Maria do Rosário Palma Ramalho, ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, justificou em entrevista à TSF e JN o pacote de medidas que o governo repete ser de “flexibilização laboral”. Mencionou ter “notícias de alguma utilização abusiva”, não só quanto a situações de interrupção da gravidez, voluntária ou involuntária, como do direito à amamentação. “Acho difícil de conceber que, depois dos dois anos, uma criança tenha de ser alimentada ao peito durante o horário de trabalho. Um direito não se deve confundir com o exercício abusivo desse mesmo direito”, disse Palma Ramalho. ."Reforma laboral vem repor equilíbrio à alteração de 2023, a pior de que há memória".A Organização Mundial de Saúde apresentou estudos que defendem que a introdução de alimentação complementar saudável pode e deve manter a amamentação como desejável até e depois dos dois anos. Por isso mesmo, as afirmações e a falta de sustentação estatística por parte da ministra de Luís Montenegro gerou estupefação. Da esquerda à direita, há críticas. “As afirmações da ministra são superficiais, levianas, não têm demonstração estatística. Fala em alegados abusos com base no ‘ouvi dizer’. É completamente inaceitável. Não se pode lançar este anátema sobre as mulheres, há um profundo desrespeito pelas mulheres, uma presunção de culpa num direito consagrado”, declarou Alfredo Maia, deputado do PCP, ao DN. “As propostas do anteprojeto constituem claros retrocessos nos direitos da parentalidade e na igualdade de género, denotando um enorme desconhecimento sobre questões ligadas à gestação e amamentação. Já na anterior legislatura, a falta de noção da importância da partilha das responsabilidades parentais se fez notar”, asseverou o Livre em nota enviada ao DN. O partido liderado por Rui Tavares questiona: “Para partidos que sempre se posicionaram como defensores das famílias, não há provavelmente maior ataque às famílias e aos direitos das mulheres e das crianças do que este.”O PAN, pela porta-voz Inês Sousa Real, começou por aí a conversa com o Diário de Notícias. “Um governo que se diz favorável à família não pode atacar mais as famílias e as crianças. Procura retirar-lhes tempo e direitos. Não nos podemos esquecer dos benefícios para a saúde das crianças em terem a amamentação materna mais tempo. Temos uma ministra em contraciclo”, advogou Sousa Real, vincando que o PAN tem como meta que “as mulheres possam ter uma licença de maternidade remunerada a 100% nos primeiros seis meses”, atirando que a necessidade de atestado para a amamentação em período laboral “é colocar ónus nas famílias”. “Há mistura de conceitos, quanto ao luto gestacional e interrupção da gravidez”, arremessou Inês Sousa Real. José Soeiro, ex-deputado do Bloco de Esquerda, considerou ao DN que as medidas “atacam direitos das mulheres.” “Por que razão, e em benefício de quem, se quer acabar com a licença por luto gestacional, acabado com os dias remunerados do pai, ou restringir a licença de amamentação?”, insurgiu-se o sociólogo portuense.Mário Cabrita, deputado do PS com responsabilidades nas comissões referentes à legislação laboral, fala em “recuo civilizacional”. “Que casos? Onde estão, existem registos na ACT [Autoridade para as Condições de Trabalho]? Só cerca de 25% das mulheres amamenta aos seis meses. Colocar mais controlo, atestados médicos após a licença parental, é uma visão muito preconceituosa”, sustentou.Mariana Leitão, nova líder da Iniciativa Liberal, atacou as medidas. “Portugal atravessa uma crise demográfica profunda. Seria expectável que o Estado promovesse condições de confiança, flexibilidade e respeito para quem escolhe conjugar trabalho com parentalidade. Infelizmente, propõe limitar o direito à dispensa para amamentação até aos dois anos da criança, elimina esse direito para mães com contratos de menos de quatro horas diárias, revoga os três dias pagos de luto gestacional, remetendo os pais para faltas não remuneradas e acaba com o direito automático a horário flexível para famílias com filhos até 12 anos. Estas medidas assentam numa lógica de desconfiança generalizada, que aplica uma punição coletiva a todas as famílias. É uma visão ultrapassada do papel do Estado, que considera a exceção mais importante que a regra. Sendo incapaz de fiscalizar os eventuais abusos de uma pequena minoria decide aplicar uma punição generalizada a todas as mães”, explicou a figura maior da IL.O Chega, através da deputada Cristina Rodrigues, diz não ter sido “ouvido”. Tal como todos os outros partidos referiram ao DN. E questiona, fundamentalmente, o ataque aos direitos de maternidade: “A ministra não disse em que se baseia para chegar a essa conclusão. Não se justificam estas alterações legislativas que o PSD está a promover. Por exemplo, no caso da perda gestacional, não vemos como possa estar a haver um abuso do referido direito: ninguém vai engravidar com a expectativa de perder um filho e ganhar três dias de falta justificada. É ridículo. No que diz respeito à amamentação, o Chega considera que a atual lei é a adequada. É um ataque às mulheres.”Esquerda critica contratos, Chega aprova revisõesO prazo mínimo dos contratos a termo passa a ser de um ano e o máximo de renovações passa de dois para três anos. É uma medida que gera críticas da oposição. “Temos um verdadeiro rol de malfeitorias contra os trabalhadores. 