"Os Verdes" deixaram o Parlamento em 2022, e a CDU, a coligação que mantêm com o PCP, perdeu metade dos mandatos.
"Os Verdes" deixaram o Parlamento em 2022, e a CDU, a coligação que mantêm com o PCP, perdeu metade dos mandatos.Neverfall / Global Imagens

PEV define as metas para março: “Acabar com a maioria do PS e derrotar a direita”

Longe do Parlamento desde janeiro de 2022, o Partido Ecologista “Os Verdes” deixou de “ter esse espaço institucional de intervenção”, mas manteve o contacto direto com as pessoas, lembrou ao DN a antiga deputada Heloísa Apolónia, enquanto prepara o regresso ao hemiciclo num novo ciclo político.
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"Nós éramos, e sempre fomos a voz, na Assembleia da República, quem ligou a justiça ambiental e a justiça social, e isso é extraordinariamente importante”, explicou ao DN a antiga deputada do Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV) Heloísa Apolónia, quando questionada sobre se o espaço do partido, entretanto, foi ocupado por outras forças políticas, como o PAN. A resposta completa foi incisiva: “Discordo totalmente.”


O PEV foi fundado em 1982, sob a designação de Movimento Ecologista Português - Partido “Os Verdes”. De acordo com uma nota sobre a sua história, publicada na página do partido, o PEV nasceu “da vontade de um grupo de cidadãos de promover uma intervenção ecologista mais ativa na sociedade portuguesa”. Marcou sempre presença nas eleições abraçado com o PCP, adotando a forma de Coligação Democrática Unitária (CDU), que vai manter-se nas legislativas convocadas para 10 de março deste ano. No último sufrágio deste tipo, em 30 de janeiro de 2022, o PEV não conseguiu eleger deputados e o próprio PCP só conseguiu obter seis mandatos. Nesse momento, face às legislativas anteriores, em 2019, a CDU na Assembleia da República ficou reduzida a metade.


Mas o trabalhado do partido acontece para além do hemiciclo, ainda que a visibilidade esteja agora condicionada, e ultrapassa o escopo do presidente da Câmara de Setúbal, André Martins, eleito pelo PEV. “Não é só a autarquia de Setúbal. ‘Os Verdes’ têm inúmeros autarcas eleitos no país, no quadro da CDU, e, portanto, quando deixámos de ter representação parlamentar nas últimas eleições legislativas, deixámos de ter esse espaço institucional de intervenção, mas continuámos a ter outros espaços”, salienta Heloísa Apolónia, acrescentando que o partido manteve uma “característica muito própria da sua atividade, que é um contacto muito direto com as pessoas e com a realidade concreta”. “Isto é extremamente enriquecedor no nosso próprio trabalho e no nosso relacionamento com a população”, continua a antiga deputada.


Com emoção, Heloísa Apolónia insiste que “o trabalho de ‘Os Verdes’ foi sempre muito sustentado neste contacto direto”, motivo pelo qual o partido “continua a ser muito procurados para efeitos de denúncias ambientais, pela população, mesmo já fora do quadro parlamentar”. A ex-deputada vai ainda mais longe na análise que faz ao baixo protagonismo do PEV na atual cena política. “‘Os Verdes’ não pararam, a sua ação continuou bastante intensa. Infelizmente, com muito pouca ou praticamente nula visibilidade por parte da comunicação social neste trabalho físico e político”, critica. “Resumindo, não parámos”.


Retomando o tema inicial, o PAN (Pessoas-Animais-Natureza), com representação no Parlamento desde 2015, tem estado isolado na casa da democracia desde 2022, no que diz respeito a causas ambientais inscritas na ideologia partidária. No entanto, Heloísa Apolónia frisa que não se pode comparar o PEV “com um partido animalista. Os Verdes têm a sua génese, a sua base ideológica, que é a ecologia. E a ecologia tem uma questão fundamental, que é ligar as matérias ambientais às matérias sociais”.


No cruzamento dos argumentos da ex-deputada com a perspetiva da população, o regresso do PEV ao hemiciclo é evocado como um desejo mútuo. “Ouvimos muito por parte da população esta ideia: ‘Vocês fazem tanta falta no Parlamento, vocês eram tão importantes’”, conta a antiga deputada ecologista, assumindo também qual é a ideologia do partido. “Para nós não é indiferente se a política ambiental está marcada por uma série de negociatas ou se é tida efetivamente como um verdadeiro investimento na qualidade de vida das pessoas e no desenvolvimento sustentável do país. Ou seja, perdeu-se esta dimensão com a saída dos Verdes da Assembleia da República. Perdeu-se esta dimensão da visão e da proposta ecologista e isto reflete-se muito nas nossas propostas na área das alterações climáticas”, sustenta.


Exemplo disto é a perspetiva sobre transportes, que não passa necessariamente, de acordo com o PEV, por energias alternativas. “Consideramos que a resposta para a área dos transportes não é a substituição dos carros que se movem a combustíveis fósseis por carros elétricos. Essa não vai ser a solução estrutural do futuro. Essa, está na intensificação da resposta dos transportes coletivos em todo o país, e isto é uma visão muito própria e, obviamente, estas visões próprias refletem-se nas propostas e nas políticas que nós apresentamos”, lembra.


