Outrora uma região marcadamente de esquerda, o Alentejo está a mudar politicamente e o resultado das eleições autárquicas do passado domingo confirmam essas alterações. Das três capitais de distrito da região, o PSD, a solo ou coligado, tem a presidência de duas (Portalegre e Beja) e na outra (Évora) ficou a 176 votos de bater o PS, obtendo o seu melhor resultado de sempre no concelho.Esta é uma tendência que se verifica já há alguns anos e os dados desde 2017 mostram que, nesse ano, o PSD tinha quatro presidências de câmara em todo o Alentejo, tendo aumentado para dez em 2021. No passado domingo, os sociais-democratas alcançaram a presidência de 13 municípios alentejanos.Esta “mudança que está em curso” na região não tem uma explicação imediata, mas pode ter uma justificação “multifatorial”, segundo explica Paula do Espírito Santo, professora no Instituto de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP). “Há sempre várias explicações” para estas mudanças, analisa a investigadora, dizendo que “em alguns casos são não-renovações de mandato, ou pessoas que não se podem candidatar por terem sido eleitas três vezes de seguida. Nesse caso, a amplitude e a abertura a novas propostas traz sempre alguma incógnita”. Mas há ainda outro dado: “o fator pessoal”, ainda mais se forem “pessoas da terra”. No caso concreto da região alentejana, Paula do Espírito Santo não tem dúvidas: “Podemos dizer que há aqui uma onda laranja a sobrepor-se à tradição de esquerda. É uma passagem gradual, com esse misto de explicações, onde se pode até acrescentar uma mudança geracional, que não tem as raízes e o histórico que tinha anteriormente com a esquerda, muito relacionados com os movimentos agrários e o pós-25 de Abril. Há uma mudança profunda em termos de cultura política.”Olhando para os números das autarquias dos três distritos alentejanos, essas alterações são ainda mais evidentes do que nas presidências de câmaras. Em todo o distrito de Beja (que sempre votou mais à esquerda que Évora ou Portalegre), os sociais-democratas conseguiram sete presidentes de junta de freguesia. Há quatro anos (tal como em 2017), a conta era redonda: zero. No distrito de Évora, esse número é hoje sete vezes maior do que em 2017, tendo o PSD catorze presidentes de junta quando há nove anos tinha apenas dois. Este crescimento, no entanto, não acontece por acaso. Ao DN, o coordenador autárquico do PSD explica que “é sobretudo o resultado de mais de dois anos de trabalho a organizar este processo eleitoral”. Pedro Alves recorda que quando Luís Montenegro assumiu funções no primeiro mandato, enquanto presidente do PSD “definiu o grande objetivo” de tornar o partido na maior força autárquica nacional. Isto, juntando à “total disponibilidade para acompanhar as estruturas locais, percebendo o que estava a acontecer”, foi a chave para o sucesso eleitoral nas autárquicas e para o crescimento na região alentejana..Utilizando Beja como exemplo, onde os sociais-democratas conseguiram vencer CDU e PS pela primeira vez em quase cinco décadas, Pedro Alves explica que Nuno Palma Ferrão, autarca eleito, tinha “uma estratégia muito bem definida” e um conhecimento “perfeito” da comunidade. “Com a liberdade que teve e a articulação que foi feita, não repetimos o que se fazia no passado, possibilitando outro tipo de alianças, o que permitiu que as pessoas conseguissem olhar para nós como alternativa”, explica o deputado ‘laranja’.Além da capital de distrito do Baixo Alentejo, o PSD venceu também a autarquia de Almodôvar (ela própria tradicionalmente de esquerda), com um salto eleitoral considerável. Há quatro anos, os sociais-democratas tiveram 941 votos (21,20%), contra 3144 do PS (que venceu com mais de 70%). Agora? O PSD passou a ter 2112 votos (47,44%) e ultrapassou o PS, que foi segundo com pouco mais de 43% e um total de 1944 votos.Vendas Novas: “O trabalho de continuidade”No distrito de Évora, o PSD venceu cinco autarquias este ano, mais uma (Vendas Novas) do que em 2021. Tal como em Beja, isto significou um ponto final no domínio de esquerda que existia desde 1976 (até 2013, com a CDU no poder, a partir daí com o PS).Pedro Alves explica que tal foi conseguido com “trabalho de continuidade”. “O Ricardo [Videira] já tinha vindo a construir um trabalho de organização de base, e aproveitando a mudança de ciclo, houve um apoio mais intenso. Tanto Beja como Vendas Novas foram apostas que fizemos desde o início”, conclui o coordenador autárquico do PSD.Ouvido pelo DN, o autarca eleito vai na mesma direção. “Esta é uma conquista que resulta do trabalho de muitos anos”, diz Ricardo Videira, acrescentando: “Quer eu, quer o futuro vice-presidente [Luís Laranjo Matias] fizemos um trabalho de responsabilidade na oposição, até porque o PS não tinha maioria. Mostrámos que havia um caminho diferente e as pessoas confiaram.” Nas eleições legislativas, o Chega ganhou no concelho, mas agora não chegou aos 600 votos. Ricardo Videira entende que isto se deve a um fator: “As pessoas procuraram quem oferecesse garantias de uma boa gestão autárquica, para além da questão da proximidade e do sentimento de pertença à comunidade” e isso acabou por ditar o resultado final.O independente que juntou o Bloco CentralUm balanço eleitoral do Alentejo não se faz sem falarmos de quatro concelhos que, embora administrativamente estejam inseridos no distrito de Setúbal, fazem parte da paisagem cultural e territorial na região alentejana: Alcácer do Sal, Grândola, Santiago do Cacém e Sines. Também nestes quatro municípios se pode assumir que o PSD viu crescer o seu eleitorado, embora de formas diferentes.Comecemos pelo curioso caso de Santiago do Cacém, onde o PSD... nem sequer constou no boletim de voto. Bastião comunista desde o 25 de Abril de 1974, Santiago virou a página da sua história autárquica no último domingo, elegendo o independente Bruno Pereira (Somos Todos Cidadãos) para presidir à autarquia. Uma vitória por curta margem (apenas 93 votos a mais que a CDU) e que contou com uma parceria invulgar na lista de apoios, já que Bruno Pereira conseguiu reunir o Bloco Central (PS e PSD) no seu entorno e, assim, nenhuma destas forças política surgiu no boletim de voto. Seja como for, o PSD pode reclamar a sua parte de louros nesta eleição.Em Grândola e em Sines o PSD (coligado ao CDS) também teve motivos para sorrir. A subida no números de eleitores permitiu ao partido eleger um vereador em ambos os concelhos, o que não aconteceu nas anteriores eleições. Em Grândola, onde o PS também fez história ao derrubar do poder a CDU, o vereador social-democrata será determinante para desempatar as contas no executivo municipal, já que PS e CDU tem três cada um. Em Sines (aqui, foi a CDU a tirar o poder das mãos do PS), o vereador do PSD também terá peso político, embora mais reduzido: se se aliar aos três do PCP pode viabilizar as decisões da autarquia; por outro, lado, se votar ao lado de toda a oposição (MAIS, dois vereadores e PS, um) pode bloquear a ação comunista.Finalmente, falemos de Alcácer do Sal. Aqui, a coligação PSD-CDS não conseguiu entrar no executivo municipal (vitória do PS, que derrubou a CDU) e ficou atrás do Chega após a contagem. Ainda assim, teve um ligeiro aumento do número de votos em relação a 2021, passando de 2,77% (175 votos) para 3,89% (242)..Autárquicas: PSD vence nas cinco maiores câmaras, pela primeira vez desde 2005, mas PS trava queda eleitoral