“O país deve estar sempre primeiro, mas não tenho ilusões. Não vai estar e isso deixa-me extremamente preocupado”. Em dia da apresentação e votação da moção de confiança que deverá ditar a queda do Governo e a realização de eleições legislativas antecipadas, Mira Amaral critica PSD e PS por se resumirem “ao jogo partidário”. O ex- ministro do Trabalho e Segurança Social (1985-1987) e ministro da Indústria e Energia (1987-1995) em governos de Cavaco Silva não “quer santos na política”, mas “nesta altura tão complicada, inclusivamente do ponto de vista internacional”, defende a importância do “sentido de estado”. O economista lamenta que as “sensatas” declarações do ministro Castro Almeida, uma troca por troca em que o PSD desistia da moção de confiança e os socialistas da Comissão Parlamentar de Inquérito, tenham sido de imediato desmentidas por outro ministro, Leitão Amaro. “A classe política do meu tempo era superior”. E diz mais: “O último governo que conseguiu arranjar pessoas de categoria foi o primeiro de Guterres. Pessoas de quem se pode discordar, mas com inegável categoria”. Outros tempos, “em que para além disso havia muita motivação e otismismo na política”. .Sondagem: PS ultrapassa AD e maioria vê Montenegro sem condições. Recandidatura de Montenegro: “Nada a fazer” Para Mira Amaral a oposição interna, no PSD, a uma recandidatura de Montenegro não se coloca. Por uma razão: “trata-se de realismo, seria uma perda tempo discutir o assunto”. Explica: “Quando um líder está no poder é sabido que todos vão atrás, independente de suspeitas sobre isto ou aquilo”. Neste caso particular, não há diferença: “Montenegro traçou a estratégia que passa por eleições e pela sua recandidatura, e os outros seguem-no”. Já o PS, diz, “não quer deitar o Governo abaixo porque quer cozer o primeiro-ministro em lume brando, o que é compreensível. Fosse ao contrário e o PSD faria o mesmo”. A recandidatura de Montenegro está alicerçada na “máquina partidária que o primeiro-ministro tem na mão”. Uma circunstância que poderia contar pouco, na hipótese de Passos Coelho avançar? “Passos Coelho nunca aceitaria avançar sem eleições internas”, defende. “A vida partidária é assim, temos de ser realistas”, diz, recordando a dissolução da AR por Jorge Sampaio. “Mesmo percebendo que havia riscos, grandes riscos, sabia-se que Santana Lopes iria a eleições”. 1987 não se repete Recentemente, Mira Amaral recordou ao DN o dia 4 de abril de 1987, quando uma moção de censura deitou abaixo o governo minoritário de Cavaco Silva. “Foi um dia que me deixou contente. Porque tive a noção, eu e o restante Governo, de que indo para eleições poderíamos obter a maioria absoluta. Vítor Constâncio [então líder do PS] não teve a frieza suficiente, não resistiu à tentação, e votou com o PRD (Partido Renovador Democrático), sem perceberem, ambos, que estavam a fazer-nos um favor”, disse. A intuição do ministro do Trabalho do X Governo Constitucional, liderado por Cavaco Silva, estava certa. A de agora é outra: “Os tempos e os contextos são muito diferentes. Em caso de queda do Governo, o PSD poderá até subir um pouco, mas ficará longe da maioria absoluta”.