70% dos novos contratos são feitos a termo, é lesivo para qualquer carreira. O contrato de termo incerto passa de quatro para cinco anos. É o prolongamento da precariedade. Há uma generalização na forma abusiva destas formas de trabalho”, diz Alfredo Maia, do PCP, reiterando o que tanto CGTP e UGT pronunciaram, mencionando o possível “aumento da precariedade”. Maia considerou que a política “reacionária do PSD está muito em sintonia com as bandeiras do Chega”. Opôs-se à mudança nos recibos verdes [ver à direita], que deixará, segundo o PCP, o trabalhador independente “mais desprotegido.” Soeiro, do Bloco de Esquerda, corrobora: “Cria uma nova figura do precário eterno que pode sempre ser contratado a prazo, arrasa com a norma sobre trabalho em plataformas, entrando em choque com a diretiva europeia sobre esse tema, retoma o banco de horas individual que tínhamos eliminado em 2019. É preciso defender medidas de reforma em 2023. Está nos antípodas das ideias desta ministra.” O Livre apresentou nesta legislatura propostas de aumentar o período de férias para 25 dias, a redução do trabalho para as 35 horas semanais e o programa de quatro dias de trabalho para público e privado, assim se posicionando contra o atual governo. “Que prevaleça o bom senso, que as medidas não vão avante, que a proposta de lei seja estudada e que a maioria parlamentar faça prevalecer a oposição”, desejou Inês Sousa Real, do PAN. O PS estranha a possível revolução laboral. “Temos emprego em níveis recorde, exportações e investimento estrangeiro no máximo. O mercado de trabalho não justifica esse alargar para os três anos [do máximo dos contratos a termo], porque a precariedade diminuiu. Estamos a prolongar um ano a incerteza. Proposta há de chegar ao parlamento, não deixaremos de nos posicionar em busca do equilíbrio”, asseverou Mário Cabrita, aproximando as medidas, “tal como nas questões da nacionalidade muito mais próximas da direita do que do centro.” Os partidos de esquerda não tiveram dúvidas em dizer ao DN que não aprovarão no Parlamento caso as medidas se tornem projetos-lei. Antes, o Governo vai reunir com a concertação social. Eventualmente, a maioria de direita poderia fazer passar o diploma. Mariana Leitão tece críticas e propõe “maior liberdade contratual” e pede valorização de “todas as formas legítimas de trabalhar, incluindo trabalho independente, remoto ou por projeto.” O Chega, por Cristina Rodrigues, afirmou que o partido “concorda com a necessidade de modernizar o Código de Trabalho”, aprovando a “redução das horas de formação nas empresas mais pequenas ou revisitar os serviços mínimos nas greves.” “Vincando aprovar a estimulação do “emprego juvenil”, o Chega diz ter “dúvidas se aumentar o contrato de trabalho temporário para três anos”, por aferir, portanto “um equilíbrio entre as necessidades de contratação e a segurança do trabalhador”. O partido quer esclarecimentos antes de tomar uma posição mais clara quanto a uma votação. O PSD foi contactado até à hora de fecho da edição, mas não foi possível recolher qualquer testemunho.Estas são as principais propostas do Governo para a flexibilização laboral:Contratos a termoO prazo mínimo dos contratos a termo passa a ser de um ano, em vez de seis meses. O máximo (renovações incluídas) passa de dois para três anos. O limite máximo dos contratos a termo incerto passa de quatro para cinco anos.Lei da grevePropõe-se que sejam sempre cumpridos os serviços mínimos em setores essenciais durante uma greve. Estes estendem-se ao cuidado de crianças, idosos e deficientes.Horário flexívelOs pais com filhos até aos 12 anos, ou com deficiência ou doença crónica, deixam de poder recusar trabalho à noite, ao fim de semana e feriados.Período experimentalO período experimental dos contratos de trabalho de um desempregado de longa duração ou do primeiro emprego recua, de 180 dias para 90 dias.Doença fraudulentaA entrega de autodeclaração de doença fraudulenta poderá dar direito a um despedimento por justa causa.Recibos verdesA percentagem do rendimento anual necessária para um trabalhador independente ser considerado economicamente dependente de uma empresa - o que lhe dá mais regalias - sobe de 50% para 80%.AmamentaçãoO direito ao horário reduzido durante a amamentação fica limitado a dois anos. Também passa a ser obrigatório comprovar a amamentação, com atestado, a partir do nascimento. Antes era só ao fim de um ano.Luto gestacionalÉ revogado. Em alternativa, a mãe tem direito à licença por interrupção da gravidez, paga a 100%. Quem não tem seis meses de descontos pode pedir o subsídio social, que é mais baixo. Os pais podem pedir assistência à família, que não é paga.Licença parentalA licença parental inicial poderá durar até seis meses se, depois de gozados os 120 dias obrigatórios, os dois progenitores optarem por mais 60 dias em regime partilhado. Até agora eram apenas 120 dias.Banco de horasÉ criado o banco de horas individual que permite, por acordo, que o trabalhador faça até mais duas horas diárias de trabalho.Formação contínuaPropõe-se reduzir de 40 horas para 20 horas por ano a obrigação das microempresas proporcionarem formação contínua aos seus trabalhadores. .Da lei da greve à licença parental. As principais propostas da reforma laboral da ministra do Trabalho.Ministra do Trabalho defende que "nem todas as pessoas querem ter um contrato de trabalho sem termo".Rosário Palma Ramalho: "Contratação coletiva continua a ser rígida"