Marcelo Rebelo de Sousa com o cardeal Pietro Parolin (dta.)
Marcelo Rebelo de Sousa com o cardeal Pietro Parolin (dta.)JOSE SENA GOULAO / Lusa

Marcelo: É tempo de reafirmar a esperança, por palavras e ainda mais por atos

Presidente da República falava perante o cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado do Papa Leão XIV.
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O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, considerou este sábado, 13 de setembro, que “é tempo de reafirmar a esperança, por palavras e ainda mais por atos”, num mundo de guerras, “extermínios, exclusões e egoísmos”, apelando à tolerância.

“É tempo de reafirmar a esperança, por palavras e mais ainda por atos, por gestos comunitários de fé, pela prática intemerata da caridade, do amor partilhado, da doação aos outros, do respeito dos seus direitos e deveres, da sua diferença, do seu pluralismo, da sua proximidade, da justiça, do diálogo, da tolerância e da paz”, defendeu Marcelo Rebelo de Sousa, que falava num encontro do Jubileu do “Compromisso com a Cidade”, organizado pelo Patriarcado de Lisboa, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.

Numa intervenção perante o cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado do Papa Leão XIV, o chefe de Estado português salientou que a esperança é essencial em “tempos de desesperança”.

“De guerras, de extermínios, de misérias - nos corpos e nos espíritos -, de explorações, de sujeições, de dependências, de exclusões, de esquecimentos, de egoísmos, de transação de valores e princípios, de espezinhar, aos milhões e milhões, dignidade de pessoas, de grupos, de povos, de nações, de regiões, de partes de continentes, banhados por todos os oceanos”, salientou.

Marcelo Rebelo de Sousa continuou, advertindo que se vivem tempos “em que as alegadas razões dos poderes, dos apetites, das vanglórias, valem muito mais do que o poder da razão”.

O chefe de Estado defendeu que o sentimento de esperança deve ser “para todos”, sobretudo “para a maioria esmagadora dos desesperançados e até para os pouquíssimos que se auto concentram na sua esperança de privilegiados”.

“Homens, mulheres, grupos, classes, ideais, credos, nações, que se consideram os únicos eleitos, monopolistas do poder, do conhecimento, da posse da natureza, da dominação sobre os demais”, criticou.

Marcelo pediu esperança “com fé, a fé das religiões, das igrejas, das orações”, mas também “a fé das filosofias, dos diversos humanismos e personalismos, das comunidades e das preces dos não crentes”.

O chefe de Estado prosseguiu, apelando a uma esperança “com caridade, ou seja, com amor, com serviço, com doação, com partilha com todos”, especialmente “com os que nasceram e sobrevivem onde não há sol, nem luz, nem vida possível, nem alimento, nem teto, nem cuidado de saúde, nem educação, nem trabalho, nem presente, nem futuro”.

“Esperança, fé e amor nos que têm família, nos que a têm repartida, longínqua, dilacerada, naqueles que só conhecem a morte, a fome, a odisseia sem horizonte”, acrescentou.

Marcelo salientou que estas pessoas “não conhecem, nunca conhecerão a esperança da geopolítica dos senhores do mundo, nem dos donos das galáxias, ou dos satélites, ou das plataformas mais avançadas, nem daqueles que confundem a vida nessas suas galáxias com o solo desta terra e dos que a pisam, dia após dia, em busca de amanhã que nunca conhecerão”.

“Esperança apesar de tudo isto, esperança contra tudo isto, esperança sem medo, com compromisso constante, determinado, sempre renovado e aprofundando a paz, a justiça, a proximidade e, portanto, a verdade e o bem comum”, sustentou.

Pietro Parolin: "É necessário prevenir as causas do conflito"

O secretário de Estado do Vaticano criticou, por sua vez, que quem defende a paz mundial e mantém “lógicas de guerra”, e defendeu a resolução das causas dos conflitos e a “luta contra a indiferença” que existe.

O cardeal Pietro Parolin recordou que a prioridade da organização “é a evangelização, acompanhada da promoção integral da pessoa humana, que inclui o serviço da caridade e da educação”, e a “intenção de promover um conceito de paz baseado em relações justas”.

Mas “a visão de paz proposta pela Santa Sé vai além da que é delineada pelo direito internacional contemporâneo: acreditamos que nenhum compromisso com a paz — nem mesmo diplomático — pode ser autêntico se mantiver, mesmo implicitamente, ligações com a lógica da guerra”, disse o chefe da diplomacia do Vaticano.

“Promover a paz”, salientou, “não se limita a garantir os sistemas de segurança ou a cumprir as suas obrigações: é também necessário prevenir as causas do conflito e eliminar as tensões culturais, sociais, étnicas e religiosas que podem reacender violência”.

Na cerimónia, na Fundação Calouste Gulbenkian, o cardeal italiano defendeu também a “caridade” em relação ao próximo em vez da “indiferença”, que constitui uma “atitude típica do mundo ocidental”, que funciona como “uma espécie de anestésico perante os problemas”.

“Somos inundados por um fluxo constante de notícias que nos liga virtualmente ao mundo inteiro e nos mostra o sofrimento dos [que estão] sem-abrigo, das vítimas da guerra forçadas a emigrar, dos desempregados, dos mais vulneráveis e daqueles que perderam toda a esperança”, explicou, considerando que se assiste ao “fenómeno da globalização da indiferença".

Esta indiferença “atua como uma casca protetora que nos permite seguir em frente sem abordar diretamente as tragédias dos outros, considerando-as distantes e fora do nosso controlo”, exemplificou, o que traz o “risco de adormecer a nossa consciência e de nos despojar da nossa humanidade”.

Nessa lógica, “a paz torna-se um problema de outrem, dos poderosos e de quem governa, enquanto que, para os indiferentes, permanece apenas uma utopia”.

Por isso, é “urgente quebrar este ciclo de egoísmo e passividade, passando das teorias abstratas para as experiências concretas de paz, por mais difíceis que sejam”.

“Precisamos de uma nova agenda internacional que coloque a pessoa no centro, com um compromisso real e pessoal com a paz”, acrescentou o cardeal.

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