Caso das gémeas. CPI aponta "intervenção especial" da Casa Civil do PR sem ilegalidade e implica Lacerda Sales
As conclusões finais da comissão de inquérito ao caso das gémeas luso-brasileiras apontam para uma "intervenção especial", sem ilegalidade, da Casa Civil do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
"Existiu uma intervenção especial pela Casa Civil da Presidência da República, embora não tenha sido identificado qualquer tipo de ilegalidade. Ainda assim, não conseguimos identificar, com total certeza, contactos realizados entre Maria João Ruela e as diversas instituições hospitalares", concluíram os deputados.
Esta ideia estava contida originalmente no corpo do relatório alternativo apresentado pelo PSD/CDS mas não foi refletida nas conclusões propostas por estes partidos. O PS decidiu apresentá-la como conclusão, conseguindo a aprovação com os votos favoráveis do PS, e a abstenção do PSD, CDS, IL, BE, PCP, Livre e PAN, e o voto contra do Chega.
Uma outra conclusão aprovada, proposta pelo PS, refere que "as diligências levadas a cabo por Nuno Rebelo de Sousa [filho do Presidente da República] junto dos órgãos de soberania são a origem deste processo, sem nunca revelar o real motivo da sua atuação".
No que respeita à intervenção do antigo secretário de Estado da Saúde, Lacerda Sales, os deputados aprovaram a proposta de PSD e CDS-PP que conclui que "deu orientações à sua secretária pessoal, Carla Silva, para assegurar a marcação da primeira consulta junto do serviço de neuropediatria do CHULN, E.P.E" e "Carla Silva cumpriu a instrução dada, realizando os contactos necessários (via telefónica e por e-mail, conforme acervo documental) para assegurar o início do processo destinado à marcação da consulta".
Esta conclusão foi aprovada com os votos favoráveis dos partidos proponentes, do Chega e do PAN, e mereceu a abstenção de BE, PCP e Livre e o voto contra de PS e IL.
Rejeitada foi uma proposta de alteração do PS que não implicava diretamente Lacerda Sales e indicava apenas que a "Secretaria de Estado da Saúde sinalizou o caso clínico das crianças à chefe do departamento de pediatria do Hospital Santa Maria, através de correio eletrónico".
Estas conclusões foram votadas depois de os deputados terem rejeitado, na íntegra, o relatório preliminar elaborado pela deputada Cristina Rodrigues, do Chega.
CPI do caso das gémeas chumba relatório preliminar. Só Chega votou a favor
A Comissão Parlamentar de Inquérito em torno dos caso das gémeas luso-brasileiras tratadas em 2020 com o medicamento Zolgensma chumbou o relatório preliminar do Chega. O deputado do PS João Paulo Correia acusou a deputada relatora, Cristina Rodrigues, do Chega, de ter feito o relatório "no plano partidário, com o líder partidário", "violando o princípio de isenção", o que, diz, é um "erro grave".
Para além disto, o deputado socialista diz que "conjunto de conclusões" do relatório do Chega estava "de costas voltadas com os factos", o que faz com que sejam "especulativas".
Cristina Rodrigues, por seu turno, diz que o PS "falar em isenção" só "pode ser gozo", aludindo, para justificar esta acusação, à CPI da TAP, quando o PS "fez um relatório em que isenta o Governo", na altura liderado por António Costa.
"Isto é inadmissível", afirmou Cristina Rodrigues, garantindo que "o Chega não tem qualquer interesse partidário" neste caso.
Também o deputado do PCP Alfredo Maia acusou o Chega de ter arrastado os restantes partidos esta CPI, por interesse próprio.
Relatório final não deve refletir "convicções" pessoais
Numa discussão prévia na generalidade, todos os partidos, à exceção do Chega, alertaram para a necessidade de incluir no relatório final conclusões baseadas em factos e que não refletissem convicções.
