Serviços do Parlamento apontam inconstitucionalidade na iniciativa do Chega para alterar lei da nacionalidade
Com o argumento de que o projeto de lei do Chega que tem como objetivo alterar a lei da nacionalidade "parece não cumprir os requisitos formais de admissibilidade previstos na Constituição e no Regimento da Assembleia da República", um documento da Divisão de Apoio ao Plenário, com data de 11 de junho, pode fazer com que José Pedro Aguiar-Branco não permita que a iniciativa seja discutida no Parlamento. André Ventura fala em "força de bloqueio", que "já devia ter sido ultrapassada em Portugal".
A primeira nota do documento, assinado pelo assessor parlamentar Ricardo Saúde Fernandes, vai para a alteração à lei da nacionalidade proposta pelo partido liderado por André Ventura que passa por retirar a nacionalidade, a quem a adquiriu por naturalização, aos cidadãos que tenham sido "definitivamente condenados a penas efetivas superiores a três anos de prisão".
O projeto de lei do Chega prevê também perda de nacionalidade para quem tiver sido condenado "por sentença transitada em julgado proferida ou revista e confirmada pelo tribunal português, pelo crime de terrorismo", ou quem tenha ofendido, "de forma ostensiva e notória, com objetivo de incentivar ao ódio ou humilhação da nação, a história nacional e os seus símbolos fundamentais".
Face a esta formulação, os serviços parlamentares consideram que a alteração proposta pelo Chega "suscita dúvidas sobre a sua constitucionalidade", aludindo ao n.º 4 do artigo 30.º da Constituição, que estabelece que "nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos".
A Divisão de Apoio ao Plenário também evoca os "professores [constitucionalistas] Jorge Miranda e Rui Medeiros", que, com base nos termos do artigo 26.º, n.º 4, lembram o direito que "têm aqueles que são portugueses" a não serem privados "da cidadania portuguesa ou, com maior rigor, no direito a" não serem dela privados "através de medidas arbitrárias ou desproporcionadas".
"Para além disso", continuam os serviços parlamentares a citar, "nos termos do n.º 4 do artigo 30.º, a perda da cidadania não pode constituir um efeito necessário da aplicação de uma pena criminal".
O documento do Parlamento também indica que a iniciativa do Chega, ao pretender retirar a nacionalidade a pessoas condenadas por crimes, "sanciona factos que também já configuram crime, para além de outros enquadrados pelos referidos conceitos indeterminados".
"Ao discriminar entre cidadãos que tenham adquirido a nacionalidade portuguesa por naturalização e cidadãos com nacionalidade originária (desde que tenham outra nacionalidade, para evitar tornarem-se apátridas), também poderá ser analisado se infringe o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição", sustentam os serviços.
Entretanto, em alusão a este parecer, André Ventura, esta sexta-feira, antes de uma reunião com o grupo parlamentar do Chega, na Sala do Senado, em São Bento, apelou ao presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar Branco, "que tenha esse bom senso de não se arvorar em Tribunal Constitucional dentro da câmara do Parlamento e que deixe os projetos irem a discussão e que vão à especialidade".
"A única coisa que eu noto com estranheza é que o líder do PSD [Luís Montenegro] diz que está de acordo, que podemos avançar por aí, e o presidente da Assembleia da República, indicado pelo PSD acha que isto é inconstitucional", criticou o líder do Chega, defendendo que, "das duas uma: ou ninguém se entende no PSD, o que não é um bom sinal, ou então o primeiro-ministro não disse a verdade."
No entanto, fonte oficial do gabinete de Aguiar-Branco confirmou à Lusa que “o presidente da Assembleia da República ainda não tomou qualquer decisão sobre a admissibilidade do diploma do Chega, que se encontra ainda em fase de apreciação”.
O parecer negativo dos serviços parlamentares não é vinculativo, ainda que Aguiar-Branco possa tê-lo em conta na sua decisão final sobre o projeto de lei do Chega, que é algo sobre o qual ainda não se pronunciou.