Os dados não enganam: nos dez concelhos mais populosos de Portugal, o Chega terá influência na governação em sete. Juntos, estes municípios abrangem mais de 2,7 milhões de pessoas, ou seja, cerca de 25% da população de todo o país, segundo os dados de 2024 disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). As exceções a estes casos são os concelhos de Loures, Braga e Matosinhos, onde os executivos conseguem governar sem precisar de dialogar com os vereadores do partido de André Ventura ou temer uma eventual coligação de bloqueio.Mas nem todos os casos são iguais. Em Lisboa, por exemplo, Carlos Moedas (PSD/CDS/IL), que tem oito vereadores em 17, sabe que terá de dialogar com alguém da oposição e tendo em conta o balanço de forças no executivo camarário da capital, o parceiro mais provável parece ser o Chega, uma vez que falar com o PS será um não-assunto e muito menos com a CDU (que passou de dois para um vereador). No entanto, Moedas poderá ser ‘bloqueado’ pela oposição, uma vez que PS, Chega e CDU juntos terão força para rejeitar propostas dos partidos que compuseram a coligação Por Ti, Lisboa.O caso mais paradigmático destes eventuais bloqueios é ali ao lado, na Amadora, onde a situação é mais complexa e o executivo municipal pode mesmo ser bloqueado logo à partida, uma vez que o PS tem os mesmos quatro vereadores da coligação liderada pelo PSD, o que significa que o Chega (com dois mandatos) poderá ‘desempatar’ as contas a favor da direita, levando a que o vereador da CDU seja insuficiente para os socialistas se aguentarem na liderança do executivo municipal.Menos dramática é a situação em Cascais, onde o executivo liderado pela coligação PSD/CDS elegeu cinco vereadores e o conjunto da oposição tem seis. Ou seja: terá de haver sempre diálogo com alguém extra-coligação, e neste caso o parceiro mais lógico é o Chega, que conseguiu eleger dois vereadores (mais um do que há quatro anos).A norte, no Porto, os ex-ministros Pedro Duarte (PSD/CDS) e Manuel Pizarro (PS) empataram em número de vereadores, tendo oito cada um, o que significa que Miguel Côrte-Real, do Chega, poderá ser o parceiro de negociação. Ainda assim, o JN deu conta, esta terça-feira, de que o líder do executivo camarário se prepara para ‘copiar’ Luís Montenegro e governar com acordos pontuais com ambos os partidos. Entre estes casos há ainda hipóteses mais improváveis, como em Almada, onde os possíveis acordos na oposição com poder de bloqueio teriam de levar o Chega a entender-se com a CDU (que tem travado um ‘combate’ cerrado contra a autarca socialista). Mas, mesmo assim, poderia haver um entendimento entre PS e PSD, que daria uma maioria relativa.Na sequência destes resultados, Carlos Carreiras, ex-autarca de Cascais, assumiu que a lei das autarquias nacionais pode vir a ser revista (uma intenção que, de resto, o PSD já assumia no programa eleitoral de Luís Montenegro). Em declarações à Renascença, o social-democrata defendeu que “a reflexão tem de ser feita”, passando a existir uma “lógica muito idêntica ao que se passa” no Parlamento, abrindo a possibilidade de ter “executivos que sejam de um partido vencedor”, reforçando-se as Assembleias Municipais. Afinal, o poder local é único em Portugal, uma vez que os executivos camarários têm, regra geral, vereadores de partidos da oposição. No passado, já a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) e o próprio secretário-geral do PS, José Luís Carneiro, abriram portas a mexidas na forma como as autarquias funcionam.Chega só tem uma maioria absoluta nas suas autarquiasÀ entrada para estas eleições, o líder do Chega definiu um objetivo: conquistar pelo menos 30 autarquias. O desfecho ficou aquém do esperado, mas ainda assim o partido passou a ter três presidências de câmara (São Vicente, Entroncamento e Albufeira) e 137 vereadores no território nacional. Mas, tal como acontece nos sete dos dez maiores concelhos portugueses, o contexto não é favorável ao Chega em dois municípios. Com maioria absoluta apenas em São Vicente (Madeira), os presidentes das câmaras de Albufeira (Rui Cristina) e do Entroncamento (Nelson Cunha) terão de dialogar com a oposição. Em ambos os casos, o Chega elegeu três vereadores. Em Albufeira, o executivo tem ainda três vereadores do PSD/CDS e um da coligação PS/Livre/BE/PAN, o que significa que, se a oposição se unir, haverá vários obstáculos à governação. No Entroncamento, o cenário é idêntico (PSD e PS juntos têm quatro vereadores). Ou seja: à exceção da Madeira, a gestão autárquica do Chega está ela própria sob influência da oposição..Autárquicas 2025. Carlos Moedas recusa negociar com radicais e Alexandra Leitão só fecha as portas ao Chega.Inácio Esperança: “Todos eleitos? De início até pensei ser um erro nas contas”