José Luís Carneiro preparou saída "dourada" para o controverso diretor nacional da PSP
O diretor nacional da PSP, Manuel Magina da Silva, será o próximo oficial de ligação do ministério da Administração Interna (MAI) em Paris (França). Estes postos de oficial de ligação são os mais concorridos pelos oficiais da PSP e GNR pelo elevado salário que auferem, cerca de 12 mil euros.
O superintendente-chefe, escolhido por Eduardo Cabrita em 2020, sucede ao anterior diretor nacional, Luís Farinha que terminou a sua comissão de serviço em fevereiro deste ano. No entanto, o ministro José Luís Carneiro, prorrogou-a até 31 de agosto próximo.
A justificação, publicada em Diário da República, foi que "a fim de permitir a continuidade do trabalho de proximidade junto da RESOPOLIS - Rede de Oficiais de Ligação em França, possibilitando a conclusão de ações em curso, designadamente de atividades em matéria de cooperação técnico policial, com especial enfoque na partilha de informações, torna-se indispensável prorrogar a acima referida função do superintendente-chefe Luís Manuel Peça Farinha" .
A verdadeira razão será, no entanto, manter o lugar ocupado a tempo de Magina da Silva o poder preencher. O diretor nacional da PSP viu também renovada a sua comissão de serviço, que devia ter terminado no final de janeiro passado, com a Jornada Mundial da Juventude a ser apresentada como justificação oficial da tutela para a sua manutenção.
Fonte governamental sublinhou, na altura, que na base desta decisão estava a necessidade de manter "a estabilidade na estrutura diretiva da PSP quando já está a ser preparada a organização de um dos eventos de maior dimensão de sempre em Portugal, a Jornada Mundial da Juventude, com a presença do Papa Francisco, e o facto de esta ser considerada como o maior desafio de segurança que o país já enfrentou".
Todo o processo é inédito e até quebra uma regra de princípio que tinha sido iniciado pela ex-ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, segundo a qual estes lugares "dourados" deviam ser preenchidos, alternadamente, entre oficiais da PSP e da GNR.
Era seu entendimento que, não só "funções desta natureza" não devem ser prorrogadas "pelo mesmo elemento", como também tinha determinado "o regresso à regra da rotatividade entre forças de segurança".
Para compensar esta sucessão de três superintendentes-chefes da PSP em Paris, José Luís Carneiro terá confortado a GNR com a promessa de que o oficial de ligação em Madrid se manteria na GNR na próxima comissão de serviço.
Contactado pelo DN, o Ministério da Administração Interna não quer assumir ainda a decisão de colocar Magina da Silva em Paris. "Estamos num momento em que é preciso serenidade", justificou fonte oficial do gabinete do Ministro.
A colocação do chefe máximo desta força de segurança é há muito conhecida nos bastidores da segurança interna e foi confirmada ao DN por várias fontes. "É um facto consumado e só se houver algum imprevisto de grande gravidade não sucederá", assinalou uma dessas fontes.
Este apetecível posto em Paris teve, até agora, dois oficiais da PSP a preenchê-lo, desde que foi criado em 2013, quando era Miguel Macedo o ministro com a tutela das polícias. Entre 2016 e 2019 foi um coronel da GNR, precisamente nomeado por Constança Urbano de Sousa.
O primeiro oficial a ocupar o cargo foi Paulo Valente Gomes, exonerado de diretor nacional após uma polémica manifestação de sindicatos em que polícias forçaram as barreiras de segurança e invadiram a escadaria do Parlamento.
Atualmente, há 13 oficiais de ligação em funções - oito da PSP e cinco da GNR. Segundo a página oficial da Secretaria-Geral do MAI, estão colocados em Angola, Argélia (acumula Tunísia), Cabo Verde, Espanha, França, Guiné-Bissau, Marrocos (acumula a Mauritânia), Moçambique, S. Tomé e Príncipe, Timor Leste, a Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia (REPER) e a Europol (onde está um oficial da PSP e outro da GNR).
