Há quase duas semanas, o Bloco de Esquerda (BE) foi confrontado com o caso, que remonta a 2022, de trabalhadoras que foram dispensadas do partido quando ainda amamentavam. Esta quinta-feira, depois de ser conhecido que o Ministério Público (MP) abriu um inquérito à forma como este processo decorreu, a coordenadora bloquista, Mariana Mortágua, assegurou que o partido fez tudo para “proteger aquelas duas trabalhadoras”, ainda que tenha assumido que "não foi correto". Apesar das dúvidas que pairam sobre este processo que Mortágua já explicou que não foi de despedimento mas de extinção de comissões de serviço, e com testemunhos das mulheres em causa, avançados pela revista Sábado, esta não é a primeira vez que o partido enfrenta casos em que bloquistas lidam com situações que podem não corresponder aos valores que o partido promove..Mariana Mortágua demarca-se de ex-assessor do BE proprietário de AL. "Não merece comentário nenhum".Será preciso recuar a 2018 para encontrarmos o primeiro episódio de alegada especulação imobiliária entre as fileiras bloquistas. Na altura, o antigo vereador do BE na Câmara de Lisboa, Ricardo Robles, pôs à venda, por 5,7 milhões de euros, um prédio em Alfama que adquirira à Segurança Social em 2014, em conjunto com a irmã, por 347 mil euros, tendo depois investido 650 mil euros em obras de requalificação. A notícia foi avançada, na época, pelo Jornal Económico.O prédio esteve à venda, através de uma agência imobiliária, durante seis meses. No entanto, depois da dificuldade em obter um comprador, foi retirado do mercado. De acordo com Ricardo Robles, havia cinco frações ocupadas quando comprou o prédio, mas, quando o caso foi conhecido, só uma estava habitada, com uma renda mensal de 170 euros, justificou.Mais tarde, numa conferência de imprensa na sede do partido, garantiu que não renunciaria ao mandato e ainda desmentiu que tivesse havido despejos no imóvel, afirmando que procedeu de "forma exemplar". "Não há nada de reprovável na minha conduta”, assegurou.Malograda a tentativa de venda, Ricardo Robles disse que passaria a propriedade vertical para horizontal, com cada um dos irmãos a gerir a sua parte como entendesse.Ricardo Robles negou que a sua atitude fosse especulativa."Não venderei a minha parte do imóvel e colocarei as minhas frações no mercado de arrendamento. Compreendo as razões da minha irmã para não voltar e arrendar", concluiu.Esta sexta-feira, a especulação imobiliária voltou a ser notícia entre o BE, com o Observador a dar conta de um ex-assessor do partido, Bernardino Aranda, que se mantém como militante, e que é proprietário de duas unidades de Alojamento Local, apesar de ter promovido a recolha de assinaturas, através da sua livraria - a Tigre de Papel -, na altura do referendo contra esta prática.Durante uma conferência de imprensa na Assembleia da República, Mariana Mortágua reagiu a este caso: "Não merece qualquer comentário a não ser este: quando eu entrei no Bloco de Esquerda, Bernardino Aranda já não era assessor. Portanto, acho que isso dá uma noção de quantos anos passaram desde aí."De acordo com o Observador, Bernardino Miranda diz que não tem de dar as casas de que é proprietário."No dia em que a Câmara Municipal de Lisboa decida, eu deixo de ter. Mas não é cada um que, individualmente, tem de resolver um problema coletivo”, disse.Mariana Mortágua frisou que não acha "que tenha a responsabilidade de comentar qualquer coisa que qualquer militante do Bloco faça".Questionada sobre se considera que há alguma incoerência entre esta posição do ex-assessor e aquilo que o BE defende, a líder do partido diz que não pode dar "justificações sobre o que faz ou diz uma pessoa que, por sua autoiniciativa, é inscrita no Bloco de Esquerda e que foi funcionária do Bloco numa altura em que a própria coordenadora do Bloco de Esquerda nem era do partido ainda"."Eu acho que tenho tido a maior disponibilidade para responder a todas as questões, mas há um