Partidos evocaram a "bela" revolução, mas não foi uma festa, foi uma "celebração" com milhares nas ruas
"Em cada rosto igualdade" e "quando tudo for privado, seremos privados de tudo". Estas frases estavam escritas em dois dos milhares de cartazes que eram envergados por quem celebrou os 51 anos do 25 de Abril de 1974 ou os 50 anos das primeiras eleições livres, por sufrágio universal e em que as mulheres puderam votar, para a Assembleia Constituinte. O dia era o mesmo, mas separado por um ano. De acordo com os milhares de pessoas que desceram esta sexta-feira a Avenida da Liberdade, significou que "o povo unido jamais será vencido". Algumas gritavam mantras como "para continuar Abril, somos muitos, muitos mil", com um ritmo marcado por dois chaimites originais que protagonizaram a Revolução dos Cravos.
A sublinhar a cor vermelha, o mar de gente tinha um denominador comum: cravos. Estavam nas lapelas, no cabelo, nos microfones dos jornalistas, em brincos. E todos evocavam também Celeste Caeiro, a mulher que, há 51 anos, ofereceu à revolução o seu símbolo.
Eram famílias inteiras, pessoas solitárias, amigos, colegas, que percorriam ao sabor do mesmo passo a Avenida. Cada cântico era intercalado com a "Grândola vila morena", que se ouviu várias vezes, como se fosse cada uma delas a primeira vez e a refletir a visão de Zeca Afonso, Francisco Fanhais e José Mário Branco, os homens que gravaram a versão original, em 1971.
"25 de Abril, sempre. Fascismo, nunca mais", repetiam, também. Desta vez, ao grito de "paz sim, guerra não", os manifestantes acrescentavam: "Palestina vencerá." "Procuro, procuro, Abril no meu futuro", insistiam outros.
No meio dos manifestantes, o DN conversou com o antigo presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, que tinha estado ausente da cerimónia oficial, na Assembleia da República.
“Este 25 de Abril ainda é mais importante que o do ano passado, porque o ano passado era uma data redonda e o mundo não estava como está hoje e, portanto, estar tanta gente e tanta gente nova neste desfile da Avenida Liberdade é um sinal muito positivo", desabafou, acrescentando que estava ali "com o mesmo agrado com que" achou "que não devia ir hoje de manhã ao Parlamento".
Questionado sobre a sua ausência na cerimónia, o também antigo líder do PS explicou que foi convidado pelo presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar Branco, que, acusou, tem tido uma atitude "inaceitável no tipo de confusão que faz entre a liberdade de expressão da extrema-direita e a capacidade e os direitos que eles têm de injúria, de difamação e de calúnia".
"Portanto, eu não posso aceitar, enquanto se mantiver esta situação, ser convidado por ele", justificou.
"A grande lição" ao Governo
Também na manifestação, o atual líder do PS, Pedro Nuno Santos, aproveitou a ocasião para lançar farpas ao Governo, que, afirmou, "esteve à janela ou está à janela a assistir".
A crítica era dirigida também ao facto do Governo ter decidido adiar a festa para dia 1 de maio, com música, na residência oficial do primeiro-ministro, como acontece habitualmente no 25 de Abril, justificando a alteração no calendário com o período de luto motivado pela morte do Papa Francisco.
"De qualquer forma, é Governo até o dia 18 de maio", rematou Pedro Nuno Santos, acusando o Executivo de Luís Montenegro de não ser de confiança.
Ouvida pelos jornalistas no meio daquele mar de gente, a coordenadora do BE, Mariana Mortágua, sustentou que "a democracia não esquece o 25 de Abril".
"É por isso que todos os anos tanta gente sai à rua, é por isso que todos os anos tanta gente canta a Grândola", justificou.
Revelando que, na noite anterior, tinha estado no Largo do Carmo, onde se tinha iniciado a celebração, Mariana Mortágua lembrou os jovens que estavam ali presentes.
"São jovens que nasceram muito depois do 25 de abril, mas que fazem questão de sair à rua porque esta também é a data deles", continuou, argumentando que "é precisamente quando os tempos são mais difíceis, é precisamente quando sentimos que a democracia e a liberdade estão ameaçadas, que é mais importante celebrar este dia, não apenas como memória do passado, do que foi, mas também, mas sobretudo, como país que queremos construir para o futuro".
"Esta manifestação é uma grande lição ao primeiro-ministro e ao Governo que entende que se pode adiar as comemorações do 25 de Abril como se a democracia ficasse à espera de um momento mais conveniente para o Governo celebrar", concluiu.
As críticas ao Governo pela mudança de data da festa proposta pelo Governo também foram sublinhadas pelo secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, que repetiu que o que se estava ali a fazer não era "nenhuma festa".
"Nós estamos a celebrar uma grande revolução, uma revolução construída pelo nosso povo, uma revolução que acabou com o fascismo, e, portanto, não há nenhuma festa. As festas podem ser adiadas, as celebrações não se adiam", completou.
Classificando como uma "brincadeira" a decisão do Governo, Paulo Raimundo disse que a maior resposta vinha do que estava ali a acontecer.
"É a grande resposta daquilo que se exige, de afirmar os valores de abril", considerou, antes de defender que é preciso ter "a coragem e a determinação para ter uma política ao serviço daquilo que Abril abriu, que é ao serviço da maioria, daqueles que trabalham, trabalharam uma vida inteira, das crianças e da juventude" e a "favor da paz".
