Com slogans “tão convencionais, tão banais, tão perto de nada”, muitos cartazes parecem “uma oportunidade perdida”, reduzidos ao “físico, ao halo” que cada candidato emana. “Na maior parte deles não se advinha qualquer estratégia” e, num ciclo incerto, as “mensagens minimalistas” e materiais “pouco memoráveis”, limitam-se, diagnosticam especialistas, a marcar território, não a mobilizar. A democracia, empoleirada em outdoors de oito metros por três, vê-se assim refletida em papel: rostos gigantes, palavras pequenas. “Olha pra mim. Já olhei. E então? É tudo.” O que deveria ser um início de conversa entre o candidato e o eleitor, morre aqui. O cartaz existe, quem passa olha, a comunicação encerra-se nesse gesto mecânico. O curto diálogo, lançado pelo psicólogo e publicitário Pedro Bidarra, funciona como diagnóstico e poderia ser o lema involuntário desta campanha presidencial. Muitos dos cartazes - enormes, silenciosos, plastificados na paisagem urbana - parecem resumir-se a isso: um pedido de atenção sem promessa, um rosto sem narrativa, uma presença sem voz. “É como se numa canção a letra fosse só lá-lá-lá; ou, no caso, blá-blá-blá”, acrescenta o psicólogo e publicitário, descrevendo uma comunicação que, em vez de interpelar, teme “fazer ondas”. Quando o cartaz não fala - apenas olha Os protagonistas estão lá - ampliados, iluminados, mas não falam connosco. Pedro Bidarra, experiente em campanhas políticas, reconhece nesta mudez um sintoma profundo: a renúncia à comunicação. “Um cartaz de 8 metros por 3 no meio da cidade é um meio de comunicar diretamente com o cidadão”, lembra Bidarra. Mas, nesta campanha, “o que todos estes cartazes comunicam, com exceção dos do Ventura, é apenas um Olha pra mim, nada mais”. Há aqui, diz ele, “uma oportunidade perdida”. A sua metáfora musical cristaliza a crítica: “Um cartaz é um pouco como uma canção. Uma canção tem música e letra, um cartaz tem imagem e letra.” A imagem deveria transportar a ideia — a letra — até à memória do eleitor. Mas “neste cartazes não há ‘letra’ ou a que há é tão convencional, tão banal, tão perto de nada, que nada sobra a não ser a imagem do candidato.” São melodias vazias. O que resta? Bidarra responde com brutal simplicidade: “Eis um homem. Eis uma mulher.” As frases que acompanham as fotografias, diz ele, são “generalidades sem poder mnésico: não questionam, não inspiram, não tocam”. São convencionais, “intermutáveis”, sustentadas por um grafismo idêntico para todos, baseado nas cores nacionais. Por isso “todos os cartazes parecem iguais e fundem-se na paisagem”. “Baralhe as frases”, desafia, para concluir: “verá que caberiam em cada um deles”, diz olhando para frases como “O meu partido é Portugal”( Gouveia e Melo), “Presidente presente” (Jorge Pinto), “Futuro Seguro (António José Seguro) ou mesmo “Contigo.”(Catarina Martins). O único elemento distintivo é o rosto. “A diferença está apenas nas caras, no físico, no halo que cada um emana.” . E aqui regressa à psicologia: “Sabem os psicólogos, há mais de 100 anos, que o efeito de halo é uma força poderosa no modo como avaliamos o outro.” Não é raciocínio; são “sinais, sensações, intuições”. Estes cartazes, portanto, “servem apenas para promover o físico, o aspeto, o halo que emana do corpo”. Quem tem cara de presidente e quem não tem, parece ser a questão que os cartazes nos colocam. “Com excepção, já referi, dos de Ventura, que servem o propósito, e conseguiram-no, de iniciar uma conversa; nos outros não há conversa, são só para ver. Nada dizem e, portanto, nada há a dizer”. A não ser que se queira falar dos atributos físicos dos candidatos, nada mais. Diante desta paisagem, Bidarra formula as perguntas que os outdoors lhe devolvem: “A mulher de meia-idade e cara redonda será melhor presidente que o jovem de barbita penugenta? Qual será mais indicado: o homem pequenininho, com carita e sorriso de Batatinha, ou o homem alto de penetrantes olhos azuis? Será melhor alguém farto de cabelo ou um careca?” E conclui: “Tudo questões que os cartazes me levantam.” . A estratégia ausente e o cartaz órfão Se Bidarra revela a falha sensorial e simbólica dos cartazes, João Barros, professor de publicidade na Escola Superior de Comunicação Social, disseca a falha estrutural. Para ele, tudo começa na definição de propaganda: um processo persuasivo com um objetivo claro - levar o cidadão a escolher. “O processo comunicacional publicitário, neste caso o termo correto é propaganda, é um processo persuasivo, que tem por detrás um objetivo claro: que, no final, nós façamos uma escolha.” Seja pela marca A em vez da B, seja pelo candidato A em vez do B. Citando os especialistas em marketing Rossiter e Percy, Barros sintetiza os cinco objetivos que orientam qualquer campanha: perceção de necessidade, notoriedade, atitude, intenção, facilitação da escolha. Cada um deve ser calibrado consoante a relação entre o candidato e o eleitor. “Por exemplo, a notoriedade do candidato Marques Mendes é completamente diferente da notoriedade do candidato António Filipe”. Portanto, não se comunica de forma igual. Mas então surge a acusação central: "Na maior parte deles não se advinha que estes cartazes tenham resultado de qualquer estratégia definida.” Talvez exista, concede Barros, “mas eles, enquanto peças comunicacionais, no geral, não as refletem, com exceção daqueles que criaram