Já foi autarca em Aveiro [entre 1997 e 2005], saiu após dois mandatos, integrou também um Governo como secretário de Estado. Por que regressa agora à política local?A motivação é a mesma que já tive no passado: olhar para o território, para as pessoas, para as instituições e constatar que há muito para fazer. Eu não me conformo em ver a minha terra parada. É preciso construir de novo mais futuro. Antes de avançar, tinha um conjunto de ideias que me pareceu serem úteis e interessantes para construir esse futuro, bem como energia e vontade. As condições políticas deram o resto e cá estou.Há muito mais para fazer em que áreas?A habitação, por exemplo, é uma área em que existe um consenso de que nada se fez. A situação da habitação é gravíssima e ninguém tem uma bala de prata para resolver. Mas em Aveiro é mais grave. O atual Executivo, com o apoio do atual candidato à câmara, renunciou à aprovação da Estratégia Local de Habitação por razões meramente ideológicas. Dos 308 municípios no país, há 297 que aprovaram a Estratégia Local de Habitação para poderem ter acesso a esses fundos. O município de Aveiro, por obstinação puramente ideológica - que é um absurdo porque temos câmaras de todas as sensibilidades e partidos a utilizar esses recursos - decidiu não fazer e só já em plena campanha eleitoral e perante as nossas críticas é que foi aprovada. Em conclusão: não se construiu uma única casa de habitação pública social. Pondero bem as minhas palavras, mas desde que saí, há 20 anos, não se constrói uma casa de habitação social em Aveiro. A situação é muito mais aguda e difícil de resolver porque os dinheiros do PRR, como se sabe, estão a esgotar-se ou estão esgotados e a câmara nem os foi aproveitar. Por outro lado, tem andado a vender terrenos para a construção de que dispõe..Autárquicas 2025. Entre o rosto do passado e o nome pouco consensual, Aveiro é palco de duelo de irmãos.Em termos de habitação, o PSD quer reaproveitar o espaço do quartel da GNR que está no centro da cidade, mudando-o de local. O que acha desta proposta?A ideia é minha. Acho bem que se tenha trazido o tema para a campanha porque, é público, eu publiquei um livro há uns meses, em que essa ideia estava desenvolvida. Na verdade, fico satisfeito por ver toda a oposição aplaudir a ideia. O desafio é muito grande porque aquele quartel da GNR, que está no centro de Aveiro, equivale a um quarteirão. É uma área enorme onde a GNR tem instalado um conjunto de serviços complementares à sua atividade e, sim, está num local errado há muitos anos. Mas é preciso que o Estado tenha disponibilidade para alojar as centenas de pessoas que ali trabalham num outro quartel, em Aveiro ou noutra localidade, e isso é um processo que vai ser longo e difícil.E haverá abertura do Governo para fazer essa mudança?Sabemos que os recursos são sempre escassos e que, uma coisa é certa, o Estado tem, em todo o país, um conjunto de instalações militares ou paramilitares que estão nos sítios errados. O conceito estratégico de defesa nacional mudou muito e não faz sentido nenhum ter quartéis nos centros das cidades hoje em dia. Em Aveiro temos, aliás, outros exemplos de terrenos públicos em que o impasse persiste há dezenas de anos e que tem de ser resolvidos. Espero que a reforma do Estado passe também pela forma como o património do Estado é gerido, porque é precisamente urgente. Temos três terrenos no centro de Aveiro, que é uma situação absolutamente escandalosa do ponto de vista do próprio Estado e incomodativa de quem tem que gerir os destinos do município porque são terrenos que estão aqui vazios há anos e que têm excelentes características para serem utilizados para habitação ou residências universitárias, por exemplo.Essa reforma pode passar por uma descentralização de competências?Têm sido dados alguns passos pela Associação Nacional de Municípios, ainda que tímidos. Seria muito bom se as autarquias pudessem passar a ser titulares desses terrenos e a poder geri-los e pô-los ao serviço do interesse público. Neste momento, são passivos, não são ativos do Estado, são passivos urbanísticos dos municípios.Esta é uma das prioridades da sua campanha?Iremos utilizar todos os instrumentos públicos das políticas de habitação que existem, com algumas novidades. Por exemplo, nas zonas verdes a situação é escandalosa. Não se construiu um único parque, digno desse nome, em Aveiro, nos últimos 20 anos. Precisamos construir parques em zonas com milhares de pessoas. Estou a pensar designadamente no parque de Sá Barrocas, na freguesia de Esgueira, e o nosso parque central. Precisamos também de mais creches e lares. Iremos promover o aparecimento de creches designadamente nas zonas industriais, que já são respiráveis. Se tiverem creches, os trabalhadores não perdem tempo e fazem menos deslocações o centro da cidade e o trabalho.O seu programa tem outras áreas de intervenção, como os transportes. O que falta fazer nesta área?Temos de passar do combustível fóssil para o automóvel elétrico. O problema é que ocupam o mesmo espaço público. Temos de caminhar para o transporte público e incentivar, estimular e criar condições para que as pessoas prefiram