uma candidatura independente para voltar a liderar o município do Sado. Desde então, apresentou a equipa e as propostas do movimento Setúbal de Volta, que obteve o inesperado apoio do PSD (e do CDS), decidido pela direção nacional, à revelia da concelhia social-democrata, como alternativa à “péssima gestão do atual presidente da Câmara, candidato pela CDU”.Tal como a rival, também André Martins, de 72 anos, o militante do PEV que lidera o município desde 2021, não nomeia a adversária, apesar do extenso caminho em comum, como vereador e presidente da Assembleia Municipal, nos mandatos de Dores Meira. Empenhado em garantir um segundo mandato no concelho liderado pela CDU desde 2001, sendo uma das duas capitais de distrito comunistas (além de Évora), prefere falar do “maior investimento de sempre” na cidade, com projetos no valor de 200 milhões de euros, em grande parte no âmbito de candidaturas ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Ainda assim, diz ter ficado “naturalmente surpreendido” ao ver os partidos da AD com a antecessora. “Alguma coisa justifica que apoiem essa candidatura. Reconhecem-lhe uma orientação política que serve os interesses do PSD e do CDS”, sentencia o autarca, na sede de campanha da CDU, atrás da Praça do Bocage, onde fica o edifício da Câmara Municipal.Por seu lado, o vereador Fernando José, novamente candidato do PS, após ficar a três mil votos da vitória em 2021, assume, “com poucas dúvidas, mas sem grandes certezas”, que as autárquicas “muito disputadas”em Setúbal oferecem ao seu partido “uma oportunidade como nunca teve nos últimos 25 anos”. Algo que vê como necessário num concelho “que necessita de uma mudança urgente”, que não poder passar pelo regresso da ex-presidente ao cargo que foi seu durante 15 anos, iniciados quando substituiu Carlos Sousa, agora mandatário da candidatura socialista. “Dores Meira e André Martins representam mais do mesmo. É um passado que não pode continuar”, diz o vereador, de 53 anos, certo de que a CDU “estará completamente arredada do poder de decisão” a partir de 12 de outubro.Também na disputa está o Chega, que nas legislativas tirou ao PS a tradicional posição de partido mais votado no concelho em eleições nacionais. Elevado a cabeça de lista à última hora, com a desistência da ex-deputada social-democrata Lina Lopes, na sequência de alegadas tentativas de chantagem relacionadas com empréstimos de um empresário, António Cachaço mistura realismo e ambição. “Onde entramos é para ganhar. Portanto, estamos a fazer todos os esforços para conquistar a Câmara de Setúbal, tendo noção de que temos adversários com algum passado na autarquia”, diz o profissional de vendas, de 50 anos, militante no partido desde “não há muito tempo”, que espera tirar partido da ausência de candidatos do PSD e do CDS numa eleição à qual também se apresentam Flávio Lança (Iniciativa Liberal), André Dias (Livre), Daniela Rodrigues (Bloco de Esquerda), Mariana Crespo (PAN) e Cláudio Fonseca (ADN)..Heranças e promessas.Na mente dos 106 mil eleitores de Setúbal estará a avaliação de uma governação cujo legado está a ser disputado, num registo de partilha litigiosa, pelo atual e pela anterior presidentes de Câmara, mas também os problemas do concelho. Desde logo, o estacionamento, tendo o executuvo camarário aprovado na semana passada, por unanimidade, a rescisão do contrato de concessão, por 40 anos, à empresa Datarede, assinado no último mandato de Dores Meira. E ainda a habitação, a saúde, a educação e a segurança, longe de ser preocupação exclusiva de quem se posiciona mais à direita.No entender de André Martins, Setúbal é um dos municípios da Área Metropolitana de Lisboa que “maior atratividade tem para novos moradores”, garantindo empenho em “criar melhores condições de qualidade de vida e de bem-estar para a população”, sem esquecer os trabalhadores municipais, “que criam as condições para as coisas acontecerem”.Numa resposta às críticas dos outros candidatos, que diagnosticam paralisia ao concelho, aponta o “muito trabalho” que as candidaturas ao PRR implicaram, tal como o facto de as empresas que ganham concursos públicos “dificilmente conseguirem cumprir os prazos”. Mas, entre a requalificação