Temos um novo procurador geral da República, Amadeu Guerra, que tomou posse sábado e traçou como linha vermelha qualquer alteração ao estatuto do MP. Estaria a pensar numa alteração ao Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), deixando de ser maioritários os procuradores? Concorda? A linha vermelha que o Dr. Amadeu Guerra referiu foi traçada um bocadinho a montante. Foi a da independência do Ministério Público (MP) e da autonomia dos seus magistrados, o que me parece algo inquestionável, pois tem a garantia na Constituição. Não sendo percetível, espero, uma revisão da Constituição, aquilo que poderá acontecer, porque exige uma maioria simples, é uma alteração do Estatuto do Ministério Público. Quais são os alertas? Algumas intenções declaradas ou mesmo pressões que podemos hoje assistir, passam por vários aspetos que podem modificar diferentes componentes da autonomia do MP..Quer sinalizar? Poderá ser nomeadamente na composição do Conselho. Poderá ser a um nível de de alguns poderes, não sei quais. Do Ministro da Justiça, ou melhor, do Governo através do ministro da Justiça, no funcionamento do MP, o que seria um grande retrocesso face à evolução que tem acontecido e que poderá ser mesmo no equilíbrio que o Estatuto faz entre duas componentes essenciais caracterizadores do MP: a hierarquia e a autonomia. Quanto à composição do Conselho, não creio que seja uma boa ideia. Vai contra as recomendações internacionais que, ao nível do Conselho da Europa, por exemplo, da Comissão de Veneza para a defesa do Estado de Direito. Não resolvendo nenhum problema, porque não vai resolver, poderia criar muitos problemas porque numa magistratura como a do MP, hierarquizada, o controlo externo político do CSMP, através da sua composição, pode, na prática, condicionar todo o funcionamento do MP. Pensemos, por exemplo, que o Conselho determinaria que no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), onde são tramitados os processos criminais mais complexos, bastariam estar cinco magistrados. Isso, na prática, significaria que o DCIAP ficaria totalmente incapaz de funcionar para a sua missão. Poderá dizer que a Lei diz que a composição do DCIAP é maior do que isso. Mas numa situação de carência de quadros como aquela que existe, haveria toda a formal justificação para dizer não. Os magistrados estão aqui a mais, serão colocados noutros sítios onde fazem mais falta. E com uma medida destas o DCIAP deixaria de funcionar e não sendo ali investigados, tais crimes não seriam investigados em mais lado nenhum, porque não haveria condições práticas para isso. Um magistrado isolado e, como aliás os últimos tempos vêm revelando, não será capaz de ter condições para tratar devidamente toda a informação necessária numa investigação desse tipo. Este é um pequeno exemplo para dizer que o controlo da composição do Conselho é importantíssimo. Por outro lado, o CSMP já hoje tem sete pessoas nomeadas ou pelo Parlamento ou pelo Ministro da Justiça..Mas não não maioritárias... Não são maioritárias, em conformidade com as recomendações internacionais. E verdadeiramente, ninguém aponta um concreto problema ou que essas pessoas deveriam ser mais para controlar. Para que o efeito? Para controlar o poder disciplinar, de classificação, que também é a competência do Conselho? Há alguma queixa de que essas pessoas sejam insuficientes? Elas costumam votar sempre vencidas, quer nas sessões de classificação, quer disciplinar? Isso não acontece..Mas não seria mais saudável que esse escrutínio ao desempenho do MP fosse feito por figuras que não fossem do próprio do MP? Não estão a julgar em causa própria? Repare, são sete pessoas que estão lá. Se é para ter acesso à informação, há alguma falha aí? Em todas as suas reuniões do CSMP, quer em plenário, quer no Conselho Permanente, é feito um boletim, um documento informativo que, preservando o segredo que há que ser preservado, quando é o caso, é público. Há um relatório anual. É necessário mais informação? Tem sido negada? Creio que não. Que outro tipo de controle se quer, então? Isto