Jorge Bacelar Gouveia considera que a perda da nacionalidade por crimes graves não é inconstitucional, desde que verificados três pressupostos
Jorge Bacelar Gouveia considera que a perda da nacionalidade por crimes graves não é inconstitucional, desde que verificados três pressupostosFOTO: Paulo Spranger

Imigração. Perda da nacionalidade por crimes graves divide constitucionalistas

Governo admite retirar a nacionalidade a imigrantes que cometam crimes graves. A medida é inconstitucional? O DN falou com os juristas Jorge Bacelar Gouveia e Gonçalo Fabião.
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Luís Montenegro anunciou na terça-feira, 17 de junho, que o Governo vai propor a revisão da lei da nacionalidade, admitindo retirar a cidadania a quem cometer crimes graves. Um projeto de lei desta natureza já tinha sido apresentado pelo Chega em 2021 e recusado pela Assembleia da República, em razão de ter sido considerado inconstitucional pela comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, por "atentar contra princípios da lei fundamental como a igualdade de tratamento ou o impedimento de qualquer pena acarretar a perda de direitos civis, profissionais ou políticos". Agora que o tema regressa, os constitucionalistas estão divididos.  

O constitucionalista Gonçalo Fabião considera estarmos perante uma violação do artigo 13º da Constituição, que estabelece o princípio da igualdade, afirmando que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.  “Se vamos dizer que os portugueses naturalizados podem perder a cidadania e que o mesmo não acontece a portugueses de origem, então estamos a dar aos primeiros um tratamento desigual inadmissível”, diz ao DN.  

O jurista, professor convidado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, continua: “Qualquer limitação ao direito de ter e conservar a cidadania, direito fundamental, tem de basear-se numa argumentação à prova de bala, e a razão aduzida terá de ter força no mínimo equivalente à do próprio direito”, diz, acrescentando ainda que a medida poderá ser  “desproporcional”  

Considerando que a aplicação seria feita a partir de sanções acessórias, decididas por um juiz, contornando assim o texto constitucional quando este proíbe que se percam automaticamente direitos em função de uma condenação, Gonçalo Fabião considera que se mantém o problema maior: “o princípios da igualdade continua ferido”. Quanto ao princípio da proporcionalidade, que proíbe restrições aos direitos fundamentais excessivas, estará também em causa, “tanto mais que poder-se-ão encontrar meios alternativos que sirvam a finalidade que se procura com a limitação do direito”.   

“Estado deve ter liberdade política de escolher os seus nacionais” 

“Não considero a medida inconstitucional”, diz Jorge Bacelar Gouveia ao DN, apontando três requisitos que deve obedecer: “Se aplicada a naturalizados e nunca a cidadãos de origem; se se tratar de uma sanção acessória no âmbito de um crime de elevada gravidade – crimes conta a segurança do estado (golpes de estado, atentados, membros de redes internacionais de terrorismo) e desde que os naturalizados em causa tenham dupla nacionalidade”, diz o professor catedrático, aludindo ao cumprimento pelo Estado de uma convenção das Nações Unidas que impossibilita a condenação um cidadão à condição de apátrida  

Relativamente ao artigo13º, Bacelar Gouveia lembra que “os cidadãos de origem já tem mais direitos do que os naturalizados”, dando como exemplo o facto de apenas os de origem poderem candidatar-se à Presidência da República.  

“O direito à nacionalidade aplica-se a quem nasce em território português, é descendente de portugueses, ou ambas as coisas. Já agora, o direito à nacionalidade do artigo 26º da CRP visa sobretudo que não se dê, ou se retire, a cidadãos de origem a nacionalidade por discriminação política, como acontecia Estado Novo. Não é o caso", acrescenta, reforçando a ideia: "Tratando-se de um português de origem é inconstitucional retirar-lhe a nacionalidade, ainda que se trate do pior dos criminosos, mas o Estado português tem direito, e deve ter a liberdade política de escolher os seus nacionais, legislando”. Lembrando que definir os limites da nacionalidade integra os poderes inalienáveis da soberania de um Estado, "pode este ter o poder de retirar a nacionalidade a  quem o combate que contra si atenta". Porque, defende, "o direito à cidadania aplica-se a cidadãos de origem. Não pode ser tomado como um direito de todos os que vivem no território português”.  

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