Ministra da Saúde foi ao Parlamento falar do orçamento, mas teve de começar por dizer: “Não me demito”
FOTO: ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Ministra da Saúde foi ao Parlamento falar do orçamento, mas teve de começar por dizer: “Não me demito”

Ana Paula Martins iniciou a discussão do OE2026 a dizer que o orçamento é “realista” e não pode subir indefinidamente. Lançou à oposição o mesmo desafio do PR: que juntos definam “o SNS que se quer”.
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A ministra da Saúde está esta tarde, de sexta-feira, 31 de outubro, a ser ouvida na Comissão Parlamentar da Saúde (CPS) para apresentar na especialidade o Orçamento do Estado 2026 para o setor. Na sua primeira declaração, Ana Paula Martins começou por dizer que este orçamento era “realista”, assumindo que “não podemos prometer o infinito, mas tal não será possível”, acrescentando que “temos refletido muito sobre as opções que este orçamento encerra e ele encerra realismo e um acreditar profundo de que a saúde dos portugueses é talvez um dos valores, se não o valor mais importante de uma sociedade”.

Mas assim que terminou e se passou às perguntas da oposição, pela deputado do Chega, Marta Silva, teve de fazer a primeira declaração de que não se demite. Ana Paula Martins foi questionada sobre o caso da mulher grávida de 38 semanas, que morreu na madrugada desta sexta-feira, depois de ter estado na urgência e de ter sido enviada para casa. “Não, não demito”, disse a governante depois de a deputada lhe perguntar se não ia fazer o mesmo que fez a sua antecessora, Marta Temido.

No discurso aos deputados, a governante salientou que “não nos chega a bater no peito e dizer que temos que ter mais dinheiro. Faz sempre falta, sobretudo porque o lastro é grande e foram feitas transformações com impactos financeiros enormes contra parceiros do próprio Ministério das Finanças que vão levar tempo a recuperar”. Mas, sublinhou, se “a saúde dos portugueses é aquilo que nos une, a todos nesta Câmara, então temos de conseguir ir mais longe e entendermos o caminho que nos garantirá uma sociedade mais saudável e com mais direitos”.

Tal como Marcelo, ministra pede pacto para a Saúde

Ana Paula Martins, e dado as notícias que têm vendo a lume sobre cortes nas despesas no SNS, disse que “o tema não é ter mais dinheiro, mas ter dinheiro para o que é preciso e criar um sistema de saúde mais justo e eficiente, que não dependa do código postal ou da condição económica e social de cada um de nós. Saibam que este caminho é um caminho longo, um caminho que já começámos a traçar, um caminho difícil, mas do qual não abdicamos”. Acrescentando: “Um caminho onde temos de encontrar o que nos une e aí centrar a nossa atenção. Discutir aquilo que nos separa poderá constituir uma importante fonte de picardia política, mas dificilmente se servirá aos portugueses”.

Mas acabou também por fazer suas as palavras do Presidente da República, proferidas na sessão de comemoração dos 50 anos do Serviço Médico à Periferia, no ISCTE, no dia 30, para que houvesse “um pacto de regime para o SNS”.

“Senhor Presidente, Senhor Vice-Presidente, Senhores Deputados e Deputadas, contamos convosco para construir um sistema de saúde e um Serviço Nacional de Saúde mais justo e eficiente. Contem conosco para vos ouvir e integrar as propostas que contribuam para o desidrato que a todos nos deve unir”.

Sobre o orçamento, a ministra diz ainda que “não queremos gastar mais e gastar pior, queremos gastar o necessário e gastar melhor para que nada falte a todos. E sobretudo, deixarmos de uma vez por todas de dizer que temos um SNS subfinanciado e suborçamentado”.

Ana Paula Martins referiu ainda ter a “certeza de que todos têm um papel neste caminho. Os médicos, os enfermeiros, os administradores, os técnicos e todos os profissionais de saúde. Como tenho a certeza que também os políticos têm um papel relevante nesta travessia comum”.

E aos cidadãos disse também que têm igualmente “uma importante palavra a dizer. A nossa obrigação é dar melhor saúde e melhor combater a doença para todos os utilizadores do sistema de saúde do qual o SNS é a espinha dorsal. Dos cuidados primários aos cuidados paliativos, dos cuidados hospitalares aos continuados. Todos têm um papel que deve conhecer e que deve ser conhecido. Público, privado e social devem ter um papel bem claro porque todos são necessários. O caminho de mudança que todos temos pela frente é longo e complexo”.

A ministra reconheceu que é um “caminho das pedras”, mas que “estamos dispostos para ouvir com humildade e agir em conformidade. Mas não estamos dispostos a alinharem exigências que levem o sistema de saúde e o SNS a um caminho sem saída e sem sustentabilidade”.

