Esta terça-feira, o Parlamento vai evocar os 50 anos do 25 de Novembro numa sessão solene que, de acordo com o que disse o ministro da Defesa, Nuno Melo, em agosto deste ano, quando foi anunciada a constituição de uma comissão que ficaria encarregue desta evocação, tem como objetivo cumprir a “obrigação” do Estado “em relação à celebração da democracia e liberdade em Portugal”. Ainda que esta data esteja a ser assinalada por decisão de uma maioria parlamentar, não há um consenso entre os partidos no que diz respeito à forma como este momento deve acontecer, e a trincheira entre direita e esquerda parece aumentar, com o PCP como única força política com representação parlamentar a recusar participar na cerimónia. O DN ouviu os partidos, que mostraram as suas perspetivas com variações que evidenciam a sua própria história.O que aconteceu naquele dia, há 50 anos? É preciso voltar um pouco atrás para levantar o véu de um momento que, ainda hoje, encerra mais perguntas do que respostas, mas a ideia predominante é de que foi uma tentativa de golpe militar levada a cabo por unidades alinhadas com a esquerda radical, que levou ao fim do PREC (Processo Revolucionário em Curso) e do chamado Verão Quente de 1975.Para o PS, que “teve um papel central no 25 de Novembro”, de acordo com o que disse ao DN o líder parlamentar do partido, Eurico Brilhante Dias, o 25 de Novembro e o 25 de Abril “não têm equivalência”.Segundo o deputado socialista, o 25 de Abril é o dia “inteiro e limpo de que fala Sophia de Mello Breyner Andresen” e que “acabou com a mais longa ditadura da Europa Ocidental”. No entanto, defende, “o 25 de Novembro foi um momento importante de reconciliação”, porque cumpriu o propósito de tornar Portugal “um país pluralista, democrático”, para além de ter conduzido à “adesão às, então, comunidades europeias, com Mário Soares”.O líder da bancada do PS lembra também o papel “daqueles que se afirmavam sociais-democratas, como o PPD/PSD, o CDS e o PCP, que era um partido central no combate ao fascismo e à ditadura, também no conjunto das forças democráticas, que mais tarde aprovaram a Constituição”.Já o PCP tem uma visão divergente em relação a esta celebração, considerando que as iniciativas previstas constituem “uma afronta ao 25 de Abril”. Num comunicado coletivo que o partido enviou ao DN, a bancada comunista diz, sem referir nomes de partidos, que há quem pretenda “reescrever a história, recorrendo até a falsidades e deturpações”, que incluem “falsas acusações ao PCP para disfarçarem os seus objetivos antidemocráticos”.Defendendo a ideia de que o objetivo é “tornar o 25 de Novembro naquilo que não foi, mas que gostavam que tivesse sido, que tivesse colocado em causa o regime democrático, que tivesse amputado as liberdades e ilegalizado o PCP”, os comunistas acrescentam que “a operação em curso [...] é um ajuste de contas com o 25 de Abril”.Por fim, o PCP lembra que foi o “25 de Abril que derrubou a ditadura fascista, que pôs fim à opressão e à repressão, que pôs fim à guerra colonial e que instaurou o regime democrático”.Também o BE tem uma perspetiva semelhante, mas, ao contrário do PCP, estará presente na cerimónia, “nem que seja para afirmar que o 25 de Novembro não vai apagar a memória e o significado do 25 de Abril”, explicou ao DN a coordenadora do partido, Mariana Mortágua, não hesitando, porém, em considerar “que é óbvio que o 25 de Novembro não merece ser assinalado em sessão solene e muito menos com a importância e a solenidade do 25 de Abril”. Para a líder do BE, “esta equiparação é uma inovação que a direita mais à direita está a tentar impor ao país, nomeadamente a direita que perdeu no 25 de Abril”.O PAN concorda que o Parlamento evoque a data, tal como defende “que deveria haver uma sessão solene a propósito dos 50 anos de sufrágio feminino em Portugal”, explica o partido numa nota enviada ao DN, frisando, no entanto, “que é no dia 25 de Abril que deve caber a celebração de todos os momentos marcantes da revolução, das suas conquistas como um todo e em toda a sua complexidade, incluindo o dia 25 de Novembro de 1975, em que o país seguiu definitivamente a via da democracia pluralista”.O deputado Filipe Sousa, do JPP, vincou ao DN que “defender a memória do 25 de Novembro é defender o futuro do país”, acrescentando que “dói ver como se volta a brincar com discursos incendiários, como se voltam a alimentar ódios, como se voltam a definir inimigos internos e traidores da pátria, como se a democracia fosse uma trincheira”.Assegurando que a IL “é o único partido que celebra publicamente os dois 25” - o de Abril e o de Novembro -, o deputado liberal Rodrigo Saraiva segue a via da história e defende que há também outras datas que devem ser referidas neste processo, como o 28 de Setembro de 1974, o 11 de Março de 1975, “porque foram golpes falhados”. “E depois acontece o 25 de Novembro, que é uma tentativa de golpe que foi derrotada, e a partir daí podemos dizer que entrámos no processo de democratização, até porque permite que em 76 tenhamos a Constituição”, explica. Entre outras datas, Rodrigo Saraiva lembra ainda que “o ano de 75, começa em 25 de janeiro com o cerco ao Palácio de Cristal, quando o CDS estava a fazer o seu primeiro congresso, que foi uma coisa inaceitável para quem é democrata”. Sobre a comemoração do 25 de Novembro, o deputado da IL observa que tal não tinha sido possível no período “em que o PS tinha maioria”, tendo esta possibilidade sido colocada em cima da mesa “assim que o enquadramento parlamentar permitiu”.