não é um órgão de fiscalização, é um órgão de gestão administrativa do MP. Tudo aquilo que é processual compete ao Procurador-Geral e aos demais graus da hierarquia do MP. São funções que condicionam toda a atividade do MP, na colocação dos magistrados, na definição de instruções para o seu funcionamento, na classificação, no exercício do poder disciplinar. É importantíssimo. A fiscalização do MP, a processual, é feita no processo por quem a deve fazer, que é o juiz. O MP não tem poder de decisão final. Tem poder de decisão intermédia. É tudo sujeito a avaliação posterior, ou pelo menos as decisões..A ministra da Justiça, Rita Júdice, quando falou na substituição da anterior Procuradora-Geral da República, disse que era preciso alguém que pusesse “a casa em ordem”. Amadeu Guerra é a pessoa certa para pôr a casa em ordem? O que é preciso pôr em ordem na casa? Não sei em estaria a pensar a senhora ministra da Justiça. Mas à ordem contrapõe-se desordem. E essa ideia, dada como inquestionável, de que haveria uma subversão nos princípios do MP e que o MP não estaria a funcionar como uma estrutura hierarquizada, não tem qualquer contacto com a realidade. Não é assim. O MP tem uma hierarquia que deve atuar nos termos da lei, sempre que necessário. O estatuto que temos em vigor há cerca de quatro anos, é aquele que, na prática, mais graus hierárquicos prevê, que mais facilmente permite o exercício das funções hierárquicas. O que não permite é uma hierarquia que não é a do MP, que não é aquela que está a pensar a Constituição e no Estatuto. Isso não permite. Não creio que haja qualquer desordem. Necessidade de maior coordenação, isso é uma coisa diferente. Isso existe sempre..Não há nada para pôr em ordem, então, na sua opinião? Há muito para melhorar. Há uma coordenação que deve sempre ser melhor do que aquela que existe. A hierarquia do MP serve para permitir a coordenação na ação. Agora é completamente irrealista a ideia de que o Procurador-Geral controla tudo aquilo que é feito no MP..Estamos a falar de processos mais complexos, com impacto mediático, que criam alarme social? Esse é um outro dos problemas que acontece quando se fala hoje do MP. Porque fala-se de todo o MP quando se está a falar apenas de meia dúzia de processos. E quando, numa estrutura que tem 1700 magistrados, mais ou menos, em que só na área criminal são tramitados anualmente perto de 1 milhão de processos..O que está em causa são processos mais complexos e mediáticos... Mas quem fala não fala sobre isso, porque então, se calhar, o que há necessidade é de olhar para os procedimentos em alguns tipos de processos. Aí admito que, como admitem todos, que haja a necessidade de melhorar a coordenação na ação. E isso passa por exercício de poderes hierárquicos. As falhas que foram apontadas, nomeadamente, dos processos, não se verificam qualquer problema desses, porque o DCIAP tem poucos magistrados. Tem um diretor que responde diretamente perante o Procurador-Geral. Houve alguma falha nesta cadeia hierárquica que só tem três níveis? Não é do conhecimento público. Eu certamente não estou lá. Não conheço. Mas do conhecimento público, daquilo que eu vejo na comunicação social não existe..A anterior Procuradora-Geral, Lucília Gago, quis clarificar o exercício do poder hierárquico através de uma diretiva interna, e foi barrada pelo Sindicato... Primeiro, o que está em causa é uma diretiva, que é um documento normativo, ou seja, que tem normas, que é geral e abstrato. Não foi para nenhum caso em concreto....Foi na sequência de um caso em concreto, o de Tancos... Mal ou bem, é outra questão. Foi impedido um conjunto de atos. Mal ou bem, foi impedido um conjunto de atos. Foi feito um documento normativo. Primeiro, que gerou polémica. A senhora Procuradora-Geral suspendeu. Pediu um novo parecer ao Conselho Consultivo do Ministério Público. Fez nova diretiva. Essa diretiva está em vigor. Por isso não se impediu nada. Essa está em vigor. É essa diretiva a que muitos apelam e veem como um instrumento salvador de tudo, não tem o conteúdo que pensam que