"Uma coisa são as nossas convicções daquilo que foi sendo demonstrado pela Comissão Parlamentar de Inquérito", outra coisa "é aquilo que fica provado", sublinhou a deputada do BE Joana Mortágua, antes de elencar alguns pontos que parecem ser consensuais entre todos os partidos, menos o Chega.
Neste sentido, Joana Mortágua sugeriu que seria possível argumentar que não houve interferência para atribuir a nacionalidade às duas crianças, na mesma medida em que o filho de Marcelo Rebelo de Sousa, Nuno Rebelo de Sousa, demonstrou interesse em relação a este caso.
Entrando em detalhes, a deputada bloquista classificou como falsidades as afirmações que Nuno Rebelo de Sousa fez na CPI ao negar a existência de uma relação com a família das crianças.
Em relação às propostas de alteração do PS, Mortágua disse que é possível saber "que houve um empenho especial por parte da Casa Civil do Presidente da República". "Mas não conseguiumos provar", rematou, destacando que não é possível concluir qualquer intervenção por parte de Marcelo no processo.
Ainda assim, apontou, "o filho do Presidente exerceu pressão sobre os colaboradores" da Casa Civil, mas contrapôs: "Não sabemos se essa pressão foi exercida pelo Presidente da República. Não podemos chegar a essa conclusão".
Portanto, o caminho seguido por Nuno Rebelo de Sousa "foi um caminho sem saída", concluiu Joana Mortágua.
Em relação ao antigo secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, Joana Mortágua sugeriu que é possível saber que o ex-governante "terá dado indicações à sua ex-secretária para dar a sinalização para a consulta" que daria origem ao tratamento.
"Podemos intuir assim, mas não sabemos a verdade", argumentou, trazendo dúvidas para a conclusão "direta e imediata" plasmada no relatório do PSD "de que houve um crime do ex-secretário de estado".
A bloquista disse que não se pode excluir essa possibilidade, mas preferiu deixála no plano das recomendações.
"O Ministério Público terá mais capacidade do que nós para aferir que houve um crime", disse.
Ventura considera chumbo do relatório um branqueamento dos responsáveis políticos
O presidente do Chega disse considerou entretanto "uma vergonha" e um branqueamento do comportamento de responsáveis políticos o chumbo do relatório elaborado pela deputada do Chega, Cristina Rodrigues, à comissão de inquérito ao caso das gémeas luso-brasileiras.
A posição foi assumida por André Ventura em declarações aos jornalistas antes de uma ação de contacto com moradores e comerciantes na freguesia da Misericórdia, em Lisboa, poucos minutos depois de a comissão de inquérito ter rejeitado a proposta de relatório elaborada pela deputada relatora, Cristina Rodrigues, do Chega.
André Ventura disse que "o que aconteceu é uma vergonha" e que os partidos se "juntaram todos para branquear o comportamento dos responsáveis políticos", com o PSD e o PS, sugeriu, a tentarem ilibar o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o antigo secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, respetivamente, por simpatias partidárias.
"Eu pergunto-me se alguém dá um pior contributo para as comissões de inquérito do parlamento. Quer dizer, é o grau zero da política, é o grau zero da responsabilidade, é o grau zero do querer branquear o comportamento político", afirmou.
Ventura disse-se surpreendido pela oposição do PS à versão do relatório que responsabiliza o Presidente da República, acrescentando que essa posição "mostra bem o trabalho de manipulação política que houve na tentativa de contrariar as conclusões do Chega".
"Nós tivemos uma assessora do Presidente da República na comissão de inquérito, que eu tive a oportunidade de inquirir, a deixar claro que ligou para o hospital, coisa que não se lembra de ter feito para outros casos, embora não se lembre como contactou o hospital, nem de que forma. Se isto não deixa as pessoas com suspeição sobre a intervenção do Presidente da República (...) então nós somos um país que está ao nível da Venezuela, da Colômbia e de outros parecidos", atirou.
Com Lusa.