É com a certeza de que agora o 25 de Novembro vai ser assinalado “de forma digna” que, numa nota enviado ao DN, o deputado Jorge Galveias, do Chega, defende que celebrar esta data é “colocar no seu devido lugar o 25 de Abril”, porque marca “o abortar de uma tentativa de golpe militar da extrema-esquerda”, para além de significar o fim do “PREC e do famigerado COPCON, o fim do chamado Verão Quente de 75, período que durou dezanove meses” e que implicou “ocupações de empresas e herdades, e as ameaças de morte aos empresários”.O DN contactou o PSD, CDS e Livre, mas não obteve resposta sobre a evocação desta data.Um dia que começou um ano e meio antes, há 50 anosResumidamente, depois das primeiras eleições livres, para a Assembleia Constituinte, a 25 de abril de 1975, o fosso entre as forças políticas aumentou, mas, como referiu a historiadora Maria Inácia Rezola ao DN em março deste ano, a propósito desse primeiro sufrágio em democracia, o momento marcou um braço de ferro entre as fações que consideravam como mais importante a “legitimidade eleitoral”, e as outras, que lutavam pela “legitimidade revolucionária”. Por outro lado, para compreender o 25 de Novembro, defende Maria Inácia Rezola, também é preciso analisar outras datas, porque “há uma cadeia de acontecimentos que não se podem isolar”.A 28 de setembro de 1974, houve uma primeira tentativa de conter o processo democrático que tinha começado em abril, protagonizada pelo então Presidente da República, António de Spínola, que tinha articulado uma manifestação em seu nome com movimentos de militares e com uma conspiração palaciana, tudo com o objetivo de derrubar o chefe do Governo da altura, Vasco Gonçalves, e dissolver a Comissão Coordenadora do Movimento das Forças Armadas (MFA).Este momento ficou conhecido para a história como a “maioria slienciosa”. Acabou por não ter o efeito desejado.Mais tarde, a 11 de março de 1975, uma segunda tentativa, mais uma vez protagonizada por Spínola, de promover um golpe de Estado, acabou por não atingir o objetivo, mas implicou movimentações militares de Tancos em direção ao Regimento de Artilharia de Lisboa, que acabou com um militar morto, mas sem alterações de regime, no plano formal.A consequência política foi uma nacionalização reativa da banca e dos seguros, protagonizada pela esquerda, e o início do chamado Verão Quente de 1975, que, em pleno PREC, acentuou a crispação entre os que defendiam a legitimidade eleitoral e a legitimidade revolucionária. Entre outros processos, há ataques a sedes do PCP e de partidos de esquerda radical, e também acontece o oposto. De qualquer modo, o processo culminaria com o afastamento de Vasco Gonçalves do Governo - mais tarde substituído por Pinheiro de Azevedo -, que em julho desse ano tinha proposto a concentração da autoridade no Conselho da Revolução, e o poder político num diretório que incluía o Presidente da República, Costa Gomes, e em Otelo Saraiva de Carvalho, comandante da Região Militar de Lisboa e do Comando Operacional do Continente (COPCON), que tutelava todas as forças de segurança e Forças Armadas.É neste ambiente que vários militares moderados, que integravam o Conselho da Revolução, liderados do ponto de vista operacional por Vasco Lourenço, mas a agir com um plano elaborado por Ramalho Eanes, avançam para uma proposta política que equilibrava os pontos de vista moderados e os da esquerda. É assim publicado, em agosto de 1975, no Jornal Novo, um documento na altura intitulado “Documento de Melo Antunes”, como referência a Ernesto Melo Antunes, um dos pricipais redatores do manifesto. Um dia depois, a mesma missiva volta a ser publicada, sob a designação “Documento dos Nove” - uma referência aos nove conselheiros da revolução Vasco Lourenço, Canto e Castro, Victor Crespo, Costa Neves, Melo Antunes, Victor Alves, Franco Charais, Pezarat Correia e Sousa e Castro -, que propunha que o país seguisse a via democrática. Os conselheiros acabariam por ser afastados, mas o paroxismo desta tensão entre fações, com a esquerda radical a tentar um golpe de Estado, seria acalmado pelos militares que apoiavam o “Grupo dos Nove”, que a 25 de Novembro de 1975 concretizariam o plano de Ramalho Eanes e manteriam a democracia conquistada um ano e meio antes..Governo cria comissão para celebrar 25 de Novembro. Educação sexual em Cidadania com dimensão "mais explícita".11 de Março: o dia de todas as “tensões” que só se resolveu a 25 de Novembro