O MAI atribui aos oficiais de ligação as seguintes funções: "Coordenação e execução local dos Programas de Cooperação Técnico-Policial; ser o elo de ligação entre as forças e serviços de segurança portugueses e os seus congéneres estrangeiros; colaborar com os diversos grupos de trabalho governamentais; coadjuvar a elaboração de estudos e pareceres para a implementação de reformas ou estratégias de ação das forças e dos serviços de segurança dos países onde se encontram, coadjuvar o embaixador em todos os aspetos relacionados com a segurança, nomeadamente através de um sistema de recolha de informações, relativo à situação de segurança, que permita aconselhar e alertar com oportunidade a comunidade portuguesa no território."
Desde que tomou posse em 2020, Manuel Magina da Silva, um dos mais brilhantes atiradores do Grupo de Operações Especiais (GOE), que comandou vários anos, protagonizou diversos casos incómodos (ver alguns no final do texto) para a Governo - o mais grave quando, à saída de uma audiência com o Presidente da República, revelou algum conteúdo da conversa privada e anunciou extemporaneamente que estava ser discutida a fusão do SEF com a PSP.
Há um ano, vários oficiais de topo relataram ao DN o seu descontentamento e a "asfixia" que a liderança de Magina da Silva estava a provocar.
"O diretor nacional isolou-se no alto do seu poder, deixou de ouvir e aceitar opiniões diferentes da sua e não percebeu o quanto a sua liderança está a arruinar a PSP. Entrou em autismo total. O seu Estado-Maior não funciona, não se falam entre eles. Quebrou totalmente a coesão do efetivo, não só entre oficiais e bases, como entre os próprios oficiais. Ninguém abre a boca nas reuniões de comandos porque não vale a pena. Impõe os seus pontos de vista e rapidamente diz "ponto final!" e isso quer dizer que nem vale a pena contrapor. Temos um barril e pólvora na PSP e está de tal forma que ninguém sabe quanto mais de aguenta. Se nada acontecer em breve, há o risco de debandada de muitos oficiais para a pré-aposentação. Estes três anos revelaram um claro erro de casting", desabafava um superintendente.
Um novo contacto com estas fontes serviu para reconfirmar que o mal-estar não só se manteve, mas piorou, com a agravante de a desilusão ter atingido também a tutela.
Os oficiais olhavam para o novo ministro José Luís Carneiro, que tinha herdado a situação de Eduardo Cabrita, como a derradeira esperança para a sua substituição e dar um novo fôlego a esta força de segurança crucial na proteção de todos e de onde transpirava tanta desilusão e descontentamento.
Mas o governante optou por manter e até prorrogar o mandato do diretor nacional, não sendo poupado, ainda assim, a novas situações incómodas. A última caso até teve a ver com a JMJ, quando Magina da Silva anunciou que estava em cima da mesa o encerramento do eixo norte-sul para estacionar as camionetas de peregrinos, tendo sido desmentido de seguida pela organização.
Pela primeira vez, o maior sindicato da PSP, a Associação Sindical de Profissionais de Polícia (ASPP), tinha pedido, há um ano, a demissão de um diretor nacional. "A PSP tem problemas estruturais que se agudizaram nos últimos anos. Este diretor nacional criou boas expectativas, era um homem da casa, da Unidade Especial de Polícia (UEP), respeitado pela generalidade dos profissionais. Apesar de haver uma boa parte de responsabilidade política pela situação atual - cada vez a PSP tem menos candidatos, cada vez há mais exigências de trabalho nunca compensadas, o serviço cada vez tem maior complexidade, o reforço no SEF com polícias low cost da PSP, uso e abuso da disponibilidade permanente estatutariamente prevista e os polícias a serem carne para todo o canhão - a verdade é que não tem tido capacidade de influência junto do Governo. Não tem capacidade política, nem de gestão para mudar o estado das coisas", resumiu, na altura, para o DN, o presidente Paulo Jorge Santos, traduzindo o sentimento de desilusão que dominava.
Para suceder a Magina da Silva, se a escolha for interna terá de recair sobre um dos atuais superintendentes-chefes. Os mais populares são o superintendente-chefe Paulo Lucas, atual comandante da UEP, que já esteve na short list em 2020, e o superintendente-chefe Barros Correia, atualmente nos Serviços Sociais, que também esteve nessa short list e que foi preterido por Eduardo Cabrita, que escolheu Magina da Silva.