tem. Essa diretiva, primeiro, só permite a intervenção hierárquica com a componente prévia, ou seja, determinação daquilo que vai ser feito. Não permite uma intervenção hierárquica posterior. Não permite, por exemplo, ao superior hierárquico revogar um ato já praticado. A necessidade dessa diretiva é o facto de ter sido objeto de uma ação de impugnação que ainda não está decidida. Por isso, a diretiva está em vigor com essa necessidade, ou melhor, há necessidade dela para impedir algumas coisas. Está completamente errado porque a diretiva não o permite. A diretiva só prevê a intervenção do imediato superior hierárquico. Ou seja, se for aqui no DIAP de Lisboa Lisboa, há lá na secção, numa secção qualquer, um magistrado que quer praticar um ato. A intervenção é do coordenador da secção. Já não há mais. Não vem até ao Procurador-Geral. Aquilo que se diz é que é preciso para que todos atuem como um corpo único. Não há nada que o permita. Nem será possível por uma razão muito simples. O MP não fabrica sapatos, não fabrica chouriços. São casos de Justiça e os casos de Justiça, contrariamente aos sapatos e aos chouriços, são todos diferentes. Por isso não é possível, num sistema destes em que há 1700 magistrados, deixar de confiar em cada um, porque cada caso é único. Há mecanismos para a coordenação, para uniformizar procedimentos para até detetar procedimentos que estão incorretos. Agora, a ideia de que todos os magistrados são um veículo de transmissão da vontade do Procurador-Geral é completamente desenquadrada do quadro legal..Mas não é legítimo haver uma maior atenção naqueles casos mediáticos que envolvam figuras públicas, que envolvam um primeiro ministro, por exemplo? Todos os casos são iguais nos princípios. Todos devem obediência aos mesmos princípios qualidade, rigor, proporcionalidade. Não dão todos o mesmo trabalho. É a mesma coisa que um cirurgião que vai tirar um pequeno sinal e um cirurgião que vai fazer uma operação ao coração. Os mesmos princípios éticos e técnicos devem ser cumpridos, não requerem o mesmo trabalho, não requerem a mesma atenção. É a mesma coisa com os processos. Requerem uma atenção especial, porque são mais complexos, porque são mais delicados por muitas razões, e também requerem do Procurador-Geral. Sem dúvida nenhuma, requerem do diretor do DCIAP, do diretor do DIAP Regional de Lisboa, do Porto, de Coimbra. Requerem, evidentemente, um acompanhamento mais próximo. Isso para mim é inquestionável. E isso não viola a hierarquia, porque no Ministério Público nós temos hierarquia e autonomia. Também responsabilidade. Muitas vezes falam da responsabilidade dos magistrados do MP. Para haver responsabilidade tem de haver autonomia. Porque se não houver, se são todos meros executores da vontade de alguém que está acima, responsável é quem vai mandar, não é quem vai ter o processo e quem vai mandar nunca consegue conhecer todos os processos, mesmo que sejam poucos como os seus titulares. E essa intervenção superior não pode ser para ordenar todos os atos do processo, porque isso subverte toda a estrutura o processo penal até..Mas, por exemplo quando a conclusão de um magistrado no inquérito e proposta de medidas de coação é totalmente contrariada, depois, em sede do juiz de instrução ou depois, mais tarde, até em tribunal, com absolvições, etc. Não deve haver também uma responsabilização dos magistrados que conduziram estes inquéritos? Duas coisas distintas. Uma é essa responsabilização. Tenho as maiores dúvidas que possa acontecer, a não ser nos casos previstos na lei que é. Houve alguma atuação incompetente por negligência? Por falta de zelo? Falta de diligência? Outra coisa diferente que falta ao MP, desde há muito tempo e continua a faltar hoje é um permanente espírito e ação para aprender com o que se faz mal. Isso tem faltado. O MP tem de aprender, tem de aproveitar o seu conhecimento e hoje não aproveita muito porque faltam ferramentas para tal. Uma instituição com 1700 membros podem andar todos a fazer a mesma coisa, todos a estudar a mesma questão, o que é uma grande