SNS fez 10,7 milhões de consultas até agora e duas mil cirurgias por dia

Depois desta declaração a ministra voltou-se então para o orçamento e para os números e começou por fazer um retrato da atividade. “Nos primeiros seis meses deste ano de 2025, o SNS fez 10,7 milhões de consultas hospitalares, 40 mil por dia, um aumento de 3,8% face ao mesmo período em 2024. 258 mil consultas psicologia, mais 11,6% face ao mesmo período em 2024. Mais cirurgias com um incremento de 4,6% face ao mesmo período, 2 mil cirurgias por dia. O impacto mais significativo foi observado na cirurgia oncológica, tendo-se realizado cerca de 52 mil cirurgias em 2025”.

Sobre as listas de espera, referidas esta semana num relatório da Entidade Reguladora da Saúde (ERS), nomeadamente na área oncológica a ministra esclareceu que “entre 18 de maio de 2024 e 21 de junho de 2024, 7.465 doentes oncológicos aguardavam por cirurgia. Destes, 2.143 estavam acima do tempo máximo de resposta garantido e foram operados até o final de agosto no âmbito do OncoStop”.

Nos meses seguintes, “a produção de cirurgias em doentes oncológicos aumentou e tivemos sempre maior aumento proporcional da resposta do que o aumento proporcional de entrada em lista de espera”, garantiu, mas confirmando que final de setembro de 2025 havia de facto 9.794 doentes em lista de espera, sendo 2.400 doentes acima do tempo máximo de resposta garantido”.

Mas questionou de “onde são estes doentes? Onde estão? Por que temos esta lista? Como a vamos resolver?”, respondendo que estes doentes estão “essencialmente concentrados nos três IPOs”, que são as unidades que “têm os casos mais complexos” e onde “a lista de espera é muito dinâmica”, porque todos os dias surgem casos de maior gravidade.

A verdade, sublinhou, é que “todas as unidades têm mais cirurgias feitas em 2025 do que em 2024, a mediana do tempo de espera desceu em quase todos os tipos de tumor, contudo a procura é significativamente maior nos três IPOs”, dizendo mesmo que “sabemos como melhorar a situação. O novo edifício do IPO de Lisboa, projetado há mais de 20 anos e que agora vai finalmente sair do papel, que aumenta a capacidade de bloco cirúrgico em 20 ou 35%, o aumento de três novas salas de cirurgia de ambulatório no IPO do Porto, o alargamento do internamento, a conclusão da empreitada, a requalificação do edifício de cirurgia e hemangiologia do IPO de Coimbra, que aumenta a capacidade em 32%”.

A ministra abordou a questão das grávidas e os partos extraspitalares”, dizendo que, entre 2022 e 2025, nasceram fora do hospital, ambulância, via pública, cuidados primários e domicílio, respectivamente, 169 crianças em 2022, 173 em 2023, 189 em 2024 e 154 crianças em 2025. Dizendo que hoje já se sabe “quem são estas grávidas e o que aconteceu. E posso assegurar-vos que, maioritariamente, são grávidas que nunca foram seguidas durante a gravidez, que não têm médico de família, grávidas recém-chegadas a Portugal, com gravidezes adiantadas, que não têm dinheiro para ir ao privado, grávidas que algumas vezes nem falam português, que não foram preparadas para chamar o socorro, por vezes nem telemóvel têm”.

Sobre a atividade da Linha SNS 24, referiu que este ano já foram atendidas mais de 104 mil chamadas, com um tempo médio de espera de cerca de 3 minutos, sendo que 73% das chamadas foram atendidas em 2 minutos. Continuamos com constrangimentos marcados às segundas-feiras, tal como acontece em todas as urgências do país e as causas são conhecidas”.

Por fim, a ministra voltou a reforçar que o Orçamento de 2026 tem a “marca de uma transição de um ciclo de expansão, entre 2021 e 2025, para uma fase de recalibração da despesa, com foco na eficiência e sustentabilidade. Em conjunto com o Ministério das Finanças, será feito um esforço significativo em 2026 para a revisão e qualificação da despesa em diversas áreas, com vista a obter ganhos de eficiência”.

Mas para tal são necessárias “reformas institucionais, melhor integração de cuidados, desenvolvimento do papel da direção executiva, a utilização da contabilidade analítica e outras medidas que certamente durante este debate poderemos clarificar. Pretende-se atrair e reter profissionais do SNS, reduzindo a necessidade e dependência de médicos-tarefeiros. Porque um Serviço de Saúde não pode depender do trabalho à tarefa”, sublinhou.

