José Sócrates voltou esta terça-feira, 2 de setebro, a tribunal e ia preparado para responder a perguntas sobre o Grupo Lena e a linha de alta velocidade que foi chumbada em 2012 pelo Tribunal de Contas - que a acusação entende que terá motivado uma indemnização à empresa concessionária da obra por influência do antigo primeiro-ministro -, mas o Ministério Público considerou que havia questões por esclarecer desde as sessões anteriores e quis recuperá-las, desde uma conta do antigo governante na Caixa Geral de Depósitos até um jantar em casa de Ricardo Salgado. Sócrates alegou “desonestidade” dos procuradores e fechou-se em copas, mas não sem antes suscitar mais perguntas, que já prometeu esclarecer mais para a frente.Sócrates, numa das intervenções iniciais, afirmou que “o tribunal tem agora uma oportunidade de voltar a pensar no assunto”, motivo pelo qual quis introduzir informações que disse ter sobre o TGV.“A acusação refere uma urdidura entre uma componente política − o Governo − e uma componente administrativa, que era comandada pelo doutor Ribeiro dos Santos”, explicou José Sócrates, criticando a acusação por, “em nenhum momento” referir que o Governo, nessa altura, “demitiu o doutor Ribeiro dos Santos, em dezembro de 2005”.José Luís Ribeiro dos Santos, que Sócrates apresentou como “administrador da alta velocidade”, na altura, foi retirado do cargo pelo Governo, e é um facto que agora o antigo primeiro-ministro diz estar oculto no processo, num ataque velado ao Ministério Público (MP).José Sócrates considera, assim, como um “absurdo” a tese de “manipulação dos ministros e secretário de Estado” no concurso para a linha de alta velocidade na altura, ganha pelo Grupo Lena.Num tom irónico e crítico em simultâneo, Sócrates repetiu parte da acusação, sobre “pagamentos corruptos da empresa Lena” não terem sido “para ganhar o concurso mas para obter uma indemnização”.“Cada um [dos componentes da acusação] é um absurdo”, mas “considerados em conjunto é um perfeito disparate”, disse José Sócrates, o que levou a juíza a admoestar o antigo primeiro-ministro, pedindo-lhe que não tecesse “adjetivações pejorativas”.“Absurdo, sim. Disparate, não”, explicou a juíza.“Deixemos a diferença tão subtil entre o absurdo e o disparate”, sugeriu Sócrates, num tom desafiante que caracterizou as suas intervenções.José Sócrates garantiu que o Governo de Passos Coelho é que quis o chumbo do Tribunal de Contas no projeto do TGV − Poceirão-Caia −, que aconteceu em março de 2012, o que contraria a tese da acusação, de que teria sido o Governo socialista a influenciar o concurso para obter uma indemnização.Com a ideia de que “os bancos iam financiar”, até porque o “empréstimo estava” garantido, Sócrates referiu ainda quatro swaps − produto que implica a troca de fluxos financeiros de juros entre duas entidades, como por exemplo um banco e uma empresa − no valor que diz ser de “180 milhões de euros”.Portanto, a explicação de José Sócrates para retirar a responsabilidade do grupo Lena que consta na acusação do Ministério Público, passa por dizer que o “Governo do doutor Pedro Passos Coelho ficou com o empréstimo e com os swaps, que eram negativos em 180 milhões de euros”.“Nem a Lena tem nada a ver com isso, nem eu”, vincou o ex-governante, que acrescentou mais algumas perguntas retóricas, como “a Lena recebeu alguma coisa?”.“O empréstimo foi tomado pelo Estado” e “isto foi propositadamente escondido pelo Ministério Público na acusação”, sustentou.“O que o Ministério Público fez foi proteger o Governo que abandonou o projeto”, do PSD, e “acusou quem tentou fazer”, do PS, acusou Sócrates, momentos antes de vincar que “a motivação desta acusação foi eminentemente política”, por o TGV ser uma bandeira do seu Governo, e que, “com intenção ou sem ela”, o MP pôs-se ao lado da direita política.José Sócrates lembrou que a “empresa Elos pediu o ressarcimento de 160 milhões de euros”, sendo que “o Tribunal Arbitral fixou a indemnização em 149,6 milhões de euros”.Este valor, explicou, refere-se a “pagamentos que a empresa Elos fez a entidades externas”.Com isto, a empresa, de acordo com as declarações de Sócrates, terá perdido 19,9 milhões de euros de prejuízo”, desde que foi criada.Em relação, à empresa Lena, “a pobre não ganhou nada”, garantiu.