S. Bento e a sede do PS terão sido palco de reuniões entre suspeitos

Alegados favorecimentos a empresas de lítio e hidrogénio verde envolvem altos responsáveis do governo, entre os quais o ministro João Galamba, o chefe de gabinete de António Costa, o ex-ministro João Pedro Matos Fernandes e o ex-secretário de Estado da Internacionalização, Jorge Costa e Oliveira. De acordo com a PGR, estarão em causa os crimes de prevaricação, de corrupção ativa e passiva de titular de cargo político e de tráfico de influência. António Costa demitiu-se, após o Ministério Público revelar que é alvo de investigação autónoma do Supremo Tribunal de Justiça sobre este assunto.
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"Nunca fui ouvido sobre esse processo absurdo, exatamente porque é absurdo e vazio", dizia o recém-nomeado ministro das Infraestruturas, João Galamba, no dia em que a Procuradoria-Geral da República (PGR) confirmava que corria termos no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) "um inquérito que investiga matéria relacionada com os chamados negócios do lítio e do hidrogénio verde".

Na altura, 3 de janeiro passado, citada pelo jornal Público, a PGR garantia que não havia ainda arguidos constituídos.

Mas nesta terça-feira, a investigação conduzida por três procuradores do DCIAP, João Paulo Centeno, Hugo Neto e Ricardo Lamas, provocou um terramoto político, com a demissão do primeiro-ministro, António Costa, depois de saber, através de um comunicado da PGR, que era alvo de uma investigação autónoma do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) sobre este assunto. Elevada gravidade das condutas criminosas em investigação, não só pela moldura penal, como pela danosidade social que acarreta, motivaram as buscas.

De acordo com a PGR, estarão em causa os crimes de prevaricação, de corrupção ativa e passiva de titular de cargo político e de tráfico de influência.

A investigação visa as concessões de exploração de lítio nas minas do Romano (Montalegre) e do Barroso (Boticas), um projeto de central de produção de energia a partir de hidrogénio em Sines e o projeto de construção de "data center" desenvolvido na Zona Industrial e Logística de Sines pela sociedade "Start Campus".

António Costa, que em 2020 já tinha sido identificado numa escuta, validada pelo STJ para a investigação do MP, em conversa com o então ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, sobre o negócio do lítio e do hidrogénio verde, viu agora duas pessoas que lhe são muito próximas serem detidas: o seu chefe de gabinete, Vítor Escária, e o seu padrinho de casamento e consultor Diogo Lacerda Machado, que trabalhava para a Start Campus.

De acordo com fontes judiciais que tiveram acesso ao fundamento dos mandados de busca, assinado pelos três referidos procuradores já no passado dia 25 de outubro, Lacerda Machado terá contactado várias vezes com Vítor Escária para que este interviesse junto a membros do Governo para desbloquear interesses da Start Campus.

Para justificar as inéditas buscas em S.Bento o DCIAP alegou ter provas que houve várias reuniões entre este consultor, o também detido administrador da Start Campus, Afonso Salema, e Escária, no gabinete deste, na residência oficial do primeiro-ministro.

Também foi considerado pelos procuradores que deviam ser feitas buscas à sede do PS, no Largo do Rato, Lisboa, por terem registos - boa parte através de escutas telefónicas - de que Escária e Salema ali se reuniram.

No total, foram cinco os detidos, entre os quais está também o presidente da Câmara Municipal de Sines. João Galamba e o presidente da Associação Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta, foram constituídos arguidos.

Segundo é alegado no processo, a pressão e a influência eram constantes para a empresas alcançarem os seus objetivos, incluindo diversos jantares e almoços pagos pelos administradores da Start Campus a João Galamba. Segundo a investigação, que começou em 2020, tendo como alvo o então ex-ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, e o, na altura, secretário de Estado da Energia, João Galamba.

Este processo foi revelado pela revista Sábado, que juntava o ex-ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, às figuras sob investigação por "tráfico de influências, corrupção e outros crimes económico financeiros" em alegados favorecimentos a um consórcio EDP/GALP/REN para a produção de hidrogénio verde.

