O Parlamento discute esta quinta-feira, 26 de junho, um projeto de lei da responsabilidade de um grupo de cidadãos que propõe que o funcionamento dos estabelecimentos comerciais decorra entre as seis e as 22h00, de segunda-feira a sábado, e que estejam encerrados ao domingo. A justificação apontada no documento apartidário é a de que Portugal, “no contexto europeu”, é o país onde há “horários de abertura dos estabelecimentos comerciais mais liberais”. Por este motivo, dizem os cidadãos, “é necessário combater a liberalização dos horários de abertura, que tem implicações diretas na organização dos horários de trabalho” neste setor. Ao DN, PS e IL garantem que vão votar contra, enquanto mais à esquerda haverá iniciativas que acompanham a missiva destes cidadãos. Já as associações do setor do comércio não veem com bons olhos esta iniciativa e traçam um cenário negativo face à mera possibilidade de ser aprovada, acrescentando vários avisos, que vão desde a perda de milhares de postos de trabalho até ao fim da liberdade de poder consumir.“A Constituição da República Portuguesa garante a todos os trabalhadores o direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da atividade profissional com a vida familiar, assim como o direito ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada e ao descanso semanal”, aponta a iniciativa dos cidadãos.“Eu tenho muita dificuldade em perceber esses argumentos”, contrapõe, em declarações ao DN, o diretor-geral da Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição (APED), Gonçalo Lobo Xavier, enquanto explica que, “nos últimos dois anos”, a APED “tem estado a fechar contratos coletivos de trabalho com o SITESE [Sindicato dos Trabalhadores do Setor de Serviços], ligado à UGT”, com o objetivo de estabelecer um “contrato coletivo de trabalho forte”.Gonçalo Lobo Xavier assegura que, sempre que as sugestões de fechar o comércio ao domingo ou de limitar o horário de funcionamento nos outros dias estiveram em cima da mesa, o sindicato afirmou que “isto não faz sentido nenhum e que, pelo contrário, as escalas, tal como são feitas, são muito interessantes para os trabalhadores que querem trabalhar ao fim de semana”.E a tudo isto, continua o líder da APED, junta-se o facto de nem todos os trabalhadores trabalharem ao fim de semana. “Trabalham ao fim de semana as pessoas que estão escaladas e isso é feito com cuidado e respeito pela vida familiar. Não há fins de semana seguidos, há gozo das folgas e há escrupuloso cumprimento da legislação”, garante.Depois, há o ponto de vista do consumidor. Gonçalo Lobo Xavier evoca uma “cultura das famílias em aproveitar os domingos para fazerem as suas compras e poderem usufruir de alguns espaços culturais, de cinema e de restauração que grande parte dos centros comerciais oferece”. Neste ponto, o representante das empresas de distribuição aponta que há “uma convivência da vida familiar com a liberdade de escolha de poder fazer compras e abastecer a casa”. Mas ainda há uma terceira dimensão, lembra Gonçalo Lobo Xavier, não escondendo que, “do ponto de vista dos números das receitas, os sábados e domingos são dias muito importantes para os retalhistas”.E fechar o comércio implica consequências para as empresas, expõe, enquanto prepara o terreno para falar numa “concorrência relativamente desleal das plataformas eletrónicas”.“A verdade é que íamos ter um conjunto significativo de consumidores que passaria a adquirir produtos em plataformas eletrónicas e internacionais com consequências nos resultados das empresas, mas também com consequências na receita fiscal, e também com a incongruência de muitos destes produtos virem de outras geografias e não ajudarem a economia portuguesa”, completa.Do ponto de vista político, recordando posições anteriores dos partidos, o diretor da APED acredita que, na discussão desta quinta-feira, “vai imperar o bom senso”.Já o presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), João Vieira Lopes, afastando qualquer “tabu” à volta do tema, defende que o debate sobre horários deve ser “aprofundado e debatido seriamente e não de uma forma simplista ou partidariamente politizada. Até porque envolve empresas de diversos formatos de comércio, trabalhadores e consumidores, não esquecendo a própria evolução do comércio eletrónico”. Em nota enviada às redações, João Vieira Lopes diz que a CCP não recusa “introduzir restrições regulamentadas, que devem ser encontradas de uma forma equilibrada”.PS vota contraAo DN, o grupo parlamentar do PS promete um voto contra a iniciativa de cidadãos, tal