O primeiro-ministro Luís Montenegro regressa à Assembleia da República, depois da aprovação do Orçamento do Estado para 2026.
O primeiro-ministro Luís Montenegro regressa à Assembleia da República, depois da aprovação do Orçamento do Estado para 2026.FOTO: TIAGO PETINGA/LUSA

"Homem" Montenegro defende-se da oposição nas leis laborais e na saúde

Debate quinzenal com o primeiro-ministro, seis dias antes da greve geral, teve críticas do PS a "medidas de natureza imoral" na legislação laboral. E o Chega diagnosticou-lhe "incompetência" na Saúde.
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Num debate quinzenal realizado seis dias antes da greve geral, convocada pelas centrais sindicais CGTP e UGT devido às alterações previstas para a legislação laboral, o primeiro-ministro Luís Montenegro enfrentou críticas da oposição de esquerda, e em particular do PS, às "medidas de natureza imoral" que garantiu não serem nada que não se encontre em países europeus governados por partidos socialistas. Mas também teve o Chega a apontar "incompetência" ao seu Governo no que toca ao Serviço Nacional de Saúde, o que motivou o incidente mais marcante da manhã desta sexta-feira.

"Homem, o que vai fazer para resolver o problema da Saúde em Portugal?", quis saber André Ventura, levando o vice-presidente da Assembleia da República, Marcos Perestrello, que presidiu aos trabalhos na ausência de Aguiar-Branco, a chamar a atenção ao líder do Chega pela "expressão um bocadinho para além do razoável". Assim rematara Ventura uma intervenção centrada na "brutal guerra civil que as nossas urgências enfrentam", alertando para 18 horas de espera no Hospital Amadora-Sintra, para os 1,5 milhões de utentes sem médico de família e para o aumento de 20% no número de cirurgias que excederam o tempo máximo de espera.

O primeiro-ministro relativizou, contextualizou, acusou o líder da maior bancada da oposição e candidato presidencial de não querer ser sério, mas foi para o líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, que reservou os comentários mais ácidos. Perante a reação que veio da bancada socialista ao dizer que havia 390 casos de doentes oncológicos à espera de cirurgia, Montenegro garantiu que "também queria que fossem zero", mas esclareceu que "estão a aguardar agendamento por razões clínicas", acrescentando, de olhos postos em Brilhante Dias, que "é demasiado baixo não respeitar a condição das pessoas que se encontram nessa condição".

Também para Brilhante Dias, mas sobretudo para o secretário-geral do PS, José Luís Carneiro, deixou desejos de bons sonhos com o regresso ao poder, acompanhados pela previsão de que "terão muitos anos na oposição". Montenegro defendeu que os socialistas "caíram na armadilha da CGTP", deixando-se arrastar para "uma greve que não faz sentido", nomeadamente quando o rendimento médio dos trabalhadores portugueses teve a maior subida no conjunto dos países da OCDE, aumentando 6,7% em 2024, e a maioria de centro-direita procedeu à quarta descida consecutiva do IRS no espaço de um ano e oito meses de governação.

No que toca à legislação laboral, José Luís Carneiro citou as preocupações dos antigos ministros Silva Peneda e Bagão Félix, realçando tratarem-se de um social-democrata e de um democrata-cristão, com a forma como o processo está a ser gerido pelo Executivo da AD. "Para quê isto quando estamos quase em pleno emprego?", interrogou-se o líder socialista, defendendo que as propostas do Governo contêm "medidas de natureza imoral que não podemos aceitar". Algo que levou o primeiro-ministro a dizer que o rival "cai no exagero" ao considerar que a revisão em curso constitui um retrocesso civilizacional, desafiando-o a verificar o que está em vigor em países europeus governados por partidos da sua cor política.

O secretário-geral do PS também acusou Montenegro de "fazer um Orçamento Retificativo", após ter prometido aos deputados que não aumentaria impostos, mediante a diminuição do desconto no imposto sobre produtos petrolíferos, calculando que isso aumentou a receita fiscal em mais de 200 milhões de euros. Pelas contas de Carneiro, seria o suficiente para o Governo baixar dois pontos percentuais na taxa de IVA sobre os bens alimentares.

O primeiro-ministro respondeu que "não está disponível para andar a leiloar propostas", preferindo "olhar para o edifício fiscal" e decidir "aquilo que é mais justo, economicamente mais sustentável e pode dar mais previsibilidade às pessoas e aos agentes económicos". E não poupou ataques ao PS, garantindo não querer "aventuras fiscais que possam colocar em causa a sustentabilidade das nossas Finanças Públicas".

A mesma argumentação foi seguida pelo primeiro-ministro quando o secretário-geral do PS realçou que, segundo os dados mais recentes da execução orçamental, o saldo positivo da Segurança Social confirma as previsões do seu partido, superando os mil milhões de euros, apesar de o ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, ter apenas "admitido a custo" que poderia ascender aos 400 milhões. Segundo José Luís Carneiro, isso mostra que o Governo "cometeu uma injustiça, também ao lado do Chega, ao não aumentar as pensões mais baixas". Montenegro respondeu que aguardará até ao final deste ano para apurar o verdadeiro valor, mas lembrou que o saldo é aplicado no Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social e não será gasto "numa despesa permanente que possa pôr em perigo essa sustentabilidade".