O envolvimento do ex-ministro Matos Fernandes estará também relacionado com a sua ação nos processos de aprovação de legislação na área dos resíduos.

Depois de sair do governo, sublinham as referidas fontes judiciais, foi contratado pela Abreu Advogados, onde presta assessoria a diversas empresas de resíduos e a Associação das Empresas de Gestão de Resíduos não perigosos, áreas que tutelava diretamente no governo.

Esta sociedade de advogados seria, aliás, terão constatado os procuradores, o destino de Nuno Lacasta quando deixasse a APA. Situação que será referida no processo e que é alvo de investigação também para saber quais as motivações e ganhos.

As influências tiveram os seus resultados, segundo a investigação, com a cumplicidade de dirigentes de vários organismos: a empresa conseguiu a dispensa de avaliação impacte ambiental, na primeira fase do projeto, e uma declaração positiva depois.

No caso da exploração do lítio que envolve alegados favorecimentos à empresa Lusorecursos, as suspeitas sobre Galamba foram reveladas já em 2019, no programa da RTP "Sexta às 9".

Em reação, recorde-se, o atual ministro das Infraestruturas classificou o programa coordenado por Sandra Felgueiras de "estrume". "Lamento, mas estrume só mesmo essa coisa asquerosa que quer ser considerada um programa de informação", afirmou.

Neste processo entra um novo personagem, que deverá estar entre os arguidos, que é Jorge Costa e Oliveira, que foi secretário de Estado da Internacionalização.

O DCIAP constatou que foi contratado pela "Lusorecursos Portugal Lithium" como consultor financeiro. Costa e Oliveira, sublinhe-se, foi sempre considerado muito próximo de António Costa e foi afastado do governo, na sequência do seu envolvimento no caso dos bilhetes para o campeonato europeu de futebol oferecidos pela Galp, no qual Vítor Escária também esteve envolvido.

O MP suspeita que este ex-governante foi contratado informalmente pela Luso Recursos, ainda antes de 2018, para fazer lobby no governo em favor desta empresa.

Foi assinado um contrato a 28 de março de 2019 para a exploração de uma mina em Montalegre entre a Lusorecursos - criada três dias antes - e a Direção-Geral de Energia, depois da luz verde dada pelo então secretário de Estado, João Galamba, que o DCIAP considera suspeito, tal como o processo de avaliação de impacto ambiental.

Em relação à mina do Barroso, em Boticas, há também suspeitas de ilegalidades na concessão à empresa "Savannah", designadamente que o Estado possa ter pressionado, através de Matos Fernandes e de João Galamba, e Rui Oliveira Neves, então diretor da GALP, a entrada da petrolífera na participação da firma.

O MP alega que João Galamba terá interferido nas decisões de avaliação ambiental. Apesar de pareceres técnicos negativos contra a ampliação da mina do Barroso, a 30 de maio de 2023 a APA emitiu parecer favorável, condicionado a um conjunto de alterações.

Os procuradores terão verificado que entre junho de 2022 e maio de 2023 houve "negociações" entre a Savannah, a Câmara de Boticas e João Galamba, visando a construção pela empresa de uma estrada de 20 milhões de euros para a Câmara não se opor à exploração do lítio - o que não terá sido conseguido.

Em reação ao parecer da APA, o autarca, Fernando Quiroga, manifestou a sua "tristeza e preocupação", reforçando a sua posição, segundo a qual a mina "vai pôr em causa o investimento que Boticas tem seguido e que é baseado na agricultura, na pecuário e no turismo".

No total, sob a direção do DCIAP e o apoio da PSP e da Autoridade Tributária (AT) foram realizadas 17 buscas domiciliárias, cinco buscas em escritório e domicílio de advogado e 20 buscas não domiciliárias, nomeadamente, em espaços utilizados pelo chefe do gabinete do primeiro-ministro; no Ministério do Ambiente e da Ação Climática; no Ministério das Infraestruturas e na Secretaria de Estado da Energia e Clima; na Câmara Municipal de Sines e na sede de outras entidades públicas e de empresas.

Participara 17 magistrados do MP, três magistrados judiciais, dois representantes da Ordem dos Advogados, cerca de 145 elementos da PSP e nove da AT.

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