limite razoável nas perguntas que são colocadas", afirmou Mariana Mortágua, acrescentando que "responderá sempre".Contratação de Catarina Martins depois dos despedimentos das recém-mãesSobre os despedimentos, a partir de 2022, de vários trabalhadores do partido, incluindo mulheres que tinham sido mães há pouco tempo, Mariana Mortágua, justificou esta quinta-feira que tudo o que foi feito foi para "proteger aquelas duas trabalhadoras". E ainda justificou a contratação de Catarina Martins, vários meses depois deste episódio.Nesse momento, Mariana Mortágua explicou que os trabalhadores no partido “estão num estatuto de comissão de serviço”, que é de “confiança política” e depende dos “ciclos de financiamento”, podendo “terminar em qualquer momento”.Em alusão ao resultado das eleições legislativas de 2022 - quando o BE passou de 9,52% dos votos e 19 mandatos para 4,40% dos votos e cinco mandatos -, a bloquista justificou que, “naquele processo em que o BE extinguiu mais de 30 postos de trabalho, porque perdeu mais de metade do financiamento”, o que levou à extinção também das comissões de serviço.Questionada sobre se este processo retiraria legitimidade ao partido para continuar as suas lutas pelos direitos dos trabalhadores, Mariana Mortágua disse que não, reiterando que “as ações que o Bloco tomou foram para proteger estas pessoas”.Mortágua alegou que o partido foi confrontado com a decisão de “proteger essas trabalhadoras que tinham sido mães há pouco tempo”, e por isso optou por encontrar “condições que fossem mais favoráveis” do que as da “mera extinção da comissão de serviço, que eram as devidas por lei”.A líder do BE garantiu que “este esforço” foi feito “sem prejuízo” para as trabalhadoras e para a Segurança Social, e “às custas exclusivas” do BE, assumindo, porém, “um erro no procedimento”, “que teve a ver com a forma de contacto com os trabalhadores”.Mariana Mortágua justificou estas opções pelo facto de terem sido tomadas “num momento de grande pressão” em que o partido procurou “dar uma resposta o mais rapidamente possível a todas as pessoas que estavam ansiosas sobre o seu futuro”.“Mas não quer dizer que tenha sido correto. Foi legal mas não correto”, considerou.No mesmo dia, o procurador-geral da República, Amadeu Guerra, questionado, no Porto, sobre a abertura do inquérito em torno destas dispensas, explicou que “há indícios de falsificação de documentos à Segurança Social”, mas sublinhou que os documentos ainda terão de ser analisados.“Não significa que se venha a provar. Vamos fazer a investigação como fazemos em todas as situações”, concluiu.Questionada sobre se o partido tem dois pesos e duas medidas face aos trabalhadores, considerando que depois Catarina Martins foi contratada, Mariana Mortágua disse que ambos os processos decorreram em momentos diferentes, porque a antiga coordenadora “fez um trabalho de apoio temporário, durante poucos meses, à candidatura da Madeira” e “anos depois dos dois casos”.De acordo com a informação partilhada pelo partido com o DN, Catarina Martins "esteve contratada pelo Bloco entre 14/09/2023 a 14/07/2024, com salário bruto de 1100 euros".Esta não foi, porém, a primeira vez que Catarina Martins teve de lidar com acusações de disparidades entre os valores que promove e aquilo que faz, acabando, no entanto, por sair ilesa.De acordo com um artigo do Polígrafo, que afastou o boato de que a antiga coordenadora do BE promovia salários baixos numa unidade de Alojamento Local da qual era proprietária, apesar de cobrar um valor elevado, Catarina Martins foi alvo de uma publicação na rede social X (na altura, Twitter) que a acusava de ser uma "latifundiária de esquerda".Em causa estava uma propriedade e a empresa que a geria - a Logradouro Lda. -, que era dos sogros e não sua e sobre a qual, quando em 2009 chegou ao Parlamento, Catarina Martins apenas detinha 4%. Ainda assim, a ex-líder bloquista teve de lidar com a propagação desta ideia nas redes sociais.