ineficiência. E depois? A aprendizagem com o erro, porque é que correu mal? O que é que falhou? Pode-se concluir que não falhou nada. Muitas vezes esta decisão não foi acolhida pelo juiz de instrução, mas depois tem-se sucesso. E nós já vimos isto muitas vezes. .E o contrário. E o contrário também. Tem faltado claramente essa avaliação. É um diagnóstico que está feito há muito tempo e tem faltado no MP. Essa vontade de aprender, de corrigir. O que é que falhou? O que é que correu muito bem aqui? Isto tem sucesso, isto não tem sucesso. Porquê? Isso tem de ser importante..Foi determinado pelo Conselho Superior do Ministério Público uma inspeção extraordinária ao DCIAP e outras DIAP regionais. Um dos pontos é identificar as causas da demora de alguns processos, os chamados “prazos geriátricos”. Acha que, de facto, há nos procedimentos matérias que tem que ser revistas e encontrar outras formas? A principal função das inspeções não é, contrariamente ao que se possa pensar, de avaliar os magistrados para a sua classificação. É, antes de mais, fazer o diagnóstico do estado dos serviços. Há alguns sinais preocupantes quanto a demora de alguns processos. Há que ver quais são essas causas para ver se elas podem ser corrigidas, se elas são internas, se são externas. Algumas são evidentes. A falta de magistrados, de funcionários, hoje está a levar a que estejam muitos processos parados, milhares de processos parados, muito tempo parados, por todos os departamentos..No DCIAP há processos há 10, 12 anos... Há outras causas também. Acho que deve ser feito um diagnóstico claro e creio que certamente o Dr. Amadeu Guerra ficará muito satisfeito em conhecer os resultados, porque lhe vai permitir agir, ver quais são as causas para isto. Há algo que deve ser mudado. Qual é o espírito? Sem querer dar algum conselho ao Dr. Amadeu Guerra, aquele que nós falávamos: a vontade permanente de melhorar e para melhorar temos de saber o que é que estamos a fazer mal, e certamente que estamos. .Alguns dos processos que ainda estão por concluir já foram iniciados no tempo em que Amadeu Guerra estava no DCIAP… Vai conseguir identificar os erros e conseguir corrigi-los? Certamente ele terá já a sua perceção com conhecimento concreto sobre alguns problemas. Esta inspeção vai dar-lhe outra visão, mais abrangente, mais atual sobre o que há a fazer nessas áreas. E nenhum magistrado deve temer temer isso..Uma das críticas que foi feita ao mandato da anterior Procuradora-Geral teve a ver com a comunicação e foi um dos requisitos também que a Ministra da Justiça tinha indicado para a escolha do novo PGR. Sendo Amadeu Guerra uma pessoa reservada, como é que vai conseguir fazer essa evolução? Creio que ele tem essa consciência e certamente fará por haver essa comunicação que falta ao MP. Inquestionavelmente tem faltado. Não é uma comunicação do Procurador-Geral. É uma comunicação do MP que pode ser feita pelo Procurador-Geral ou pela Procuradoria-Geral, em diferentes níveis. É aquilo que eu defendo e defendo desde há muito tempo, é e que deve ser feita a todos os níveis. Tem de haver uma comunicação local ao nível da comarca, com os órgãos de comunicação locais para chegar às pessoas locais em assuntos que só interessam àquela comunidade. Claro que há assuntos que se passam na comarca que interessam ao país todo, mas tem de haver comunicação a todos os níveis, porque o MP é a magistratura do povo. É um interface entre as pessoas e os tribunais. As pessoas têm de poder confiar no MP e para isso têm de conhecer o Ministério Público. Tem que conhecer a sua atividade. O Ministério Público tem de comunicar diretamente com as pessoas. E hoje há muitas formas de o fazer. Não ficar totalmente, de modo algum , dependente da comunicação social. Terá de haver, creio, uma estratégia de comunicação de alto a baixo, ou seja, desde o nível mais perto das pessoas até ao nível da Procuradoria-Geral da República. Isto é, creio que é inquestionável na condição de confiança no funcionamento..No discurso da tomada de posse do Amadeu Guerra falou na necessidade de