o transporte público ao transporte individual. Mas isto não se faz num mandato. Precisamos ter respostas de curto, médio e longo prazo.Como por exemplo?Nas respostas de curto prazo, temos de resolver os problemas criados pelo executivo. Por exemplo, na avenida Doutor Lourenço Peixinho, todos os dias há engarrafamentos. Criou-se ali um problema e vamos resolvê-lo. É uma expectativa que as pessoas têm, porque nem os bombeiros circulam em situações de emergência. Vamos reforçar a aposta nos transportes públicos, melhorando as carreiras, as linhas e os horários, com aplicações móveis digitais que permitam, quando chegamos, saber qual o melhor meio de chegar ao ponto de destino. Temos de introduzir novas tecnologias nos transportes, ter uma rede de estacionamentos que dê resposta às necessidades atuais e de retirar o tráfego de atravessamento da avenida, que é o eixo central de Aveiro, restringindo, portanto, cargas e descargas, moradores, transportes públicos e veículos de emergência. Isto é uma grande mudança, mas a ideia é restituir a avenida às pessoas, para que ela possa ser uma alameda fruível, com árvores, que ainda este ano foram arrancadas, com espaços de estar. Paulatinamente, vamos fazer esse caminho.Uma das críticas que lhe é feita é que, durante os seus mandatos, houve um endividamento grande da câmara. O PSD diz estar ainda a pagar essa fatura. O que tem a dizer sobre isto?É verdade, houve um endividamento grande. Há 20 anos, nessa altura a Lei das Finanças Locais era totalmente diferente. Quanto mais o município investisse num ano, mais endividamento podia buscar no ano seguinte. Houve endividamento porque Aveiro foi uma das cidades que acolheu o Euro 2004 e construiu um novo estádio, que o Estado disse que ia custar 200 contos [cerca de mil euros] por lugar, com 30 mil no mínimo. Nenhum estádio custou isso. Dos novos, o nosso foi mais barato e houve que juntar as expropriações, terrenos, acessibilidades, arruamentos e estacionamentos: 68 milhões de euros. E quando a candidatura foi aprovada, eram seis estádios a disputar o Euro 2004 e afinal foram dez. Ou seja, o envelope financeiro que havia para distribuir por seis estádios foi distribuído por dez. Ficámos com a criança nas mãos. Desequilibrar a tesouraria criou problemas que perduraram durante algum tempo. Além disso, Ribau Esteves esquece-se que herdou a câmara da gestão do PSD e do CDS, que fizeram uma gestão desastrosa da situação difícil que já existia na sequência deste desequilíbrio de tesouraria. Esta é a história, não vale a pena reescrevê-la.Isso pode ter influenciado a sua não-eleição em 2005? As pessoas não compreenderam?Nessa altura, houve uma novidade. Pela primeira vez na história do poder local em Aveiro fez-se uma coligação para me derrotar. O PSD e o CDS, que até aí concorriam sempre sozinhos e até eram adversários, fizeram uma coligação. O BE nesse ano apresentou-se a eleições pela primeira vez e acabei por perder por dois mil votos, mas ainda assim saí com mais do que na primeira vez em que fui eleito. Saí de cabeça erguida. Claro que cometi alguns erros, ninguém está há oito anos no poder sem os cometer. Tenho muito orgulho no trabalho que foi feito.Por outro lado, o candidato do PSD é seu irmão. A que tipo de gestão é que isto obriga, para que a campanha não seja marcada por isso?Inicialmente, foi muito desagradável. Eu já tinha sido apresentado quando o meu irmão se apresentou. Não escondo que foi um momento de grande desconforto, porque obviamente prezo mais a família do que a política e no lugar dele não o teria feito. Há valores que são mais importantes. Esse momento está ultrapassado, temos de aprender a lidar com isso. Se esta circunstância puder servir para mostrar que é possível fazer uma campanha com educação e elevação, pela minha parte, contribuirei para tal. Isto quer dizer que obviamente estou a impor a mim próprio um exercício de contenção vocabular, de não ser contundente e mauzinho, entre aspas, como se calhar seria com outros candidatos.O mesmo pode ser dito do outro lado?Espero que sim, vamos ver.Historicamente, o concelho de Aveiro é à direita. Tirando os seus mandatos, nunca votou à esquerda. Considera que parte em desvantagem, neste aspeto?É verdade. Há esse dado objetivo, mas a experiência também mostra que nas autarquias – e em Aveiro isso aconteceu – os votantes valorizam mais as pessoas do que os partidos. Isso aconteceu no tempo do doutor Girão Pereira [autarca durante 18 anos]. O doutor era do CDS. O PSD ganhava sempre nas legislativas, mas perdia sempre para nas autárquicas para o CDS. Aconteceu também comigo, em que o PS nunca tinha ganho, e na segunda vez teve mesmo uma maioria absoluta. As pessoas valorizam mais os autarcas em si e não tanto os partidos. Portanto, tenho esperança que apesar de, factualmente, a base de partida de que arranco ser muito desfavorável, as pessoas reconheçam que as nossas propostas são as melhores e que é com elas que vamos construir mais futuro em Aveiro. O meu passado fala por mim. Construímos muito futuro, e as pessoas não esquecem isso..Luís Souto Miranda: "No fim de um ciclo, há sempre incógnitas. Mas estamos confiantes"