Estabelecendo um paralelismo entre o homem solitário que, durante a pandemia, quando não pôde haver manifestação, desceu a Avenida da Liberdade, envergando uma bandeira nacional, e o Papa Francisco, que, sozinho, na mesma altura, celebrou uma missa na Praça de São Pedro, o porta-voz do Livre Rui Tavares evocou aquilo que disse ser um sentimento que representa as pessoas.
Depois de descrever o 25 de Abril como uma revolução "relevante", "bela" e "alegre", Rui Tavares notou que "muitos imigrantes chegam a Portugal e depois vêm a esta manifestação porque é uma das maneiras que têm de, lá está, respeitar os tais famosos valores portugueses".
"Certamente um deles é o da liberdade, é o descer a avenida. É sempre a parte mais bonita da festa", afirmou, acrescentando que este é "um bom ano para" as pessoas se juntarem "à descida da Avenida da Liberdade, qualquer que seja o nome dessa avenida em qualquer cidade deste país".
O desacordo face à decisão do Governo de adiar a festa, mantendo a celebração numa versão mais contida, também foi manifestado pela porta-voz do PAN, Inês de Sousa Real, justificando que "não podemos esquecer a utilidade que o 25 de Abril continua a ter perante as ameaças à democracia".
Para Inês de Sousa Real, aludindo à justificação do Governo para alterar a data da festa do 25 de Abril, "o Papa Francisco seria o primeiro a pedir às pessoas para saírem à rua, para lutarem pela liberdade, para lutarmos também pelos grandes desafios que temos hoje, seja no combate à pobreza, no acesso à habitação, mas também em desafios como o combate à crise climática e em protegermos a nossa casa comum".
IL e todas as outras datas da democracia
No final da manifestação, ainda junto ao Marquês de Pombal, desciam os manifestantes da IL, com versões diferentes dos mesmos mantras.
"25 de Abril, sempre. Fascismo, nunca mais. 25 de Abril, sempre. Comunismo, nunca mais", gritavam, intercalando com: "Seja público ou privado, o que importa é seres tratado."
Ao DN, o deputado liberal Rodrigo Saraiva lembrou que o partido participa na manifestação desde 2018, logo após a sua fundação.
Atrás de um Jeep com uma cor verde normalmente associada ao Exército, mas, neste caso, propriedade privada, os manifestantes da IL não tinham cravos, gritavam por liberdade e empunhavam bandeiras e balões azuis.
Rodrigo Saraiva explicou que a presença do partido, que já é habitual, deve-se ao facto de não se tratar de "uma celebração organizada por nenhuma entidade pública ou uma organização da sociedade civil".
Para o deputado liberal, o 25 de Abril "é uma data, mas acima de tudo a liberdade é todo um processo. Um processo que teve várias datas. Ainda hoje, a sessão formal evocou os 51 anos do 25 de Abril e evocou os 50 anos das primeiras eleições, para a Assembleia Constituinte. Portanto, mesmo as celebrações dos 50 anos do 25 de Abril têm estado a celebrar um conjunto de datas."
Neste processo, continuou o também vice-presidente da Assembleia da República, o 25 de Novembro é uma data que também deve ser destacada.
"Somos o único partido, de todos aqueles que estão no espectro político-partidário em Portugal, que desde a sua fundação, celebra os dois 25 com a mesma motivação e na rua, em público, para que todas as pessoas se juntem", argumentou.
Para Rodrigo Saraiva, a presença do partido na manifestação demonstra uma ideia: "Quer a liberdade, quer a rua, não têm donos. E que seja qual for, os partidos têm que deixar de instrumentalizar datas que são fundadoras do nosso sistema e que são para todos."
Durante a conversa de Rodrigo Saraiva com o DN, um manifestante passou e gritou: “Voltar atrás, nunca mais.”
Longe da liberdade, várias detenções e agressões
A promessa de que haveria um protesto contra a imigração, no mesmo dia, no Martim Moniz, organizado pelo partido de extrema-direita Ergue-te, liderado pelo ex-juíz Rui Fonseca e Castro, cumpriu-se, apesar de não ter sido autorizado pelas forças de segurança.
A juntar-se ao protesto do Ergue-te, surgiu o Movimento 1143, liderado pelo militante neonazi Mário Machado.
Como resultado, ambos foram detidos, na sequência de desacatos que implicaram intervenção da PSP.
Segundo declarações do comandante da 1ª Divisão do Comando Metropolitano da PSP de Lisboa, Iúri Rodrigues, dois polícias ficaram feridos e tiveram de ser assistidos, como resultado dos confrontos entre grupos de extrema-direita e antifascistas, no Largo de São Domingos, junto ao Rossio.
O comandante Iúri Rodrigues informou ainda que houve três detenções e identificadas outras quatro pessoas.
No final do dia, o Ministério da Administração Interna, em comunicado, saudou "os muitos milhares de portugueses" que "se manifestaram de forma pacífica e ordeira em diversos pontos do território nacional", referindo, porém, que uma minoria terá "ultrapassado os limites legais do exercício ordeiro da liberdade de manifestação e expressão, o que levou à intervenção da Polícia para repor a ordem pública".