recuperar a credibilidade, a confiança e a imagem do MP que ficou abalada nos últimos tempos. Quais acha que devem ser as prioridades neste momento? Do Dr. Amadeu Guerra ou do Ministério Público?.O que é que identifica neste momento no MP que seja preciso tratar com a maior urgência? Ao nível da comunicação?.Ao nível da organização, também.... Não quero dar conselhos sobre as prioridades ao Dr. Amadeu Guerra..Ele próprio identificou algumas prioridades. Uma prioridade com o segredo de justiça, assumindo o problema. Apesar de não ser um problema exclusivo do MP, é um problema que também afeta o MP. Não há classes inocentes ou classes culpadas. Há pessoas inocentes e há pessoas culpadas. Todos tem problemas. O Dr. Amadeu Guerra deu um passo importante ao assumir desde logo isso no discurso de posse. Identificou prioridades também na área criminal. A violência doméstica continua a ser um grande flagelo. Os números mostram que, logo a seguir, a cibercriminalidade, por razões óbvias, é um crime que continua no topo das comunicações que são feitas ao Ministério Público. Continua a evoluir. Mas também assumiu claramente, e bem, porque o último relatório da Procuradoria-Geral revela que criminalidade económico financeira participada está a aumentar e há que lhe dar a devida atenção. .E nas próprias investigações. Amadeu Guerra até apontou que iria tornar ou tinha intenção de tornar efetivo o envolvimento da Polícia Judiciária, tendo em conta todos os novos meios que tem, nessas investigações... Sim..Concorda? A PJ está especialmente bem preparada para isso e deve ser aproveitada porque a relação entre o Ministério Público e os órgãos de polícia criminal deve ser grande proximidade . Com a Polícia Judiciária deve ser ainda de maior proximidade, de grande, grande proximidade. A Polícia Judiciária é Judiciária, é uma polícia do Judiciário que está só ao serviço da Justiça..É o natural não é? Essa relação tem de ser muito, muito próxima, particularmente em todos os tipos de processos mais complexos..Em relação às propostas legislativas do atual governo no combate à corrupção, qual a sua opinião, uma vez que foi coautor de um livro, precisamente, sobre a legislação de combate à corrupção? Ainda são muito poucas e estão muito incipientes. São mais umas ideias. Há poucas concretizações no combate à corrupção nesta altura. Acho que é importante perceber da estratégia que foi definida em 2021 o que foi criado. Que resultados tem tido esta avaliação? Um mecanismo de combate à corrupção? Resultados? Nada. Os programas de cumprimento normativo. Quais são os resultados? Não se sabe nada. E isso é muito importante por causa da prevenção. A prevenção é sempre o essencial e nós não sabemos nada. O que é que está a resultar em termos de prevenção? Por outro lado, é inquestionável a quem está na prática que o Código de Processo Penal precisa de ser adaptado à realidade atual. Ele foi pensado para há muito tempo e foi muito inovador. E é um excelente código. Tem sido objeto de alterações algumas nos últimos tempos, que foram terríveis para o funcionamento, com consequências dramáticas no funcionamento dos processos com atrasos. Aquelas feitas em 2021. Alguns têm essas consequências. O Código de Processo Penal precisa de ser adaptado aos tempos modernos, não se não sacrificando garantias, de modo algum, mas permitindo que seja mais fluido. Acho que hoje é inquestionável que um código que tem de ser o mesmo código para o pequeno problema de vizinhança e é o mesmo código para um processo como hoje começou o julgamento (caso BES) tem de ter mecanismos que permitem essa adaptação. É o que a experiência tem revelado. E tem de se confiar mais no juiz, nos poderes do juiz, na gestão da audiência, na determinação dos atos a praticar. Tem de se aproveitar mais a prova que foi recolhida no inquérito. Na instrução tem de se ponderar qual a sua necessidade e aí distinguindo claramente, em caso de arquivamento pelo MP. Quando é o assistente que quer que o juiz pronuncie para haver julgamento, é uma situação. Em caso de acusação, é outra. E nós