de 1600 fogos de habitação pública, a construção de mil novas casas de renda apoiada e acessível, dossier onde diz que o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana “não estava preparado para dar resposta”, e os 1500 fogos que privados estão a construir para famílias com orçamentos mais elevados, diz que se está a “desenvolver todo um esforço no sentido de termos habitação para vários níveis de necessidades”.Noutras grandes preocupações do seu executivo, o recandidato da CDU destaca a construção de um centro de saúde em Azeitão, estando prestes a entregar outro, na sede de concelho, antecipando no mandato seguinte “cerca de 100 milhões de euros de investimento” na requalificação e construção de escolas. E responsabiliza a oposição por não ter mais obra feita, pois “o respeito não foi retribuído”quando o PS e o PSD decidiram chumbar o Orçamento para 2025, “Isso teve efeitos muito significativos num conjunto de investimentos”, diz. Fernando José, líder da oposição nos últimos quatro anos, contrapõe que a “última habitação pública construída foi no tempo do PS”, acusando os incumbentes de “não darem qualquer resposta” ao longo de um quarto de século. “Não podemos dizer que tudo foi mal feito, mas o que Dores Meira e André Martins fizeram não foi suficiente para um concelho com a dimensão de Setúbal, que se quer afirmar como impulsionador de uma região”, diz o socialista, para quem os autarcas da CDU “não cumpriram com a palavra dada no passado e não têm qualquer credibilidade para assumir compromissos para o futuro”.Realçando o contributo dos deputados socialistas para a Península de Setúbal ficar abrangida no próximo Quadro Comunitário de Apoio, o candidato do PS promete “uma gestão que não esteja contra o investimento privado e que não esteja constantemente no protesto pelo protesto”. Entre outros “projetos icónicos”, Fernando José, que vê “uma enorme falta de infraestruturas desportivas e culturais”, propõe a criação de Passadiços na Arrábida, ligando a cidade às praias e ao parque natural, a requalificação da Praça de Touros Carlos Relvas, “adquirida pela Câmara e completamente abandonada”, e a construção de um pavilhão multiusos, dizendo ser “impensável que uma capital de distrito como Setúbal não tenha um equipamento dessa dimensão” para acolher grandes eventos culturais, desportivos e empresariais. Um investimento a rondar 40 milhões de euros, que poderá ser uma parceria público-privada, “como noutras cidades”.O candidato do PS não esquece nas críticas Dores Meira, referindo-se a megaprojetos anunciados nos mandatos da ex-presidente, como o resort Macau Legend, o parque aquático Wake Parque e a Cidade do Conhecimento. “Os setubalenses não querem continuar a olhar para um passado em que lhes foi prometido um sem-número de investimentos que nunca foram concretizados”, dizJá a candidata independente apoiada pelo PSD e CDS, feliz por o sorteio ter colocado o seu movimento em sétimo no boletim de voto - “é o número do Cristiano Ronaldo”, diz ao DN, na sua sede de campanha, em frente do edifício da Câmara, e com a fachada pintada no mesmo tom de roxo - diz que a sua prioridade será “a tristeza e certeza” de encontrar uma dívida de 147 milhões de euros, admitindo que tenha de ser feito “um grande saneamento”, como o do início deste século, no rescaldo da gestão socialista.Equilibradas as contas, Dores Meira promete “dar projeção nacional e internacional a Setúbal”, enquanto elo de ligação entre a Área Metropolitana de Lisboa e o Sul de Portugal, da Costa Vicentina ao Algarve. E garantir aos munícipes uma cidade limpa, rotulando de “vergonhoso o estado de desorientação e desorganização em que está”. Quanto aos problemas de habitação, diz que “ainda não se viu uma única casa a ser construída”, sendo essencial fixar jovens, com “habitação a rendas acessíveis e também habitação para as pessoas mais carenciadas”.Por seu lado, António Cachaço, sem esquecer a limpeza anunciada nos cartazes do Chega, aponta a habitação, o desenvolvimento económico e a segurança como os três grandes problemas. “Andamos na rua a falar com os eleitores, temos notado uma grande insatisfação e já reparámos que Setúbal está com poucos efetivos da