Júdice ataca Marcelo pela "mais grave lesão à Constituição" apenas "por jogo político"

O comentador e antigo bastonário da Ordem dos Advogados fez uma crítica contundente ao Presidente da República por ter promulgado os diplomas de reforço dos apoios sociais, que o governo pedia para serem vetados.
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Quem segue "As Causas" de José Miguel Júdice, na SIC, sabe que o comentador não costuma ser meigo com o Presidente da República, a quem não se inibe de apontar muitos erros políticos. Mas nesta terça-feira à noite o ataque do antigo bastonário da Ordem dos Advogados a Marcelo Rebelo de Sousa foi duríssimo, já que o acusou da "mais grave lesão à Constituição" apenas por "jogo político".

O estilo de Júdice é habitualmente contundente, mas a análise que fez da decisão do Presidente de promulgar os três diplomas de reforço dos apoios sociais - aprovados por todos os partido, à exceção do PS, e que o governo alega violarem a "norma travão" constitucional que impede aumento de despesa do Estado - foi demolidora.

Alegando que os três diplomas são sem sombra de dúvida inconstitucionais, (o que foi corroborado por vários constitucionalistas), o antigo bastonário da Ordem dos Advogados socorreu-se do ditado popular "vão-se os anéis, fiquem os dedos" para tentar caracterizar a decisão presidencial. "Os anéis são os 40 anos a ensinar Direito Constitucional, para o professor Marcelo Rebelo de Sousa, fiquem os anéis é a popularidade e uma sangriazita a António Costa para ver se fica um bocadinho mais fraco".

O comentador assumiu que estava a fazer uma "acusação gravíssima" ao Presidente da República quando disse: "É mais grave lesão que fez à Constituição, de que é garante supremo, que jura defender, e fê-lo intencionalmente por motivos de jogo político".

José Miguel Júdice prosseguiu no rol de críticas, entre as quais a de que houve também com esta decisão de promulgar os três diplomas "uma violação seríssima" do princípio constitucional da separação de poderes e a da abertura de um "gravíssimo precedente", que pode pôr em causa a estabilidade governativa. Acusou ainda Marcelo de "premiar" a oposição perante um governo minoritário, que assim ficará sujeito a fazer a política que os outros desejam.

Citaçãocitacao"É mais grave lesão que fez à Constituição, de que é garante supremo, que jura defender, e fê-lo intencionalmente por motivos de jogo político"

"É perversamente genial porque cria um problema a António Costa: ou colabora com uma inconstitucionalidade ou manda [os diplomas] para o Tribunal Constitucional, que não serve para nada, e cria a imagem que para ele é altamente dura". Ou seja, dura porque se tratam de apoios sociais que o governo resiste a reforçar aos olhos da opinião pública.

No despacho de promulgação, e numa longa nota de 12 pontos, Marcelo fundamentou a sua decisão sobre os três diplomas, sobretudo a de que considerava urgente "medidas sociais urgentes para a situação pandémica vivida, um deles sem qualquer voto contra e os outros dois com o voto favorável de todos os partidos parlamentares, salvo o do partido do Governo".

Citaçãocitacao"É perversamente genial porque cria um problema a António Costa: ou colabora com uma inconstitucionalidade ou manda [os diplomas] para o Tribunal Constitucional, que não serve para nada, e cria a imagem que para ele é altamente dura"

O chefe de Estado admitia que os três diplomas em análise "implicam potenciais aumentos de despesas ou reduções de receitas, mas de montantes não definidos à partida, até porque largamente dependentes de circunstâncias que só a evolução da pandemia permite concretizar". "E, assim sendo, deixando em aberto a incidência efetiva na execução do Orçamento do Estado", acrescenta, considerando que até o Governo pode flexibilizar a gestão orçamental "como aconteceu no ano de 2020".

No PSD ninguém quis comentar de viva voz o ataque desferido por Júdice a Marcelo. Independentemente do tema em causa e da justiça ou injustiça das críticas, é o tom que surpreendeu e alguns garantem que "há uma animosidade" que vem do tempo em que ambos militavam no PSD. Apontam à década de 1980, quando ao lado de Marcelo , Durão Barroso e Pedro Santana Lopes estiveram na Ala Nova Esperança, contra o governo de Bloco Central liderado por Francisco Pinto Balsemão.

A verdade é que mesmo depois de se ter desfiliado do partido, em 2006, e depois de ter aceite ser mandatário da candidatura de António Costa à Câmara de Lisboa no ano seguinte, José Miguel Júdice convidou Marcelo para apresentar o seu livro Portugalando, corria o ano de 2008. E nas eleições presidenciais de 2016 apoiou publicamente a candidatura do atual Presidente da República.

Mas já em 2017, em entrevista ao Observador, o antigo bastonário admita que Marcelo Rebelo de Sousa era dos "mais dotados" da sua geração, a par de António Costa, mas apontava-lhe o dedo. Garantia que o atual Presidente se tinha preparado "desde sempre" para ocupar um cargo político importante. E descrevia-o como "maquiavélico de forma instrumental".

Sem se pronunciar sobre os ataques a Marcelo, o politólogo António Costa Pinto diverge totalmente da análise substantiva de José Miguel Júdice. E rejeita a ideia que a promulgação dos três diplomas sejam um primeiro sinal de um segundo mandato em Belém mais agressivo para o governo e António Costa.

O investigador do ICS diz que "ironicamente, esta decisão de Marcelo aponta para uma estratégia que favorece a estabilidade do sistema político mais do que a instabilidade". Porque, afirma, "aponta para a negociação e o compromisso" de um governo minoritário, e sobretudo numa questão que não é dramática e apenas conjuntural. "Tratam-se de apoios sociais, não de colocar centenas de funcionários no quadro do Estado...", justifica.

Quando se olha para a decisão presidencial, na opinião de António Costa Pinto, não se deve olhar para o passado de professor de Direito Constitucional de Marcelo, mas para o cargo que desempenha. "O Presidente é o Presidente" que "tomou uma decisão política" de promulgar os diplomas, remetendo para o governo a decisão de recorrer para o Tribunal Constitucional se o entender.

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