Bandeiras vermelhas com foices e martelos sobrepostos, t-shirts com a cara de Che Guevara, famílias com lenços palestinianos ao pescoço, várias centenas de pessoas nas ruas amplas, muitos palcos, atividades simultâneas, comida regional, exposições, todas as músicas por todo lado e um comício que é uma declaração de intenções dos comunistas, numa mini cidade todos os anos improvisada pelo PCP, pelo menos desde 1976. A Festa do Avante! acontece na Quinta da Atalaia, na Amora, Seixal, desde 1990, desde que o partido a comprou. Até esse momento passara por vários locais, desde o atual Centro de Congressos, em Lisboa, até ao Infantado ou a Ajuda.Começou esta sexta-feira, 5 de setembro, e prolonga-se até domingo. E entre estes dois momentos, de acordo com o que o secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, prometeu no arranque da festa, a vida do país será discutida, entre promessas de luta. "Salvar o Serviço Nacional de Saúde, a resposta para a habitação, as questões do trabalho, as questões dos salários, das pensões, dos direitos das crianças. E o combate feroz determinado − e para ganhar − ao pacote laboral", elencou o líder comunistas, numa alusão a matérias "que estarão naturalmente presentes no embate que" prevê "ter pela frente". ."É claro que temos batalhas políticas que vamos também sublinhar com muita força, desde logo as eleições autárquicas", completou Paulo Raimundo, enquanto falava numa "luta que vai ter que se intensificar".Mas também uma é uma celebração "ligada à vida, ligada aos problemas", explicou o líder do PCP, numa referência ao acidente que acontecera apenas dois dias antes com o elevadora da Glória.E, sem se desviar do tema, Paulo Raimundo ainda antecipou os "mais de 50 debates" da festa e a procura pelas "respostas que o Estado devia dar e não dá às questões das infraestruturas e dos meios que tem ou não tem para dar essa resposta".Antes de prestar declarações aos jornalistas, Paulo Raimundo visitou a zona conhecida como Espaço Central, que congrega várias exposições. Uma delas, é dedicada aos tapetes de Arroiolos, com vários exemplares ali espalhados, e até conta com uma bordadeira especialmente designada para estar ali a mostrar como é que esta arte acontece."Pode pisar, é para isso que serve", diz a mulher ao líder do PCP, que se debruça para a cumprimentar, com algum receio de pisar o tapete, que, de acordo com as indicações posterioremente dadas pela artesã, pode demorar meses a fazer..Logo a seguir, uma exposição sobre a Constituição da República Portuguesa exprime uma das maiores causas do partido. Apresenta livros enormes em estruturas de madeira, que podem ser consultados. Contêm perguntas e respostas, recortes de jornais e histórias em torno da lei fundamental.Longe dali, ainda há uma exposição sobre a vida e obra de Luís de Camões, com o poeta quinhentista a ser suportado por vários escritores que se lhe seguiram e que nele se inspiraram. São nomes como José Saramago ou Manuel Gusmão.A festa da músicaÉ uma festa partidária, e isso está patente nos vários outdoors espalhados um pouco por todo o recinto, mas também tem um cartaz cultural que poderia rivalizar com festivais de verão, se fosse esse o objetivo.Na primeira noite, ainda antes de tudo acontecer e com o sol ainda a evitar o mergulho no horizonte, a Orquestra Sinfonietta de Lisboa, que já é habitual no Avante!, faz o ensaio de som e mostra ao que vem. O concerto vai começar às 22 horas e é o primeiro a decorrer no palco 25 de Abril, o maior do recinto.Com tudo já pronto, a música começa e vem acompanhada por explicações que a contextualizam..No palco anuncia-se "música degenerada" pelos nazis, que a proibiram ou que dela disseram mal. Um exemplo disso é a Lili Marlène, uma música alemã muito popular durante a Segunda Guerra Mundial entre as tropas aliadas e que inspirou um filme homónimo de Rainer Werner Fassbinder, em 1981. Para que a música seja contextualizada, a partir do palco descrevem como o ministro da Propaganda da Alemanha nazi, Joseph Goebbels, a difamara. E é inevitavelmente tocada neste ciclo desafiante dedicado à música proscrita pelo nazismo.No Palco Paz, alheia aos rótulos, toca a banda Trás os Monstros. Pode ser punk ou um rock intemporal que deriva da sobversiva década de 80. De qualquer forma, encontra um público incapaz de lhe resistir nesta festa. Mas haverá mais dois dias de concertos.Motivações, história, famílias e as autárquicasAo som dos Trás os Monstros, o DN conversou com Tânia Ramos, uma participante na festa há décadas, inicialmente cativada pelo pai para ali ir. Tem sido voluntária, ajuda a construir o Avante! como pode.Houve anos em que não pôde participar, tal como aconteceu com a família. Depois, retomou, e voltou a trazer o pai, enquanto assim foi possível. E se a porta de entrada para o Avante! foi familiar, agora a motivação é outra."Venho porque sinto que estar na festa é estar naquilo em que acredito que deve ser a comunidade", explica, enquanto descreve este evento partidário como "uma coisa construída por todos, para todos".Admite que não é militante do PCP, é "simpatizante", detalha."O meu pai chegou a ser, mas há um respeito imenso pelo legado do partido, pelo que foi o partido nos tempos da madrugada escura [uma referência ao 28 de Setembro de 1974, quando uma manifestação de apoio ao então Presidente da República, António de Spínola, convocada pelo próprio, acabaria por não acontecer e ser proibida pelo Movimento das Forças Aramadas, acabando com a depoisção do chefe de Estado] e principalmente pelo papel que ele continua a ter, porque os dias sucedem sempre às noites e as madrugadas estão aí à espreita. Acho que é um bocadinho isso", conclui.Questionada se se sente preocupada pelas autárquicas, marcadas para 12 de outubro, Tânia Ramos assume que sim, não como simpatizante do partido, mas "enquanto ser humano". "Preocupa-me as autárquicas, porque qualquer resultado que faça com que algumas forças se aproximem do poder e afastem a humanidade da população, afastem a humanidade do que é a comunidade, é destruir tudo aquilo pelo qual lutámos, tudo aquilo que foi a nossa luta contra a ditadura, a nossa luta como povo", afirma."Preocupa-me. E estar aqui é também dar o corpo a esse manifesto", conclui.