Como é que apareceu a ideia de fazer este livro?Sou autarca em Lisboa desde 2009, na Assembleia de Freguesia da Penha de França, de que fui presidente, deputado municipal no mandato seguinte, em 2013, e desde então estou na Assembleia Municipal, motivo pelo qual, a dada altura, vendo os sucessivos presidentes de Câmara a passar, tendo tido a oportunidade de trabalhar com um deles [Pedro Santana Lopes], também quando foi provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, e conhecendo o João Soares de outros carnavais, do partido e da amizade que teve com o meu pai, comecei a pensar: será que as pessoas sabem como é a vida deles? O que implica? Fala-se muito do afastamento dos políticos e dos eleitores, e achei que era interessante que se pudesse dar uma visão da vida de um presidente de Câmara de Lisboa, e acima de tudo, que se pudesse outra coisa, à qual estou sempre a apelar: conseguirmos falar com toda a gente, independentemente de não defendermos todos o mesmo.Deixa bem claro na introdução do livro que é um eleito do PS.O grande propósito é ter uma visão daquilo que é um Presidente de Câmara, mas sem esquecermos que cada um deles, querendo o melhor para a cidade, tem formas diferentes de alcançar esse bem, com projetos políticos e visões políticas diferentes para a cidade. Mas isso não deve ser impeditivo de dialogarem, pois nas entrevistas eles confirmam aquilo que uns e outros vão dizendo. João Soares diz que fala com Carlos Moedas, e Carlos Moedas diz que almoça frequentes vezes com o João Soares. Falaram sobre aquilo que fizeram, aquilo que mais os marcou, e não tiveram a preocupação de acertar contas. A ideia principal foi como criaram obra, algo que possa ficar para o futuro, tentando dizer às pessoas que os políticos podem ser amigos, no sentido em que se dão uns com os outros. Não precisam de ir a casa uns dos outros, mas podem ter uma conversa franca, leal, e mesmo assim defenderem coisas diferentes para a sociedade.Não é um grande exagero dizer que ser Presidente da Câmara de Lisboa é, a certo momento, ser a segunda, a terceira ou a quarta pessoa mais importante de Portugal.Não, não é. Aliás, fiquei a saber que se um chefe de Estado vier a Portugal, e não for recebido na Câmara de Lisboa, não é uma visita de Estado. Se amanhã o Donald Trump - Deus nos livre e guarde - vier a Portugal, e não for recebido na Câmara de Lisboa, não é uma visita de Estado. Só isso revela a importância que o Estado confere à Câmara.Dois dos Presidentes da Câmara de Lisboa foram depois primeiros-ministros, e um foi Presidente da República. Entre aqueles com que falou, e entre aqueles com que não pôde falar, acha que alguns sentem mais que ocuparam uma cadeira de sonho enquanto estiveram à frente da capital do que outros?Não. Fico com a sensação de que todos gostaram daquilo que fizeram aqui, e têm mágoas por aquilo que não conseguiram fazer. Foi um momento marcante da vida deles, se não o mais marcante. Mas obviamente que alguns têm projetos políticos em curso.Na primeira entrevista do livro, a João Soares, ele recorda que Mário Soares e Salgado Zenha candidataram Aquilino Ribeiro Machado, enquanto Sá Carneiro e Freitas do Amaral optaram por Krus Abecassis. Portanto, juristas escolheram engenheiros. O cargo de presidente da Câmara de Lisboa aconselha um engenheiro?Eram tempos diferentes. Depois disso, houve Jorge Sampaio, João Soares, Santana Lopes e António Costa, mas de facto anda muito entre juristas e engenheiros. Com Carmona Rodrigues e Carlos Moedas está equilibrado. E Fernando Medina vem desempatar. Mas julgo que o fazer é um propósito de todos. Aquando das escolhas de Abecassis e de Aquilino Ribeiro Machado, estávamos num período de consolidação da democracia. A visão das autarquias ainda não era a que existe hoje. Evoluímos muito nestes 50 anos, tal como as autarquias e as cidades. E diria que é tão importante a preparação do Presidente da Câmara como da equipa que o rodeia e daquela que não se vê, incluindo assessores, consultores e os próprios funcionários municipais, que transitam de mandato para mandato. Há gente que está na Câmara de Lisboa há dezenas de anos, e por isso também vemos uma linha de continuidade. Há aqui 10 mil almas que mantêm a cidade a funcionar. Com mais ênfase numa ou noutra área, com uma orientação política mais de um lado, ou mais para o outro, mas que são os trabalhadores que garantem - a expressão tem uma conotação filosófica-política, mas não é essa que quero dar - a mão invisível que mantém a Câmara de Lisboa a funcionar.Tal como se poderá dizer que há uma gestão autárquica de direita e uma gestão autárquica de esquerda, existe uma gestão autárquica de jurista e uma gestão autárquica de engenheiro?Cada vez mais há uma gestão autárquica de pessoas, e isso também é focado no livro. As pessoas votam cada vez mais em pessoas e nos projetos que são apresentados. Além dos três presidentes da Câmara de Lisboa que já faleceram (Aquilino Ribeiro Machado, Krus Abecassis e Jorge Sampaio), também não entrevistou António Costa e Fernando Medina. Porquê?Não foi por falta de tentativa, nem de convite. Houve indisponibilidade de António Costa e Fernando Medina, que na altura eram primeiro-ministro e ministro das Finanças. Julgo que a indisponibilidade teve a ver com isso, mas só eles poderão dar uma resposta mais completa. Encontrámos uma fórmula que me parece feliz, com a entrada de Simonetta Luz Afonso, que foi presidente da Assembleia Municipal nos mandatos de António Costa, e