PS exige reunião sobre suspeitas de corrupção na Câmara de Ovar e fala em “promiscuidade”
André Gouveia / Global Imagens

PS exige reunião sobre suspeitas de corrupção na Câmara de Ovar e fala em “promiscuidade”

Denúncia anónima noticiada pelo DN leva vereador do PS a pedir esclarecimentos sobre a requalificação do Esmoriztur, uma obra na qual o município já gastou 1,2 milhões e prevê gastar 4 milhões no total.
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O processo de requalificação do edifício Esmoriztur, em Ovar, vai ser um dos pontos da próxima reunião de Câmara. A oposição exige esclarecimentos, depois de o DN ter avançado que a obra é referida numa denúncia anónima feita ao Ministério Público na qual se acusa o então presidente da Câmara de Ovar, Salvador Malheiro, de receber 120 mil euros em envelopes em troca da adjudicação a uma empresa ligada ao empreiteiro José Barros de Sousa.

“Queremos que este nevoeiro se esclareça de uma vez por todas”, diz ao DN Alcides Alves, vereador do PS em Ovar, que começou por pedir uma reunião extraordinária de Câmara só para debater este assunto. Domingos Silva, que era vice-presidente da Câmara de Ovar e está hoje a substituir Malheiro (com mandato suspenso por ser o número quatro da lista da AD por Aveiro), preferiu incluir o tema na ordem de trabalhos já da próxima reunião de Câmara, que está marcada para dia 22 e que será pública.

PS tem dúvidas sobre projetos

A primeira questão que Alcides Alves quer ver esclarecida prende-se com a forma como a Câmara decidiu em 2021 pedir um novo projeto ao atelier de arquitetura Cotefis Gestão de Projetos SA, o mesmo que tinha feito o projeto inicial. “A primeira pergunta é qual é a diferença entre o primeiro e o segundo projeto e o é que levou a Câmara a mudar de projeto. Por aqui já se vai ver alguma coisa. Não posso dizer que são iguais, mas gostava que me dissessem qual é a diferença”, avança o vereador do PS ao DN.

Em 2016 o atelier tinha recebido 19 750 euros pelo trabalho, cinco anos mais tarde e depois de a Câmara ter tomado posse administrativa da obra por dificuldades financeiras do empreiteiro, a mesma empresa recebeu 48 805 euros, por este novo projeto, como consta do Portal Base. 

Domingos Silva já tinha dito ao DN que a explicação para este novo projeto tem que ver com ambição. “Não estava previsto ser tão ambicioso. Tivemos um grande upgrade em termos de mecânica de cena”, afirmou quando questionado. 

No entanto, Alcides Alves não está satisfeito e exige ver “todos os documentos” relacionados com o Esmoriztur, mas também levar a esta reunião de Câmara “todos os técnicos da autarquia que estiveram envolvidos no processo”. Alcides Alves diz ser “inaceitável” a ideia de que um autarca possa receber dinheiro em envelopes para adjudicar uma obra. 

Salvador Malheiro, por seu lado, refuta por completo essa acusação, que consta da denúncia anónima, assegurando que o processo do Esmoriztur foi “cristalino” e acusando a pessoa que aparece identificada como tendo sido o intermediário das entregas – Mário Monteiro, ex-militante do PSD e atual líder do Chega Ovar – de não ter credibilidade. “Está numa cruzada e não é de agora”, vinca.

Também José Pinto, Chefe de Divisão de Obras, recusa qualquer irregularidade no processo. “Da minha parte zero. É um processo que teve intervenção e visto do Tribunal de Contas, foi tudo visto”, afirma ao DN, assegurando não temer a comissão eventual pedida pela oposição na Assembleia Municipal.

“Rede de promiscuidade”?

Na denúncia anónima a que o DN teve acesso, fala-se na existência de uma “rede de financiamento e promiscuidade em Ovar”. Um dos exemplos referidos é o de Manuel Oliveira Dias, que foi mandatário da candidatura autárquica de Salvador Malheiro, e que entre 2016 e 2021 assinou contratos com a autarquia no valor total de 285 573,6, sempre por ajustes diretos e sempre com o mesmo objeto, a “aquisição de serviços em regime de avença de patrocínio judiciário do município de Ovar nas instâncias contenciosas administrativas e fiscais e apoio jurídico na organização e promoção de atos do registo predial”.

Além de Manuel Oliveira Dias, também o seu filho, Manuel Pedro Vitoriano de Oliveira Dias, assinou contrato com a Câmara em fevereiro de 2021, no valor de 6800 euros, e em fevereiro de 2023, no valor de 4600 euros, sempre para a “aquisição de serviços para a realização de vídeos resumo de eventos e vídeos de reportagem”. A sua filha, Carla Oliveira Dias, está nos quadros da Câmara desde 2014, segundo a denúncia anónima, “já após Domingos Silva e Manuel Oliveira Dias trabalharem  em conjunto no PSD e na Câmara de Ovar”.

Contactado pelo DN, Oliveira Dias começou por recusar comentar. “Sou advogado da Câmara e, como tal, não posso nem devo emitir qualquer qualquer opinião”, disse, frisando já ter avenças com a autarquia de Ovar “há muitos anos e com outros presidentes”, inclusive o socialista Manuel Oliveira.
O advogado rejeita que haja alguma ligação entre a sua relação com o PSD Ovar e os trabalhos dos filhos na Câmara. “Quanto aos meus filhos, não tenho nada que ver com isso. Concorreram como toda a gente. Acho que é público”.

Apesar desses esclarecimentos, Alcides Alves diz que “é patente que há uma teia” que une o PSD Ovar à Câmara. “Basta ver os empregos”, acusa, notando que Manuel Oliveira Dias devia ter deixado de ter contratos de avença com a autarquia depois de ter sido mandatário de Salvador Malheiro. “Se é mandatário não pode depois ter relações laborais com a Câmara. É uma promiscuidade enorme”, ataca o vereador do PS, que também não entende o motivo da contratação do filho do advogado. “A Câmara já tinha dois fotógrafos, fica com três”, nota.

Contactado pelo DN, Domingos Silva remeteu esclarecimentos adicionais sobre este caso para uma resposta por escrito do seu gabinete, que foi solicitada, mas que não chegou a tempo do fecho desta edição.

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