É a primeira vez em democracia que como líder da oposição não está PS ou PSD, com esse lugar nesta legislatura reservado ao Chega.
É a primeira vez em democracia que como líder da oposição não está PS ou PSD, com esse lugar nesta legislatura reservado ao Chega.Foto: Gerardo Santos

Início da legislatura “calmo”, com o Chega em “estado de graça” e PS em “renovação”

O DN conversou com os politólogos Paula do Espírito Santo, Riccardo Marchi e Marco Lisi sobre o começo dos trabalhos parlamentares, previsto para esta terça-feira, com um hemiciclo virado à direita.
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A Conferência de Líderes já apontou a possibilidade de a 1.ª reunião plenária da XVII Legislatura acontecer esta terça-feira (3). O primeiro-ministro, Luís Montenegro, entretanto indigitado, deverá escolher o seu Executivo nos próximos dias, tal como prometera logo após a reunião com o Presidente da República. Entretanto, o regular percurso democrático acontece, mas com uma configuração diferente no hemiciclo, agora com dois terços virados à direita, com a AD com 91 deputados, sem uma maioria absoluta, e com o Chega como segundo partido com maior número de mandatos (60). Mas o início dos trabalhos parlamentares adivinha-se “muito calmo”, pelo menos segundo o que o investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE Riccardo Marchi explicou ao DN.

“Os partidos, principalmente de centro-direita, devem estar a discutir entre eles, para prepararem o começo da legislatura da forma mais tranquila possível”, antevê o politólogo, recordando que a “distribuição dos lugares institucionais a que os partidos mais votados têm direito, desde a presidência da Assembleia da República às vice-presidências”, está prestes a começar.

Mas as conversações nesse sentido já devem ter tido lugar, precisamente para “evitar a crise que aconteceu da última vez”.

“Ninguém tem interesse em repetir uma crise como a eleição de Aguiar-Branco”, continua Riccardo Marchi, sustentando esta observação nos “discursos claros” que o líder do Chega, André Ventura, fez depois de conversar com Marcelo Rebelo de Sousa e quando celebrou a vitória do partido nos círculos da Europa e de Fora da Europa.

Nesses momentos, explica o investigador, Ventura transmitiu a ideia de que o Chega “será uma oposição dura, sim, mas responsável”. Portanto, por agora, não há, por parte do Chega, nenhum interesse “em pôr em crise o Governo”, optando por “capitalizar a vitória estrondosa que teve em comparação com o PS”, e, por esta via, “encostar cada vez mais a AD ao PS, para mostrar que os socialistas são a muleta dos sociais-democratas”.

Tendo em conta o momento pelo qual o partido de André Ventura está a passar, Riccardo Marchi diz que o Chega, além de “manter a posição de controlo”, e de “averiguação” perante o Governo, deverá “levar à frente as suas bandeiras, mas sem fazer aquele circo” a que habituou o país, “porque se abriu claramente uma segunda fase para o partido”, com ambições de governação.

“Portanto, neste quadro, não estou a ver que ele queira logo entrar a matar no princípio da legislatura”, vaticina Riccardo Marchi, elevando a fasquia institucional do partido ao ponto de ver o Chega a não se opor ao candidato do PS para vice-presidente do Parlamento, porque “também o PS tem direito às suas vice-presidências”.

Neste plano, garante Riccardo Marchi, o Chega não tem vantagem nenhuma em criar obstáculos. “Se não vai ser maltratado, não há lógica nenhuma que o leve a travar estes primeiros apontamentos institucionais”, conclui o politólogo.

Também a professora de Sociologia Política Paula do Espírito Santo, com base nas declarações recentes de André Ventura, considera que o arranque da legislatura será calmo, mas com uma outra possibilidade de leitura: “Nós ainda estamos apenas a observar a retórica”, no entanto, também é necessário ver “a prática da política para se perceber exatamente o que é que o Chega poderá apresentar do ponto de vista da sua relação com os vários momentos”, a começar pela eleição do presidente da Assembleia da República.

Por agora, continua a politóloga, o Chega “está numa posição confortável, porque passou a ser líder da oposição”, o que faz com que se esteja a assistir a “um ajustamento” do partido, por estar agora numa posição que “não obriga tanto a esgrimir argumentos nos termos em que o fazia, com recurso ao insulto”.

A “responsabilidade” agora assumida pelo Chega, sustenta Paula do Espírito Santo, é um dos aspetos evocados por André Ventura quando diz “que vai contribuir” para a estabilidade.

“Eu creio que ainda é cedo para conseguirmos avalizar e tirar alguma conclusão, porque neste momento é o momento de euforia, é o momento de estado de graça, porque o Chega alcançou aquilo que rapidamente não se esperava que alcançasse”, conclui.

Perspetivas de fragilidade

Para Paula do Espírito Santo, os 58 mandatos a que o PS ficou reduzido nas eleições de 18 de maio, podem ser interpretados “de formas diferentes, tendo em conta que, em termos numéricos, no resultado, o PS até ficou à frente do Chega”.

