Apesar do luto nacional, o Parlamento assinalou os 51 anos do 25 de Abril e os 50 anos das primeiras eleições livres.
Apesar do luto nacional, o Parlamento assinalou os 51 anos do 25 de Abril e os 50 anos das primeiras eleições livres.Foto: Leonardo Negrão

Apelos ao voto, críticas ao Governo e Francisco quase transversal: o que fica da sessão solene do 25 de Abril

Por entre evocações do papa, críticas ao Executivo e um ambiente de pré-campanha, partidos celebraram os 51 anos da revolução. Aguiar-Branco pediu estabilidade e Marcelo usou Francisco como exemplo.
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Foi uma sessão marcada, à partida, pela polémica em torno do luto nacional devido à morte do papa Francisco e da decisão do Governo em adiar, para 1 de maio, as celebrações que estavam previstas para o 25 de Abril.

E tendo o 25 de Abril como pano de fundo, foi o papa Francisco a estar presente na maior parte das intervenções que foram feitas esta sexta-feira no Parlamento. Entre partidos e figuras de Estado, só a Iniciativa Liberal e o Chega não utilizaram nos seus discursos o nome do Pontífice, que morreu no início da semana.

Com as intervenções a acontecerem por ordem crescente de representação, coube a Inês de Sousa Real, do PAN, ser a primeira a discursar no Parlamento. Além de recordar nomes importantes do pré e pós-25 de Abril, como Maria Teresa Horta e Carlos Matos Gomes, que morreram já este ano, Inês de Sousa Real reconhece que "as pessoas" estão "cansadas de ir às urnas" e de instabilidade política. Depois de dizer ser "urgente" renovar os valores de Abril, utilizou as palavras do papa Francisco, afirmando que "o coração está aberto à comunhão universal, nada e ninguém fica excluído" e, por isso, considerou ser importante não deixar de parte nenhuma espécie.

Paulo Núncio, líder parlamentar do CDS-PP, seguiu-se e começou por recordar várias palavras do papa Francisco, a quem chama um "digno sucessor de Pedro [apóstolo]". "Foi um peregrino do bem" e, por isso, deixou o seu "reconhecimento e agradecimento" ao papa. Num discurso marcado, em grande parte, por um tom de campanha eleitoral, o centrista assinalou que "houve quem não quisesse que as eleições se realizassem", recordando ainda que "os mais radicais do 11 de março diziam que as conquistas da revolução não podem ser postas em causa pela via eleitoral". "Há 50 anos", disse, "o povo português assumiu o seu estatuto de soberano". Frisou depois que "os dois 25" - de abril e de novembro - são a "continuação um do outro". "Em abril, conquistámos a liberdade, em novembro evitámos perdê-la", rematou.

A seguir, Isabel Mendes Lopes, líder parlamentar e co-porta-voz do Livre, iniciou o seu discurso evocando a memória de Celeste Caeiro - a mulher que, na manhã do dia 25 de abril de 1974, deu cravos aos militares - e, depois, recordou palavras do papa Francisco, para dizer que se vive "uma mudança de época" e que "o momento é ameaçador". "Os sinais", disse, "estão todos aí, dentro e fora de Portugal”: o discurso de ódio, o ataque à imprensa, e o desejo de alargar fronteiras. Isto antes de atirar críticas à bancada do Governo, dizendo que uma "celebração não se cancela, não se adia".

António Filipe, do PCP, também evocou a memória de Francisco, focando-se na luta do papa na área da justiça social. Depois, abordou o "obscurantismo" do Estado Novo, tal como a importância das eleições que aconteceram há 50 anos e os deputados que desenharam o que viria a ser a Constituição. Há agora "o dever de lutar para que essa esperança não seja traída", atirou, num "momento que pode ser de deceção e descrença" para o povo. António Filipe culpou o Governo por essa situação, tudo devido a uma "governação insensível às reais necessidades das pessoas". Por isso, "está nas mãos do povo ter uma vida melhor", disse num apelo ao voto a 18 de maio.

As críticas ao Governo estenderam-se, também, pela voz de Mariana Mortágua. "É só a triste confirmação que nem o dia mais feliz consegue iluminar todo o futuro de um povo", atirou em crítica ao adiamento do Executivo devido ao luto nacional. Dirigiu-se depois aos "herdeiros de Salazar", que "ainda hoje" rejeitam a Constituição. Isto antes de falar para os jovens, dizendo que a "democracia não está vacinada" contra o "mal do nosso tempo": o "discurso de ódio a entrar pelos pátios da escola, pela rua, pelo telemóvel". "Este é o tempo que nos calhou viver, e para o enfrentar temos connosco o segredo que Celeste Caeiro um dia contou a Portugal: num cravo cabe outro mundo", concluiu.

Depois das críticas do BE, foi Rui Rocha, da IL, a intervir e a trazer (de forma mais vincada do que até aí) a campanha eleitoral para os discursos. "É preciso, é urgente, é essencial reformar o Estado. Só a Iniciativa Liberal tem coragem de o afirmar. Só a Iniciativa Liberal tem a convicção de fazer o caminho urgente e indispensável da modernização do Estado. Essa mudança começa a 18 de maio. É a mudança para um Portugal mais liberal, mais moderno, mais próspero e com mais oportunidades. Temos essa enorme oportunidade em 18 de maio. Já perdemos demasiado tempo, mas ainda temos todo o futuro à nossa frente. Desta vez, é liberal. Desta vez, vamos acelerar Portugal", atirou, depois de passar em revista os problemas na saúde, na habitação e na educação.