Continuando a elencar as propostas do partido, ainda sem eco no hemiciclo, a antigo deputada, ao DN, não consegue evitar o apelo às causas naturais que defende. “As energias renováveis são muito importantes, mas nós não podemos estragar o país com essa imensidão de centrais fotovoltaicas que estão agora a destruir solos férteis e zonas arborizadas. Nós precisamos de instalar as centrais fotovoltaicas em parques industriais, em parques empresariais, nos telhados das zonas urbanas. Isto é só para dar alguns exemplos de questões concretas que deixaram de ter tradução na Assembleia da República. Devo dizer que é bom este reconhecimento por parte da população de que ‘Os Verdes’, de facto, fazem falta na Assembleia da República e a nossa expectativa é de que nestas próximas eleições possamos regressar”, assume, “com o objetivo de retirar a maioria absoluta ao PS e derrotar a direita”.


Tendo em conta que o PEV, para poder regressar ao Parlamento, ainda terá de conseguir posições nas listas da CDU que permitam obter mandatos, a pergunta impõe-se à antiga deputada ecologista, que, por sua vez, não tem dúvidas de que o regresso é certo. Para além da própria Heloísa Apolónia concorrer na terceira posição pelo círculo de Setúbal, por onde já foi eleita no passado, o antigo deputado José Luís Ferreira vai ser cabeça de lista por Vila Real. Por fim, para já, Mariana Silva, que também já teve um lugar no hemiciclo, vai concorrer por Lisboa, no quarto lugar.
Para Apolónia, as perspetivas de eleição são boas, até “porque as últimas eleições decorreram num quadro muito particular”.

“Houve sondagens até quase ao limite do dia das eleições e não é possível descontá-las”, aponta a ex-parlamentar do PEV, recuperando a ideia de que as “sondagens davam um PS e um PSD taco a taco. E um PSD que não fechava a porta a uma eventual coligação com o Chega. Ora, isto levou muita gente a desviar o seu voto para o PS, ao ponto de o PS ter obtido uma maioria absoluta que nem os próprios esperavam”, defende.


Insistindo no enquadramento político que conduziu o PEV a uma distância do Parlamento, Heloísa Apolónia relembra episódios que precipitaram as eleições legislativas em 2022, que sucederam a uma queda do segundo Governo liderado por António Costa, depois de o Orçamento do Estado, na altura, não ter passado pelo crivo dos partidos da esquerda. “Julgo que as pessoas também já tomaram consciência daquilo que aconteceu nas últimas eleições, e este quadro não pode voltar a ser colocado da mesma forma. Houve uma autêntica desinformação relativamente àquele Orçamento do Estado para 2022, que foi chumbado por nós na Assembleia da República e que o PS fez uma enorme vitimização. Aquilo, na verdade, foi uma jogatana por parte do Partido Socialista, que se recusou a negociar aquele Orçamento do Estado”, explica.


Com uma paisagem política diferente, a esperança do PEV regressar à Assembleia da República aparece renovada aos olhos de Heloísa Apolónia. “Considero que estamos de facto em condições de ‘Os Verdes’ voltarem a ter a representação parlamentar no quadro da CDU, que é esta plataforma de esquerda onde praticamos a convergência, mesmo com posicionamentos diferentes relativamente a determinadas matérias, mas convergentes numa ideia de que é necessário transformar e não apenas minimizar este sistema dilapidador ao nível ambiental e social”, remata.


As causas podem transformar-se em protesto e o PEV não é imune a esse processo. Por isso, ao DN, Heloísa Apolónia insistiu várias vezes na importância das contas públicas. “Nós precisávamos, de facto, de um Orçamento do Estado diferente, porque nós precisávamos de mais investimento onde ele é fundamental, mas, infelizmente, neste país a submissão do poder político ao poder económico é absolutamente vergonhosa” critica. “A nossa política de ambiente está transformada em oportunidades de negócio. Tudo o que não seja uma oportunidade de negócio não se faz. E, depois, como agora é do conhecimento público, com muito pouca transparência. Coisas muito duvidosas por trás, como ‘Os Verdes’ sempre denunciaram, por exemplo, relativamente à matéria do lítio. Nós sempre falámos de pouca transparência daquele processo. E portanto, isto não pode ser”, conclui. 


Pegando na bandeira do Governo, a antiga deputada deixa margem para alguma ironia, sob a forma de crítica. “Estão sempre a escudar-se na questão das contas certas, como se porventura nós quiséssemos as contas desreguladas, o que não é verdade”, aponta. “O que eu considero mesmo é que a voz do descontentamento, a voz das pessoas que querem uma mudança, devem fazer repercutir o seu voto naqueles que verdadeiramente podem promover essa mudança”, defende Heloísa Apolónia.


“Há uma coisa que nos caracteriza em todas as dimensões da nossa intervenção política: aquilo que nós dizemos é aquilo que nós fazemos”, diz sobre o seu partido. “E, aliás, acho que isso é perfeitamente reconhecido pelos nossos adversários políticos, esta seriedade. De facto, seria muito bom se a seriedade contasse alguma coisa em política”, diz a antiga deputada ecologista, com esperança de um dia voltar ao hemiciclo.

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