temos de voltar, parece-me hoje, claro, ao espírito inicial do legislador, que era o espírito do professor Figueiredo Dias, como ele muitas vezes o disse. Que em caso de acusação, a instrução é para comprovar. Só para uma nova apreciação daquilo que existe. Não é para fazer um pré-julgamento, como muitas vezes é feito. Nem é para fazer uma continuação da investigação. É aquilo que está. Permite ou não, tem o mínimo para julgamento. E é isso que o Tribunal Constitucional tem exigido. E nós temos de ser mais eficientes no aproveitamento dos nossos meios, porque senão os processos não terminam hoje..No dia em estamos a gravar esta entrevista iniciou o julgamento do caso BES, 10 anos depois dos factos. Isso diz o quê da nossa Justiça? Diz que que é de grande dificuldade a investigação em Portugal, em qualquer parte do mundo, quando nós precisamos de recolher provas um pouco por todo o mundo. Isso é igual em todas as partes do mundo. Ficamos todos dependentes uns dos outros. E os sistemas de cooperação judiciária em matéria penal são melhores no âmbito da União Europeia. No resto do mundo continuam todos muito frágeis e isso gera grandes atrasos. Por outro lado, depois temos o problema da instrução, temos os problemas das notificações, temos o problema da repetição de atos - e nós temos tantos. Este processo vai ser um ótimo processo para depois analisar quais são os problemas que geram estes atrasos. Nós hoje, enquanto país, não temos um código que permita tratar devidamente isso. E outra coisa que nós não temos também é um sistema informático que seja uma verdadeira ferramenta de produtividade. Sei que o que este processo também revela é que se fosse com o CITIUS digital era absolutamente ingerível..Os juízes vão ter acesso digitalmente às provas por processo. Foi utilizada uma outra aplicação que foi feita por um juiz, António Gomes e dois agentes da PSP que são excelentes, que fizeram isso e que tem permitido fazer aquilo que o CITIUS não faz, que é o tratamento e a apresentação da prova da informação..O que devia ser básico não é? Evidentemente, em todos os processos. O CITIUS foi pensado há muito tempo. Hoje está completamente arcaico. Não permite fazer nada disto. A linguagem, a própria tecnologia envolvida está completamente ultrapassada. Aquilo que está a ser feito no âmbito do Ministério da Justiça no âmbito do IGFEJ (Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça) são apenas novos interfaces. Mas o problema é que o carro velho, que é quase uma carroça, continua lá. Depois dá-se uma roupagem, uma pintura diferente e que ainda não chegou sequer àquilo que é autorizado pelo Ministério Público, mas é insuficiente para tratar de processos desta complexidade. Vai lançar no próximo mês um livro sobre medidas de coação? Porquê?É um tema importantíssimo e um dos grandes pontos de stress do processo penal. Stress para a investigação. Stress para o arguido que pode ser sujeito a medidas de coação, que vão até à prisão preventiva em que o recurso tem efeito meramente evolutivo, não suspende a execução, como é natural, e é uma matéria importantíssima, complexa, que envolve do processo mais simples ao processo mais complexo..A quem é que se dirige este livro? O interesse é para todos, para magistrados, para advogados, para o cidadão, para os jornalistas. Porque está escrito de uma forma muito clara, identificando os problemas, dando respostas..Mas é uma explicação sobre a aplicação das medidas de coação? Trata por completo, de acordo com as minhas capacidades, o problema. Desde os grandes princípios às questões mais práticas em todas as áreas, até nas contraordenações, ainda que de forma mais superficial, nos processos estrangeiros, nos processos de proteção internacional, os asilos, trata de tudo. Ou melhor, eu quis tratar de tudo. Penso que tratei de tudo mal ou bem. Dirá o leitor. E levantando as questões, apresentando respostas, as minhas respostas , as respostas da doutrina, as respostas da jurisprudência. Creio que será de grande utilidade para todos naquele tema hoje central no processo penal.