André Ventura continuou as críticas, recordando Celeste Caeiro, que disse ter "morrido abandonada nas urgências de um hospital" sem uma resposta atempada. O líder do Chega falou depois em 51 anos de "muita mudança, ora boa, ora má" e criticou a imigração, dizendo que o Governo deixou entrar "milhares e milhões no país e nem se sabe quem são". "As verdadeiras Celestes são as vítimas dos que deixaram entrar sem regras neste país", referiu.

Pedro Nuno Santos continuou as críticas ao Governo, e fez uma alusão indireta ao caso Spinumviva, que ditou a queda do Executivo, levando a eleições antecipadas. "A democracia é hoje mais exigente do que alguma vez foi. Sujeita os políticos a um maior escrutínio e impõe-lhes um maior nível de transparência e de integridade ética do que em qualquer outro momento da história. Este imperativo democrático de maior transparência é incompatível com comportamentos de opacidade e de ocultação. Convive mal com condutas de dissimulação e de vitimização. E, sobretudo, torna insuportável a constante chantagem e infantilização dos portugueses", atirou. E, tal como já acontecera, criticou a polémica das celebrações e do luto nacional. "Cancelar as celebrações" mostra que o Executivo está "desligado do sentimento popular" e que é "incapaz de perceber que os portugueses, mesmo 51 anos depois de abril, se ofendem com quem desvaloriza a data que lhes trouxe a democracia, a liberdade, a educação para todos, o serviço nacional de saúde, o direito a escolher quem os representa e quem governa". Com isto: "Hoje, o povo sai à rua e o Governo fica à janela."

Tal como há um ano, o nome escolhido para intervir pelo PSD foi uma deputada. Desta feita, foi Teresa Morais, que também é vice-presidente do Parlamento, a discursar (em 2024, tinha sido a jovem deputada Ana Gabriela Cabilhas). Começou por recuperar "memórias" do passado, passando pela história da sua família, que viu os seus irmãos ir para a guerra. A Revolução, disse, foi a certeza de que "a guerra" tinha acabado. A social-democrata considerou que o 25 de Abril contribuiu para "o afastamento dos extremismos", que a Constituição "deu passos fundamentais que foram sendo aprofundados", como a proibição das discriminações e a igualdade de género. Não obstante, disse, Portugal "tem uma democracia consolidada, mas ainda imperfeita", desde logo porque homens e mulheres ainda têm desigualdades entre si. "Deve conseguir superar-se" isso, e pediu que se faça "melhor". "Temos e vamos fazer melhor", disse.

Aguiar-Branco pediu estabilidade e Marcelo usou papa como exemplo

Depois das intervenções dos partidos, foram as figuras de Estado a discursar.

Como manda o cerimonial, foi o presidente da Assembleia da República a falar primeiro, com a última intervenção a caber ao Presidente da República.

Tal como Teresa Morais, também ele recorreu a memórias: as de há 50 anos, aquando das primeiras eleições livres e o gesto que tal foi de todos os que saíram para votar nesse dia. Deve estar-se à "altura desse gesto". "Habituámo-nos, nos últimos anos, a ouvir que os portugueses não confiam nos políticos", disse. E falou depois nas consequências desse descrédito: "A abstenção não é uma causa, é uma consequência. O populismo não é uma causa, é uma consequência. A raiz do problema é tantas vezes a incapacidade de apresentar resultados, construir o futuro e de estar à altura de quem os elegeu.” A fechar, lamentou a falta de capacidade de consensos e pediu que se tente chegar à estabilidade necessária para o país. "Saibamos renunciar ao medo como tática, à divisão como estratégia, ao fatalismo como desígnio", rematou.

Antes, Aguiar-Branco já evocara a memória do papa Francisco, ao ler um voto de pesar em nome do Parlamento - que foi aprovado por unanimidade - e a seguir ao qual se seguiu um minuto de silêncio.

Já Marcelo Rebelo de Sousa, relembrou que deste 1977 que a sessão solene se realiza e que, desde então, é a primeira vez que acontece com um "Parlamento dissolvido" e com luto nacional decretado. Falou no voto de pesar unânime e faz referências ao papa Francisco, traçando paralelismos entre o Pontífice e o 25 de Abril. Os anseios do papa Francisco, "sem recusas, sem intolerâncias, sem fronteiras entre puros e impuros", disse, são comparáveis aos do 25 de Abril. Para Marcelo, a celebração da Revolução dos Cravos deve ser "mais encarnação do que uma afirmação de missão já servida, mais futuro do que passado, para que não se confunda o fundamental com o acessório". "25 de Abril sempre", disse, terminando: "O pleno e descomplexado abraço a todas as pessoas e a radical humildade que nos ensinou Francisco. O que tem o papa a ver com a Revolução? Tudo, tudo, tudo!"

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