O debate quinzenal arrancou com uma intervenção do social-democrata Hugo Soares, líder da maior bancada da Assembleia da República, com muitas críticas às centrais sindicais que convocaram a "greve política" que deverá paralisar o país na próxima quinta-feira. E em que procurou desmontar argumentos que o PS "repete todos os dias, como se fosse uma verdade absoluta", contra a revisão da legislação laboral.

Hugo Soares chegou a referir os números das páginas com referências à intenção de avançar com o processo, tanto no Programa Eleitoral como no Programa de Governo da AD. "Esqueçam lá o argumento da legitimidade, porque esse é falso", rematou, afastando também que o timing seja errado, pois "as reformas não se devem fazer em momentos de crise", e que as alterações propostas constituam "uma violência para a proteção parental".

Nada alinhada com o Governo e com o primeiro-ministro nos últimos debates quinzenais, tendo ouvido acusações de radicalismo por parte de Montenegro, a presidente da Iniciativa Liberal, Mariana Leitão, criticou a criação de 80 grupos de trabalho, visto que implica "uma duplicação de funções" e sugeriu que "a reforma do Estado deve começar por serviços" que não funcionem.

Também recordou que a ambição de ter a economia nacional a crescer 3% ao ano, enunciada por Joaquim Miranda Sarmento quando o PSD ainda estava na oposição, está muito distante de ser concretizada. Ao ponto de afirmar que a estagnação está de regresso a Portugal. Em resposta, o primeiro-ministro apelou a que se espere pelo resultado das políticas que o Governo está a implementar, dizendo que o crescimento económico será o resultado do aumento de produtividade e de competitividade que gerará melhores salários.

Já a líder parlamentar e co-porta-voz do Livre, Isabel Mendes Lopes, acusou Luís Montenegro de trazer "instabilidade ao país, às empresas e às empresas" com o anteprojeto de reforma da legislação laboral, reafirmando que as alterações "acentuam ainda mais o preconceito contra as mulheres".

A deputada do Livre defendeu a greve geral de 11 de dezembro, pois o Governo "está a recuar nos direitos dos trabalhadores", antes de desafiar Montenegro a retirar a proposta que está a ser discutida com os parceiros sociais em sede de concertação social. "É o cúmulo da arrogância", respondeu o primeiro-ministro, garantindo que o seu Governo pretende contribuir para uma "economia competitiva, que favoreça os trabalhadores e as empresas". E não tem como objetivo "aumentar a precariedade ou prejudicar os trabalhadores nos horários de trabalho ou nas políticas de parentalidade".

Muito crítico das intenções do Governo foi também o secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, que acusou Luís Montenegro de pretender impor "uma lei à americana", numa lógica de "estás despedido e escusas de cá voltar amanhã". Antes, desafiou o primeiro-ministro a dizer o número de trabalhadores precários existentes em Portugal e, à falta de resposta, disse que existem 2,7 milhões de pessoas "que trabalham em horários desregulados, sem tempo para eles e para as suas famílias".

Em resposta, Montenegro apontou preconceitos ideológicos aos comunistas, realçando que haverá sempre trabalho por turnos e horários diferentes no âmbito de uma economia competitiva. E disse que o discurso de Paulo Raimundo e a forma como encara a reforma laboral "estão datados e revelam a circunstância de alguém que não está a olhar para o futuro", mas sim "para manter tudo na mesma".

Além do recente pacote de medidas para "restabelecer a confiança das famílias e dos proprietários", no que diz respeito à Habitação, o debate quinzenal foi aproveitado pelo líder parlamentar do CDS-PP, Paulo Núncio, para criticar a transmissão de "Sex Symbols - Transgénero" pela RTP2, considerando que o programa televisivo em causa, "claramente direcionado para as crianças, é pura propaganda da ideologia de género".

Núncio anunciou que o seu grupo parlamentar irá propor um voto de protesto pela transmissão desse tipo de programas na televisão pública, querendo saber a opinião sonre a matéria de um primeiro-ministro que "teve a coragem de dizer que queria libertar a educação das amarras ideológicas de facção". Montenegro respondeu, que enquanto cidadão "lamenta profundamente que o programa tenha sido emitido nos termos em que foi".

Entre os deputados únicos, a bloquista Mariana Mortágua retomou uma pergunta de José Luís Carneiro, procurando saber quais são as normas da legislação laboral pretendida pelo Governo que têm a finalidade de adaptar o trabalho à inteligência artificial e às inovações digitais, mas o primeiro-ministro acusou-a de "tentar desviar a atenção do que é importante", dizendo apenas que "todos os artigos vão nesse desígnio", na medida em que consagram a adaptação "às exigências atuais do funcionamento da economia portuguesa".

Por seu lado, Inês de Sousa Real, do PAN, recordou que a maioria de centro-direita recusou a inclusão de medidas de combate à violência doméstica no Orçamento do Estado para 2026, ouvindo de Luís Montenegro que houve um reforço nas verbas para a proteção a crianças vítimas desse tipo de violência. E Filipe Sousa, do Juntos pelo Povo, ficou sem resposta quando pediu ao primeiro-ministro uma opinião sobre os investimentos realizados pelo Governo Regional da Madeira, liderado pelo social-democrata Miguel Albuquerque.

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