Deputados quiseram saber sobre tarefeiros, medicamentos, PPP e reforço de recursos

Mais de uma hora depois do início da sua declaração, pelas 17:00, a ministra continua a ser interrogada pelos deputados do PS, que consideraram que as suas explicações para resolver os problemas do SNS eram insuficientes. A deputada Sofia Andrade questionou a ministra sobre o que quer fazer, de facto, com o INEM.

Questionada pela deputada da IL, Joana Cordeiro, sobre as orientações que terão sido dadas aos administradores dos hospitais a ministra negou terem sido dadas quaisquer indicações para cortes na atividade assistencial, o que acontece é que este orçamento “é diferente na leitura dos números”. Paulo Muacho, deputado do Livre, acabou por questionar a ministra sobre como, afinal, este orçamento vai garantir que os profissionais que ainda estão no SNS não o vão abandonar.

À pergunta sobre a aplicação do Plano de Emergência e Transformação de Saúde, Ana Paula Martins referiu que 63% das medidas já foram concluídas e que espera que o objetivo de dar um médico ao maior número de utentes seja possível através, nomeadamente, de convenções com médicos de família, fora do sistema, embora tenha uma "preocupação", que é o facto de muitos jovens médicos "não querem sequer fazer esta especialidade".

A deputada do PCP, Paula Santos, questionou a ministra sobre a previsão de contratação de profissionais para 2026, realçando a criação das urgências regionais e se vai mesmo "obrigar" e deslocar "à força" os profissionais para que estes vão trabalhar numa unidade que é a sua. A deputada quis ainda saber como vai de facto fazer a redução da despesa, criticando também o processo de negociação, que tem sido mais de "imposição". A deputada do BE, Mariana Mortágua, disse à ministra que o OE para a Saúde não explica onde se pode de facto fazer redução da despesa, explicando que este orçamento ou está suborçamentado ou vai ser feito à custa de um verdadeiro corte na despesa. Inês Sousa Real, do PAN, perguntou à ministra se estaria disposta a acompanhar as preocupações do PAN em relação à crise que vive a especialidade de Medicina Interna, que é basilar em qualquer hospital, e aceitar um projeto de financiamento para bolsas de forma a incentivar os jovens médicos a seguirem esta formação.

Nas suas respostas aos deputados, a ministra acabou por dizer que espera fazer uma poupança de cerca de 100 milhões de euros com a regulação do trabalho tarefeiro e que não têm faltado medicamentos para determinados doentes crónicos desde que chegou ao governo.

Na sua ronda de questões, a ministra preferiu dar a palavra à sua equipa, nomeadamente à secretária de Estado d Saúde, Ana Povo, para explicar aos deputados que este orçamento tem de facto uma rubrica para a área da prevenção da doença e promoção da saúde, trata-se de 1% do bolo total do orçamento, 176 milhões de euros.

Ana Povo disse ainda que estão a ser tomadas medidas neste sentido, como um protocolo para gestão do tratamento da obesidade. A governante explicou ainda que relativamente ao mês que agora termina, Outubro Rosa, ter sido este Governo que alargou o rastreio do cancro da mama às mulheres com 45 anos, que era uma diretriz da UE e que foi aplicada com dois anos de atraso.

O secretário de Estado da Gestão da Saúde, Francisco Rocha Gonçalves, começou por dizer que o projeto do hospital do Seixal continua a ser analisado. Sobre a Linha SNS24 Grávida o governante explicou à deputada do PS que esta linha tem de facto enfermeiros especialistas não só em ginecologia-obstetrícia, mas também em Pediatria. Anunciou ainda que o contingente de enfermeiros a trabalhar nesta linha vai ser reforçado até ao final do ano, havendo 500 enfermeiros a fazerem formação para se juntarem aos 3500 profissionais que já ali trabalham e fazer frente à época que se aproxima.

Referindo ainda em relação aos recursos humanos que está previsto neste orçamento para 2026 um aumento de 10% em pessoal que deverão ser integrados nos quadros das unidades. Sobre o Hospital de Todos-os-Santos, na zona Oriental de Lisboa, o secretário de Estado explicou que 40% do custo da obra está a cargo do PRR.

No final, a ministra da Saúde disse à deputada do PCP não perceber o alvoroço que existe em relação à criação da urgência regional, referindo que no Porto existe uma urgência metropolitana que funciona. Votando a reforçar que não houve quatro presidentes do INEM. No seu mandato, houve Luís Meira, que se demitiu, e depois Sérgio Janeiro, em regime de substituição.

A deputada do PS, Mariana Vieira da Silva, insistiu com a ministra para que explicasse de facto como vai ser feita a poupança referida no OE, já que, durante toda a audição nada disse sobre a estratégia que vai ser seguida, e como vai ser possível os hospitais gerirem com mais autonomia se em outubro estas unidades não têm sequer os seus planos de encargos para 2025 aprovados.

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