A antiga ministra das Finanças e ex-líder do PSD, Manuela Ferreira Leite, criticou hoje a forma como foi feita a redução da dívida pública e do défice na última década, por ter assente em cortes no investimento e nas despesas com saúde e educação. “Não sou favorável a haver défice orçamental. Mas há défices orçamentais que podem ser virtuosos. O que é negativo é a forma como se atinge esse défice. A forma como lá se chega é que é impactante para o futuro de um país”, disse Manuela Ferreira Leite numa conferência sobre o Orçamento do Estado para OE2026 (OE 2026), organizada pela RFF Advogados, que decorre esta segunda-feira no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. “Não é indiferente se o défice for reduzido pelo corte do investimento público, pelo corte de despesas superficiais ou pelo abandono de funções (do Estado)”, precisou, manifestando-se contra medidas que colocam em causa as áreas sociais. “Destruir é fácil. Reconstruir é mais difícil e leva mais tempo”, defendeu. Isso tem um “impacto de tal ordem nas funções sociais que não consigo ver o virtuosismo (de algumas medidas de redução do défice)”, acrescentou. “Se estivesse numa situação de endividamento e tivesse de escolher entre pagar a dívida e alimentar os meus filhos, colocando em causa o seu bem-estar e desenvolvimento físico e intelectual, não teria dúvidas sobre o que teria de fazer”, exemplificou a antiga ministra das Finanças, acrescentando que haveria outras formas de reduzir o défice orçamental e a dívida pública durante a última década. “Era possível reduzir o nível de endividamento e o défice sem destruir os sectores de apoio social altamente importantes e decisivos como é o caso da Educação e da Saúde”, defendeu. Proposta de OE2026 “não tem ruído” e críticas devem-se à “inveja” A ex-líder do PSD elogiou o facto de a proposta de OE2026 não ter o “ruído” que existiu em anos anteriores, por ser um documento mais técnico e menos político. O Governo apostou num documento mais técnico, até para facilitar a aprovação no Parlamento, mas a Oposição tem criticado o que considera ser falta de visão e de estratégia. “Muitas das críticas que se ouvem devem-se à inveja”, disse Ferreira Leite. Admitindo a existência de uma “imensidão de impostos”, referida anteriormente por Rogério Fernandes Ferreira, fundador da RFF, Manuela Ferreira Leite concordou que existe uma carga fiscal pesada em Portugal e notou que os impostos são frequentemente disfarçados com outras designações, por uma questão “psicológica”. “Não existe nenhuma ação mais antipática do que um imposto. Neste contexto, a única forma de arranjar receita é criar coisas que não se sabe muito bem o que são, mas que servem para financiar o Estado”, notou. “Há muita coisa psicológica e social neste disfarce que se faz nos orçamentos do Estado”, disse Ferreira Leite. A antiga ministra defendeu ainda que as críticas à descida do IRC são “completamente fora do contexto atual”. “Estamos numa fase em que, repentinamente, deixou de haver tempo e de haver distâncias. Por isso qual é a pertinência de debater se as empresas devem pagar mais ou menos impostos, uma vez que as empresas podem simplesmente mudar-se para outro país”, afirmou. “As pessoas ainda não assimilaram que o tempo e a distância foram eliminados no nosso raciocínio, não vale a pena discutir certas coisas”, concluiu.