“As perdas da Lena, à data do relatório, correspondem a 13,4% dos 19 milhões”, isto é, cerca de 2,5 milhões de euros, detalhou o antigo primeiro-ministro.“A empresa Lena, que ia receber uma indemnização milionária, perdeu dois milhões de euros”, ironizou Sócrates.120 mil euros para um ano em ParisNa segunda parte da sessão de ontem, o procurador Rómulo Mateus questionou o antigo governante sobre uma conta da Caixa Geral de Depósitos (CGD), no sentido de perceber se tinha um cartão de crédito ou de débito associado, considerando esta informação instrumental e “presa” a depoimentos anteriores.No entanto, José Sócrates recusou-se a responder à pergunta, argumentando que só aceitara responder a perguntas sobre o Grupo Lena. Mais tarde, Rómulo Mateus insistiu neste tema, mas noutro ângulo, questionando Sócrates sobre o período entre junho de 2011 e janeiro de 2013, que numa sessão anterior, lembrou o procurador, o ex-primeiro-ministro classificara como “período pequeno” sem vencimento.“Eu saí do Governo e decidi fazer um período sabático na minha vida”, justificou José Sócrates, acabando por falar num empréstimo de 120 mil euros que contraiu junto da CGD para o efeito e que depois pagou com a venda da casa da mãe, de 600 mil euros, dos quais terá recebido 75% (450 mil euros).Depois de uma troca de argumentos com Rómulo Mateus sobre as expectativas em relação ao ano sabático, sobre a duração do período e da gestão do dinheiro, o procurador mostrou um estrato bancário que mostrava a conta de José Sócrates em 30 de dezembro de 2011 com cerca de 5 mil euros.Questionado sobre quando se esgotaram os 120 mil euros do empréstimo, o ex-governante disse apenas não fazer ideia. “Aconteceu há 14 anos.”Com a insistência de perguntas sobre a venda da casa da mãe, que depois confirmou que foi a feita a Carlos Santos Silva, José Sócrates disse que não queria continuar a responder a perguntas sobre a sua vida privada, ainda que a juíza tenha referido que faziam parte da acusação.“Combinámos todos como iríamos proceder” e “haverá momentos para falar nisto”, evocou o antigo primeiro-ministro, antes de afirmar que “teremos uma sessão em que falaremos na tal fortuna escondida”.“Não respondo não é porque não quero responder, é porque é desleal”, insistiu.Jantar que nunca aconteceuO procurador Rómulo Mateus insistiu com Sócrates sobre um jantar que terá acontecido em casa do antigo banqueiro Ricardo Salgado, e que o antigo governante já tinha negado a existência. Para sustentar o argumento, o representante do MP pediu que fossem passadas várias gravações de chamadas de e para José Sócrates com as indicações para esse jantar.O antigo primeiro-ministro, numa das gravações, já posteriores à alegada data do jantar, em conversa com o antigo ministro Manuel Pinho, confirma que tinha estado nesse jantar, facto que negou durante a audiência.“Na sequência destas gravações, mantém a sua resposta?”, perguntou Rómulo Mateus.“Estando aqui nós a discutir temas da maior importância [...], estamos a falar sobre se jantou ou não jantou em casa do doutor Ricardo Salgado?”, questionou o antigo primeiro-ministro de forma retórica, acabando por dizer que “isto diz muito sobre o Ministério Público”.“Fui convidado para jantar mas o jantar não aconteceu, porque o doutor Henrique Granadeiro” não pôde ir, justificou.“Estive lá meia hora”, acrescentou, antes de acusar o MP de estar a fazer “devassa” da sua vida privada..Breve história do Processo Marquês escrita no dia em que faz 10 anos.Sócrates regressa esta semana a tribunal. O que esperar após as férias judiciais?