O Orçamento do Estado para 2026, por avisos do ministro das Finanças, Miranda Sarmento, tinha pouca folga orçamental e a aliança PSD-CDS-PP evitou grandes derrapagens. No final de outubro, a Associação Nacional das Freguesias (Anafre) deu um terceiro parecer negativo consecutivo às propostas de Orçamento do Estado ao lembrar que refletia “uma perda de receitas para as freguesias”. “E por que é que eu digo que é o pior Orçamento dos últimos cinco anos? Eu baseio-me nos factos. Em 2023, tivemos um aumento de 5,89% de todas as receitas. Em 2024, tivemos 19,17%. Em 2025 tivemos 13,50%. Em 2026 vamos ter 2,5%. Isto é factual. Isto reflete, com certeza, e é a opinião também dos meus colegas, uma perda de receitas para as freguesias”, disse Jorge Veloso, presidente da Anafre indicado pelo PS, insurgindo-se com o PSD, que assinalava aumentos a responder à inflação, considerando que “o valor adicional é muito diferente consoante as freguesias.”O acréscimo de 11 milhões de euros é considerado curto, estimando-se em “2,56%, o que é, desde logo, insuficiente para os encargos com aumento dos salários dos trabalhadores, aquisição de matérias-primas e combustíveis”, alertou. A questão pode ter especial impacto no caso da revisão da Lei das Finanças Locais, que poderá voltar a reestruturar o panorama autárquico, aumentando a densidade de funcionários públicos - ou seja, obrigando a que certos custos de pessoal tenham de ser suportados pelas autarquias e freguesias. A discussão ainda não tem avanços significativos.No caso de Lisboa, as 24 freguesias funcionam como autarquias. É um caso específico do poder local em que cada uma tem delegação de competências próprias e cujo orçamento é ditado pelo próprio Orçamento do Estado. Há depois partes de delegações que a câmara contratualiza com as juntas, pagando pelo efeito.Foi previsto pelo Governo uma atualização no aumento do índice médio de preços da área metropolitana, que anda nos 2,56%. No entanto, o Partido Socialista viu recusada uma proposta em Orçamento do Estado para um acréscimo para fazer face às atualizações do salário mínimo. Em vez de se gastarem 11,5 milhões de euros, seria um esforço de cerca de 16 milhões de euros. O acréscimo foi recusado porque, favoravelmente ao lado do PS votaram Livre, Bloco de Esquerda, PAN, JPP, mas PCP, IL e Chega abstiveram-se, prevalecendo o voto contra da maioria PSD-CDS-PP. Nesse sentido, há receios de que alguns serviços sejam diretamente afetados, uma vez que a maioria dos trabalhadores são assistentes operacionais e assistentes técnicos. Se em 2024 o salário mínimo passou para 820 euros, a subida para 934,99 em 2026 na função pública está acima da atualização da própria orçamentação.“À volta de 50% do que chega à Junta de Freguesia da Ajuda é para pessoal, quase sempre com remunerações baixas, próximas do ordenado mínimo. Diria que 80% dos contratados terá valores a rondar esses valores. É mais o que impacta vindo do salário mínimo do que da inflação. Existe elasticidade, mas há pouca capacidade para fazermos investimento”, salienta ao DN Jorge Marques, que avança para o terceiro mandato na Ajuda, alertando que “os serviços podem começar a piorar”, que “a gestão tem de ser criteriosa” e que “há limites para a ginástica financeira”. Reconhece que um aumento via Orçamento do Estado “era um balão de oxigénio”, até porque a reforma administrativa, com a respetiva descentralização, “dotou as freguesias de autonomia”, embora faltem “verbas próprias”. O socialista avisa para a centralização de competências que Carlos Moedas levará adiante, por exemplo na recolha de lixo, retirando perto de 100 mil euros de verbas. “Não augura boas notícias, porque existem apenas dois financiamentos: os que vêm do Estado e da câmara, veremos o que acontece nos protocolos das ecoilhas”, diz o presidente de uma junta que tem hoje meia centena de funcionários e projeta “4 milhões de euros de orçamento.”Tomás Gonçalves, eleito pela coligação Por Ti, Lisboa, em Alvalade, traça um cenário mais positivo. “Houve um incremento nas dotações nos últimos dois anos, que não era atualizado desde a reforma administrativa de 2013. Esses dois incrementos representaram 800 mil euros para esses dois anos e foram importantes, porque assumimos os aumentos de salários”, diz, reconhecendo que “estavam limitadas as verbas para a intervenção no espaço público” e que o “aumento, não sendo ideal, está em linha com o praticado.”O social-democrata deixa a garantia de que não terá de “recorrer ao saldo de gerência para fazer face à despesa corrente”. Para os 123 funcionários e para os 8,5 milhões de euros previstos de orçamento, Gonçalves advoga que serão importantes as receitas das competências na Higiene Urbana e da Taxa Turística, que, atualmente, em Alvalade, representam 350 mil euros. “Não acredito que Carlos Moedas faça de forma unilateral um fim de acordo na delegação de competências. Não vão ser terminados na totalidade, serão renegociados”, refere.“Quando as freguesias recebem mais responsabilidades, mas o financiamento não acompanha, acabam, inevitavelmente, por ficar numa situação difícil. No caso de Lisboa, o número de trabalhadores que as freguesias têm hoje torna indispensável que o justo aumento do salário mínimo seja acompanhado da respetiva compensação financeira”, respondeu, ao DN, Susana Cruz, a nova presidente da Junta de Carnide, a única governada pelo PCP na cidade. A autarca vincou que a “compensação deve ser garantida de forma transversal”, porque “não é um desafio exclusivo da Área Metropolitana de Lisboa.” Carnide tem 104 trabalhadores no mapa de pessoal.“Lisboa perdeu quatro milhões de euros com a recusa da proposta do PS e esse corte compromete a capacidade das juntas de responderem às necessidades das pessoas”, advoga a socialista Carla Almeida, retratando que “a atualização da base remuneratória dos assistentes técnicos e operacionais representa um acréscimo na Freguesia da Misericórdia de mais de 206 mil euros.” Defendendo que o “aumento é justo”, considera que “não vem acompanhado dos meios financeiros adequados por ficarem abaixo da inflação”. Assim, avisa que pode ser necessário “cortar em atividades culturais, apoios sociais ou prestações ocasionais”.“Temos lugares previstos no quadro, mas não podemos contratar, o que limita a capacidade de resposta”, lamenta a presidente da Misericórdia, uma das mais requisitadas pelo Turismo. Consciente de que os valores da taxa turística passarão de 40 para 80 milhões de euros para a câmara, aponta que “o reduzido aumento da taxa turística, que em 2025 foi de apenas 5,6%”, se torna “manifestamente insuficiente face à pressão turística e ao elevado número de estabelecimentos noturnos na freguesia”. Nove freguesias têm acréscimo de mais de 200 mil euros, Benfica e Olivais superam os 300 mil. .Municípios propõem nova e mais eficiente Lei das Finanças Locais.Marcelo promulga diploma que altera lei da reposição de freguesias.OE2026: Anafre considera que este é o pior orçamento dos últimos cinco anos.O DN conversou com os presidentes das freguesias de Ajuda, Alvalade, Carnide e Misericórdia. Longe do ideal em termos de orçamentação estatal, ficam avisos quanto aos valores vindos da câmaraFreguesias de Lisboa