Miguel Albuquerque foi constituído arguido e concorreu a eleições. Montenegro diz que em circunstâncias iguais mantinha candidatura a primeiro-ministro
Homem de Gouveia/Lusa

O que está a mudar? Lógica partidária vence integridade

A lealdade partidária está acima da ética. Mas há mais razões que concorrem para a eleição de candidatos com processos judiciais. Especialistas falam em rutura com o passado.
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Miguel Albuquerque, a braços com a Justiça, concorreu e venceu as eleições na Madeira. Luís Montenegro, primeiro- ministro, não teve um assomo de hesitação ao assumir que se candidataria no caso de ser declarado arguido e nem por um segundo ponderaria demitir-se da presidência do PSD. Longe vão os tempos em que PS e PSD debatiam internamente a questão e Marques Mendes, então líder dos sociais-democratas, impunha regras éticas ao partido, considerando “uma vergonha” para o regime democrático as candidaturas eleitorais de figuras políticas acusadas, pronunciadas ou condenadas.

Com a assunção de que política e Justiça não se cruzam, Albuquerque e Montenegro abrem uma nova era? “Estamos pelo menos perante um tema novo. Encontramos nestes dois exemplos, salvo as devidas distâncias entre eles, uma resistência nova à dinâmica ue marcou a política portuguesa nos últimos 20 anos. Um avançou, o outro declarou que avançaria caso fosse arguido”, defende António Costa Pinto.

O politólogo encontra aqui “ um novo comportamento da classe política perante as questões éticas, ou mesmo mediante problemas com a Justiça”. Resistência que, sendo nova, “vem acompanhada”, acrescenta Costa Pinto “de um discurso conspirativo”. A velha teoria da cabala.

Costa Pinto distingue estes casos do de Isaltino de Morais. “Isaltino cumpriu pena e saiu do partido. Agora, falamos de políticos no ativo, ligados a partidos, líderes partidários e em funções governativas, que, no caso de serem arguido,s não se demitem”.

Para o politólogo “estes casos atingem o âmago da governação” provocando “uma rutura com o passado dos respetivos partidos e até com o passado recente, porque ainda há pouco tempo assistimos à demissão de um secretário de Estado [Hernâni Dias] por incompatibilidades”.

Outro exemplo recente é o de António Costa: “Não terá continuidade. Pelo menos, não será a norma”, concluiu.

A tendência está lançada: “Havendo um número significativo de políticos que não se demitem, alguns deles relegitimados eleitoralmente, estamos a criar uma tendência que é a de os grandes partidos se recusarem a não candidatar arguidos”, diz.

O impacto no voto é difícil de determinar. “ A sociedade portuguesa não tem as mesmas reações. Terá mais impacto nos eleitorados da oposição, do que no núcleo duro dos partidos”, impacto sempre moldado por vários fatores. “Em muitos casos os eleitores optam por olhar para um candidato valorizando apenas o cômputo geral.”

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O que vence a integridade

Um estudo experimental publicado recentemente no Barómetro da Corrupção da Fundação Francisco Manuel dos Santos, coordenado por Luís de Sousa e Susana Coroado, faz a avaliação dos atributos de dois candidatos. A integridade aparece em segundo lugar. Em primeiro, a lógica partidária.

Como pode uma população tão facilmente indignada com a corrupção e atenta ao discurso populista eleger líderes com casos de Justiça?

Luís de Sousa explica: “A corrupção é cada vez mais um tema de valência. Os eleitores condenam a ausência de legislação dura e querem que algo seja feito. Querem ver respostas e medidas concretas, de tal maneira que o tema é explorado eleitoralmente pelos populistas.”

Porém, continua o investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, “a punição pode não ocorrer e isso pode ter a ver com a identificação partidária”.

Perante as notícias e as investigações, “os que consideram o tema importante não vão ficar agradados, mas não mudam de preferências”. Uma de três: “ou permanecem leais e confiantes no partido, recorrendo à teoria da cabala, desvalorizando ou criticando apenas internamente”; ou cortam, “e isso tem custos, mesmo quando trocam por um partido da mesma área ideológica”; ou baixam a fasquia, como quem diz, “por esta vez passa”.

O investigador enumera as duas âncoras éticas, através das quais a população avalia estas questões: a ética deontológica no exercício de funções e a ética consequencialista, utilitária, na qual o comportamento moral ou imoral depende de resultados e dos fins a que se destina. O chamado mal menor. “No caso português, a dimensão do “rouba, mas faz” é um ponto que leva ao voto em candidatos com processos judiciais. Mas não é a única razão. “Acresce a desconfiança na Justiça”, lembra o investigador.

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