como fez antes, com o argumento de que, “atualmente, os municípios já têm a possibilidade de regular os horários nos seus concelhos e são eles os mais próximos das especificidades de cada município. Cremos que esta proposta, tal como está, é extemporânea e não salvaguarda os interesses da economia, da manutenção do emprego e dos consumidores”, conclui.Gonçalo Lobo Xavier, confrontado com esta posição do partido, diz que “o PS está consciente das implicações de uma eventual e hipotética alteração da lei e é um partido com responsabilidade”.Porém, aludindo apenas ao passado, o líder da APED sugere “que isto é mais uma iniciativa com cunho político muito grande por parte da CGTP e do PCP, que está um pouco esvaziado de ideias e quer ter aqui uma espécie de prova de vida”. “Realmente, não faz sentido para a vida das pessoas. Isto seria de facto muito mau para a vida, para a liberdade de escolha e a forma como as pessoas se têm relacionado em Portugal”, defende.Com um entendimento diferente sobre o tema, o PCP tem uma iniciativa própria, que acompanha a iniciativa dos cidadãos, com a justificação de que “o descanso ao domingo e feriado é uma conquista histórica dos trabalhadores do comércio”, que tem sofrido um ataque, “na última década”, com “a subordinação do poder político ao poder económico”. A bancada comunista, porém, não nega “a complexidade da questão pelas suas múltiplas dimensões e interesses contraditórios”. Com esta ideia presente, o PCP lembra que “o dia de descanso semanal está consagrado na lei e, em princípio, todos os membros da mesma família devem poder fazê-lo em conjunto”, acrescentando que “a regulação inadequada, ou a sua total liberalização, significou e significa permitir que prevaleçam os interesses dos grandes grupos e cadeias de distribuição”, o que viola a livre concorrência, “pela impossibilidade de as micro e pequenas empresas comerciais acederem ao mercado em condições de efetiva igualdade”.Os deputados comunistas lembram ainda que “o encerramento geral do comércio aos domingos” é a “regra” em vários países europeus, como Espanha, França, Bélgica, Luxemburgo, Polónia, Grécia, Noruega.Ao DN, também a coordenadora do BE explicou que “garantir mais tempo livre a quem trabalha é uma prioridade para o Bloco”.“É necessário um equilíbrio dos horários de funcionamento de estabelecimentos comerciais, que responda às necessidades de quem consome e proteja quem trabalha por turnos”, sustentou Mariana Mortágua, acrescentando que “o Bloco acompanha o sentido geral da petição entregue no Parlamento e apresentará proposta para que os centros comerciais e as grandes superfícies encerrem aos domingos e feriados (com exceção das zonas de lazer e restauração)”.Já a IL está mais próxima da posição do PS, ao assegurar um voto contra. “A lei atual já prevê compensação para quem trabalha ao fim de semana e em horário noturno. Quem quer estar aberto deve ter a possibilidade de estar, da mesma forma que quem quiser fechar nesses dias/horários também pode ter essa possibilidade”, considerou a bancada liberal, em declarações ao DN. Os dois partidos com mais assentos parlamentares (PSD e Chega) não responderam ao nosso jornal.Mercado “seriamente afetado”“Qualquer alteração ao atual regime de horários e de dias de funcionamento do comércio irá representar, inevitavelmente, uma perda de empregos, já que com menos dias de abertura seriam necessários menos turnos, o que resulta em menos postos de trabalho em todo o setor”, explicou ao DN a diretora executiva da Associação Portuguesa de Centros Comerciais (APCC), Carla Pinto, acrescentando que “a redução da atividade de milhares de pequenos, médios e grandes comerciantes e retalhistas poderá representar a destruição de cerca de 40 mil postos de trabalho, mais de 18 mil só nos centros comerciais e número idêntico em outras áreas do retalho e da distribuição. Ou seja, o mercado laboral português seria seriamente afetado e, consequentemente, os rendimentos de muitas famílias.”Questionada sobre o argumento exposto pelos cidadãos no documento, de que o trabalho por turnos afeta o equilíbrio entre a vida familiar e profissional, Carla Pinto diz que a APCC “não compactua com a tentativa de diabolização de uma possibilidade que está devidamente acautelada na lei, a nível global e não só em Portugal. De resto, é essencial recordar que o setor do comércio não é o único a ter trabalho por turnos, muito pelo contrário, existe em muitos outras áreas de atividade, como por exemplo, na indústria, nos transportes ou na comunicação, entre outros setores”.