mais polémica – exatamente porque são coerentes com o discurso e o posicionamento do candidato." . As exceções confirmam a regra: os cartazes polémicos — coerentes com o discurso de Ventura — e dois pequenos esforços, realçados pelo escpecialista: Marques Mendes, que tenta puxar pela “experiência”, e Cotrim de Figueiredo, que brinca com o seu próprio perfil. Mas ambos ficam aquém, sobretudo Cotrim, cujo cartaz acaba por ter “uma imagem muito cinzenta que acaba por ser incoerente com a mensagem principal”. E quando a estratégia foge, instala-se a incoerência, o silêncio ou a pura redundância gráfica, avisa João Barros, concluindo que, se tivesse de dar notas, “isto não ia correr muito bem”. Presidentes imaginados em papel plastificado Alda Telles, consultora e professora universitária, propõe uma leitura diferente: não olhamos apenas para cartazes, olhamos para versões simbólicas da função presidencial. E cada cartaz dá forma a uma interpretação distinta. É uma disputa de identidades, mais do que de ideias. Telles encontra sete arquétipos: a presidente próxima — Catarina (“Contigo”), o presidente patriota — Gouveia e Melo (“O meu partido é Portugal”), o presidente fiável e estável — Seguro (“Futuro Seguro”), o presidente experiente — Marques Mendes (“O valor da experiência”), o presidente de Abril — António Filipe (“Com o povo, por Abril, por Portugal”), o presidente interventivo — Jorge Pinto (“Presidente Presente”), o presidente visionário — Cotrim de Figueiredo (“Imagina Portugal”). . Segundo a especialista, desta tipologia emergem três campos simbólicos: “continuidade e autoridade institucional (Seguro, Gouveia e Melo, Marques Mendes, António Filipe); visão e ação (Cotrim, Jorge Pinto); afetividade e proximidade — ocupado apenas por Catarina “um posicionamento solitário”, diz Telles, e talvez desajustado às expectativas atuais”. E depois há o “caso Ventura”: “Isto não é o Bangladesh” surge como uma “anomalia no mapeamento discursivo, uma mensagem identitário-securitária, alinhada com o discurso confrontacional do Chega, mas sem qualquer definição da função presidencial. “Mais um palco mediático”, diz Telles, do que uma candidatura. “Se atentarmos a uma sondagem recente ICS/ISCTE, a mensagem de Jorge Pinto parece acertar em cheio nas expetativas dos portugueses, que consideram que o próximo presidente da República deve intervir mais na condução dos assuntos do país. Pela mesma lente de análise, Catarina Martins parece ter apostado na mensagem da proximidade, que terá perdido valor em relação às anteriores presidenciais”. Agrupando as mensagens das candidaturas em campos simbólicos, Alda Telles deteta dois campos bem definidos e dois “outsiders”. “Um primeiro campo, o da continuidade, da autoridade e da confiança institucional onde se enquandram Seguro, Gouveia e Melo, Marques Mendes e António Filipe; um segundo campo, o da visão e da ação onde cabem Cotrim Figueiredo e Jorge Pinto; e um terceiro campo, solitário, o da afetividade e proximidade, o posicionamento escolhido por Catarina Martins que, ao optar por assinar simplesmente “Catarina” se apresenta como a irmã, a mãe ou a amiga, características que os portugueses não parecem privilegiar neste momento. . A familiaridade sem memória A politóloga Susana Rogeiro Nina insere estes materiais no quadro mais amplo da ciência política. E o que a literatura nos diz é simples: os cartazes continuam relevantes, mas não decisivos, servem três funções essenciais: visibilidade territorial, reforço identitário, lembrete de baixa intensidade. “Funcionam, sobretudo, através do efeito de exposição: quanto mais vemos um rosto, mais familiar ele se torna, e “por vezes, mais viável”. Depois, Nina analisa cada candidato: Marques Mendes, convertendo experiência em credibilidade; Ventura, num registo identitário e antagonista, coerente com o Chega; Gouveia e Melo, com independência patriótica; Catarina Martins, intimista e relacional; Cotrim, moderno e aspiracional; Seguro, discreto e institucional; António Filipe, fiel à sobriedade identitária do PCP; Jorge Pinto, focado apenas em existir no espaço visual. . E conclui com o diagnóstico final: “Mensagens muito breves, pouco diferenciadoras e com reduzido conteúdo substantivo”. Materiais “pouco memoráveis”, usados sobretudo para garantir presença — não mobilização. “No presente ciclo — marcado por um número invulgarmente elevado de candidatos, grande incerteza estratégica e a possibilidade real de segunda volta — muitos atores optam por mensagens neutras ou pouco arriscadas, evitando comprometer-se com clivagens fortes que possam limitar futuros apoios, o que contrasta com outros momentos da história eleitoral em que os cartazes presidenciais assumiram papéis mais estruturantes na definição simbólica das candidaturas, produzindo imagens e slogans marcantes”, diz. . Conclusão O que resta, ao cruzarmos estas quatro leituras, é a conclusão de que a campanha presidencial está cheia de imagem, mas vazia de voz. A democracia em outdoor é assim: gigantesca e silenciosa; visível e opaca; formalmente presente, materialmente ausente. Os cartazes estão ali, mas limitam-se a olhar para nós. E nós olhamos de volta, como descreve Bidarra, mas sem encontrar a tal “letra” que deveria acompanhar a música. No fim, fica a pergunta que a própria campanha nos devolve: “Olha para mim. “Já olhei. E então?”