de Helena Roseta, vereadora de Costa e presidente da Assembleia Municipal com Fernando Medina. Permitiram que, por um lado, o livro tivesse uma visão feminina, complementada com a atual Presidente da Assembleia Municipal, Rosário Farmhouse, e abordar os mandatos de António Costa e Fernando Medina, se calhar de uma forma mais elogiosa do que se fossem os próprios a falar.Qual é a pergunta que mais gostaria de ter feito a qualquer um dos cinco presidentes que não pôde entrevistar?Tenho como ídolo autárquico Jorge Sampaio. Aquilo que ele fez em Lisboa foi muito importante para a cidade e para o país. Se calhar, gostaria de perguntar a Sampaio como é que ele via a Lisboa em que vivemos hoje. Foi um homem de visão e um moderado de esquerda, um grande autarca e excelente político, reconhecido internacionalmente. Julgo que hoje em dia seria um excelente conselheiro e faz falta às conversas que os presidentes de Câmara têm entre si. Os conselhos dele fazem falta e, tal como os outros ajudam, ele ajudaria ainda mais.E qual foi a resposta que o surpreendeu mais?Houve várias. Não sabia que tinha havido uma conversa entre Santana Lopes e Jorge Sampaio sobre o veto ao Casino de Lisboa no Parque Mayer, que é uma história fantástica, da mesma maneira que não sabia a história de João Soares e de Jorge Sampaio na escolha de candidato à Câmara. Aprendi muito a fazer este livro e fiquei a admirar ainda mais aquelas pessoas. Quando Carmona Rodrigues conta como voltou à Câmara, penso que transparece no livro a emoção com que fala, tal como se percebe que Carlos Moedas quer ser lembrado como um fazedor, com a sua ideia de ter a Linha de Cascais enterrada. Na altura em que fizemos a entrevista estávamos a meio do mandato dele, agora estamos a poucos meses das eleições, e nitidamente para aquela obra acontecer ele está a contar voltar a ser eleito Presidente da Câmara de Lisboa.Até hoje, nunca uma mulher foi Presidente da Câmara de Lisboa, mas a oportunidade coloca-se agora à sua camarada de partido Alexandra Leitão. O que é que ela deve aprender com este livro?É uma mulher reconhecidamente muito inteligente. Não ouso sequer tentar influenciar ou aconselhar o que for, seja neste ou naquele ponto. Só o facto de ela poder ler o livro, e considerar que há alguma coisa que retire dali que possa ser positiva para a sua campanha, ou para a sua forma de estar em exercício de funções, deixa-me obviamente satisfeito.Consegue explicar que ainda não tenha havido nenhuma mulher a ser eleita Presidente da Câmara de Lisboa?Também só tivemos Maria de Lourdes Pintasilgo como primeira-ministra e nunca tivemos uma Presidente da República, nem uma candidata com hipótese de vencer. Se formos ver hoje, na Área Metropolitana de Lisboa quantas mulheres Presidentes de Câmara é que temos? A Inês de Medeiros, mas já não há a Carla Tavares, já não há a Maria de Luz Rosinha e já não há a Susana Amador. É um problema geral e não um problema de Lisboa?Nesse aspeto, o PS tem vindo ao longo dos anos a introduzir na metodologia, e até na legislação, a obrigatoriedade do cumprimento de quotas. No futuro, acho que a exigência de um terço de representantes de cada sexo vai beneficiar os homens. Nas universidades há muito mais mulheres e, portanto, no futuro as pessoas mais qualificadas serão necessariamente mulheres.Vai ter um grande peso do centro-direita na sessão de lançamento. Acha que vai haver alguma leitura política disso?Pelas confirmações que tenho recebido estarão vários amigos do centro-direita, do centro-esquerda e do centro-centro, mais à esquerda e mais à direita. Vejo-me como social-democrata, ou seja, defendo a social-democracia dos países do Norte da Europa. Foi assim que sempre me identifiquei, como uma pessoa moderada, que consegue falar à esquerda, falar à direita e falar ao centro. O PS sempre foi um partido com várias facções, mas aquilo que não pode ser é um partido de facciosos. Temos de combater o extremismo à direita e à esquerda, e o facciosismo também tem que ser combatido dentro do próprio partido. Não há forma de evitar os extremismos, a não ser governando para o interesse das pessoas, apresentando projetos e propostas concretas. Não podemos, pura e simplesmente, centrar-nos em nós e combatermo-nos internamente, pois temos de ser um sinal de esperança para os portugueses.Se daqui a 15 anos fizer uma edição revista deste livro acha que terá de entrevistar presidentes da Câmara de Lisboa de extrema-direita ou de extrema-esquerda?Acho que não, porque somos um povo que consegue identificar que é no centro do espetro político, sem extremismos, que conseguimos resolver os problemas das pessoas, sem deixar ninguém para trás e sem deixar ninguém de fora. O centro não vai agradar a todos, seguramente, mas é mais consensual e abrangente. Questões como a Operação Tutti Frutti são um passo no caminho de poder vir a haver outras soluções para Lisboa?São, com certeza, mas no sentido inverso desse processo também há um conjunto de pessoas que fazem o bem para Lisboa e dedicam a vida a Lisboa, independentemente dos partidos e que, mesmo depois de já não estarem em funções, se dedicam a falar com quem, na altura, era líder da bancada do PS na Assembleia Municipal. Que o Presidente da Câmara se disponibilize a falar com o líder da bancada da oposição, numa entrevista para falar do seu dia-a-dia, deve ser um sinal de esperança para as pessoas, de que não são todos iguais e que também estão aqui a lutar pela cidade, percebendo que têm divergências.