PSP. Fazem o que podem, mas simplesmente não têm meios”, defende o cabeça de lista do partido de André Ventura, cujas propostas incluem a construção de equipamentos como um centro de alto rendimento, uma marina de recreio e um centro de startups.Nas preocupações com segurança, o Chega nem está desacompanhado. pois o PS tem apresentado propostas para videovigilância na Baixa de Setúbal, o que Fernando José realça ter sido negado “pela CDU de Dores Meira e André Martins”. Até agora. “Só temos que saúdar a mudança”, diz..Entendimentos difíceis.Com as principais candidaturas muito confiantes quanto ao desfecho do duelo na foz do Sado, seja pelas sondagens internas que vão sendo sussurradas, pela discrepância entre voto autárquico e legislativo da CDU ou pela noção de que o Chega irá transpor o seu peso para o poder local, a questão mais colocada é a solução no pós-12 de outubro. Até porque todos admitem a improbabilidade de alguma força ter maioria absoluta, forçando entendimentos difíceis.“Se não tivermos uma maioria capaz de ter decisão própria, teremos de encontrar, num quadro de apresentação das nossas propostas, relacionamento com as outras forças”, diz André Martins, excluindo acordos de governação. O recandidato admite que, “à partida, esse relacionamento não parece muito fácil”, mas realça que este não foi o primeiro mandato da CDU sem maioria absoluta.Pelo contrário, Dores Meira admite oferecer pelouros a adversários se voltar à presidência. “Só há linhas vermelhas para quem não tiver valores democráticos e forma de estar democrática e livre”, diz quem não esconde a mágoa com o que diz ter sido “uma perseguição política à sua pessoa”, traduzida em ataques relacionados com despesas que terá feito enquanto presidiu a Câmara de Setúbal.Quanto a Fernando José, diz estar convencido de que conseguirá assegurar estabilidade. “Há muitos anos, um diretor-geral disse a um ministro que se existe acordo que não é feito pelo Fernando Catarino José, é porque não é possível de ser concretizado”, recorda, sem identificar qualquer interlocutor privilegiado.Já António Cachaço sustenta que no Chega “não há hipótese de acordos à esquerda”, excluindo que o apoio da AD à antiga presidente faça dela uma mulher de direita. Apesar de admitir já ter votado em Dores Meira, quando esta foi pela primeira vez cabeça de lista da CDU, no distante ano de 2009. .Fim do contrato de concessão do estacionamento pago marca campanha.A campanha autárquica em Setúbal ficou marcada pela deliberação, aprovada por todos os vereadores, de rescindir o contrato que concessionava à empresa Datarede, durante 40 anos, o estacionamento pago na capital de distrito.Assinado em 2021, no final do terceiro mandato de Dores Meira, e aprovado na Assembleia Municipal de Setúbal, então presidida por André Martins, o contrato foi alvo de uma deliberação da Câmara de Setúbal para a sua imediata resolução sancionatória, e a Datarede terá 15 dias para retirar todos os equipamentos e bens da via pública, após ser notificada da decisão.Um dia após a decisão da Câmara de Setúbal, tomada na quarta-feira, Dores Meira reagiu, em comunicado, dividindo responsabilidades entre a empresa, pelos incumprimentos que quer ver demonstrados, e pelo seu sucessor, por falhas na fiscalização do contrato..Concelho de Setúbal ao Raio-X.Atual presidente André Martins (CDU)Distrito SetúbalPopulação residente 123.548 (2023)Área geográfica 230 km2Densidade populacional537,16/km2 (2023)Número de empresas14.824 (2022)Ganho médio trabalhadores por conta de outrem 1087,80€ (2021)População com mais de 65 anos 24,2% (2023)Taxa bruta de natalidade8,8 por 1000 (2023)Autárquicas 2021 CDU 34,40%PS27,67%PSD16,57%Chega5,88%Bloco de Esquerda4,23%Iniciativa Liberal2,32%CDS1,72%Nós Cidadãos-PPM0,74%RIR-PDR0,53%Legislativas 2025Chega27,28%PS24,07%AD22,51%CDU5,89%Iniciativa Liberal5,74%Livre5,60%Bloco de Esquerda2,72%PAN1,92%ADN0,82%Fontes: Ministério da Administração Interna e Gabinete de Estratégia e Estudos do Ministério da Economia..Bispo de Setúbal quer campanhas eleitorais centradas nos "problemas reais" e apela à “participação política".Câmara de Setúbal aprova rescisão do contrato que concessionava estacionamento durante 40 anos