Contudo, a investigadora não deixa de apontar o “golpe importante” sofrido pelo partido, que perdeu peso parlamentar também “porque, à sua direita, havia um movimento ascendente que foi transversal em termos de canalizar o descontentamento e canalizar votos, que é o Chega”.

Como outra perspetiva sobre o que terá conduzido a este resultado para os socialistas, Paula do Espírito Santo sugere que a liderança do partido, “em si, pode não ter sido tão atrativa ou pode não ter sido suficiente para trazer mais votantes e maior confiabilidade”. De qualquer modo, este ambiente político, continua a politóloga, cria “uma forma nova do partido ter de se posicionar num contexto de maior competitividade, em que o segundo lugar ou o primeiro estavam longe, afinal, de estar assegurados”.

Nesta oportunidade de renovação interna, explica a professora, o partido tem de “preparar a eleição para o próximo secretário-geral, mas sobretudo também as eleições autárquicas para o partido ter o primeiro grande teste, agora, após este desaire eleitoral, para se perceber exatamente o que é que está a acontecer”.

Aqui, Paula do Espírito Santo sugere que o resultado do PS pode ser “uma tendência que é passageira, que é conjuntural, que tem a ver com uma liderança, ou não”, podendo estar relacionada com uma “tendência decrescente”.

“Aí, nesse caso, se calhar é importante que o partido também reveja aquilo que pretende fazer, do ponto de vista de gerar novamente confiança junto dos eleitores”, propõe.

Reflexão programática no PS

Partindo da evidência de que “o PS está agora numa fase difícil”, o professor associado do Departamento de Estudos Políticos da FCSH, da Universidade Nova de Lisboa, Marco Lisi diz ao DN que os socialistas “têm de fazer uma reflexão programática”, com o objetivo de “encontrar uma nova agenda, que dê uma nova visão para o futuro, que seja alternativa à do PSD”.

Tudo isto deverá acontecer num contexto de “alguma pressão externa, por causa da competição eleitoral, sobretudo nas autárquicas”, lembra Marco Lisi, antevendo que “é expectável que o partido agora esteja num dilema entre fazer oposição e, por outro lado, tentar cooperar com o PSD, para manter a relevância institucional e não deixar o Chega como o principal partido da oposição”.

Mas a estratégia do PS, sustenta o professor, também vai depender do novo secretário-geral do partido e da atitude que tiver perante os temas que considerar fundamentais.

No meio disto tudo, o PS enfrenta também uma AD que surge com uma “posição mais confortável do que tinha antes das eleições, porque saiu reforçada”, analisa o politólogo.

No entanto, para Marco Lisi, os trabalhos parlamentares podem trazer também uma AD que faça “o papel de vítima, ou seja, se tiver problemas em termos de governação, dizer que são sempre os outros partidos que não deixam governar”.

Porém, com o resultado eleitoral que teve, a coligação liderada por Luís Montenegro aparece agora com uma “maior legitimidade”, explica o professor, que lhe permitirá fazer alianças estratégicas “quer com o PS, quer com o Chega”.

“O facto de não fechar completamente a porta ao Chega e ter do lado, do ponto de vista do PS, à sua esquerda, um adversário muito mais fraco, isso dá-lhe uma posição negocial, à partida, mais confortável”, remata o professor.

O resto da esquerda e a IL

Voltando a análise para os partidos à esquerda do PS, onde só o Livre conseguiu subir o grupo parlamentar, de quatro para seis deputados, Marco Lisi diz que este “equilíbrio muito desfavorável” terá de conduzir a esquerda, “como um todo”, à capacidade de construir “alianças estratégicas pontuais, quer nas autárquicas, quer nas presidenciais, porque senão não tem qualquer hipótese de poder ter um resultado positivo”.

“A longo prazo”, propõe o politólogo, a esquerda “tem de pensar no que é que correu mal e como é que pode ser reformulada a mensagem para determinados setores sociais que abandonaram estes partidos”, incluindo o PS.

“Estou a falar sobretudo no caso dos jovens, das classes trabalhadoras mais baixas, que votaram de uma forma bastante maciça no Chega, mas que têm um menor nível de Educação. Portanto, a esquerda está a ficar cada vez mais uma força política elitista, que está a falar apenas às classes mais altas e mais educadas”, analisa Marco Lisi, enquanto propõe que a esquerda recupere “uma mensagem que possa mobilizar esses grupos eleitorais, que tradicionalmente têm sido a força” destes partidos.

Em relação à IL, que também atravessa uma alteração na liderança, depois de Rui Rocha renunciar ao cargo de presidente, no final da semana passada, de acordo com Marco Lisi “não serve para nada, porque não é suficiente para fazer maiorias com o AD e não vai ter capacidade de influenciar as políticas”.

“A única questão em que pode tentar ter alguma voz é na revisão constitucional, que sempre foi uma bandeira que defendeu”, remata o professor, apontando, porém, que, mesmo nesse contexto, vai necessitar de um entendimento que terá de partir da AD.

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