O ministro tem também a prerrogativa de poder escolher algum dos superintendentes abaixo, pelo seu mérito e reconhecimento de qualificações. Nesse caso, o nome mais falado será o do Superintendente Luís Carrilho, que foi diretor da UNPOL (Polícia das Nações Unidas) e é agora o responsável máximo pela segurança do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Tal como pode ir de novo buscar um civil fora da polícia para liderar a PSP, como já aconteceu anteriormente, quando os magistrados Branquinho Lobo e Mário Belo Morgado foram os chefes máximos da PSP.
Outra possibilidade é José Luís Carneiro querer ser o primeiro a nomear uma mulher para comandar a PSP. A superintendente-chefe Paula Peneda já tinha sido sondada pela anterior equipa de Eduardo Cabrita, mas não será do agrado da tutela. Se o governo optar por uma opção externa, o nome da inspetora-geral da Administração Interna, Anabela Ferreira, não está descartado. Está tudo em aberto.
Eixo norte-sul encerrado
Magina da Silva anunciou há poucos dias que o Eixo Norte-Sul deveria ser cortado "total ou parcialmente" para estacionamento de autocarros dos peregrinos que vêm à JMJ. "Em conjunto com a equipa que está a definir o plano de mobilidade já está encontrada a solução para isso [estacionamento dos autocarros]. Passará eventualmente pelo corte total ou parcial de um grande eixo viário de Lisboa", disse Manuel Magina da Silva aos jornalistas, quando questionado se já estava decidido o local onde os milhares de autocarros vão ficar estacionados durante a JMJ.
Logo depois, José Sá Fernandes, coordenador do Governo para o evento, diz que nunca esteve previsto usar a via para parque de estacionamento.
O "terrorista" do centro ismaelita
O diretor nacional da PSP disse que já estava à espera de um ataque como o que ocorreu no Centro Ismaili, em Lisboa, quando em março passado, um homem matou duas mulheres à facada.
"Estávamos de certa forma à espera. Éramos dos poucos países da Europa que não tínhamos tido ainda uma ocorrência com um atacante ativo como nós o classificamos", afirmou o diretor nacional, deixando implícito que se tratava de um atentado terrorista.
Logo depois, a Polícia Judiciária afastou qualquer ligação do crime a um ato de terrorismo.
MAI corrige
Logo no início da entrada em funções de José Luís Carneiro, numa audição parlamentar sobre o SEF, Magina da Silva indicou que 19 polícias já tinham aceitado reforçar o SEF em comissão de serviço. Duas horas depois, o gabinete do ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro teve de corrigir, lembrando que, além desses 19, havia mais 70 oficiais a apoiar os inspetores do SEF no âmbito do plano de contingência para os aeroportos nacionais, que o Governo preparou para fazer face ao grande aumento de turistas durante o Verão. Trapalhada de Belém
Dezembro de 2020: quando toda a polémica em relação à morte de Ihor Homeniuk ainda estava no seu auge e o Governo já tinha indicado que preparava uma reforma para o SEF, Magina da Silva teve uma audição com Marcelo Rebelo de Sousa e à saída revela que estava a ser trabalhada a fusão da PSP com o SEF e que a questão já tinha sido abordada com o Presidente da República. Além da quebra de sigilo habitual nestes encontros, o diretor nacional foi depois desautorizado pelo Governo nas suas afirmações. O então ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita veio retificar, dizendo que a reforma do SEF era "uma matéria que o Governo está a trabalhar, acentuando que estas matérias, obviamente, com todo o respeito, não são anunciadas por diretores de Polícia".
Cláudia Simões
"Há uma atuação legal e legítima por parte de um agente da autoridade. Há uma resistência na condução para identificação e há efetivamente uma ação de resistência ativa contra o agente que decidiu proceder à detenção, que foi o que aconteceu", declarou Magina da Silva sobre as agressões a Cláudia Simões - que acusou três agentes da PSP de a terem agredido - logo na sua tomada de posse, em fevereiro de 2020, quando questionado pelos jornalistas sobre o caso. No entanto, os três polícias acusados vão a julgamento por crimes de ofensa à integridade física qualificada, sequestro agravado, abuso de poder e injúria agravada contra Cláudia Simões.
Forças Armadas
Nos primeiros meses da pandemia, logo em 2020, quando as Forças Armadas saíram à rua para apoiar no combate contra a covid-19 (transporte de doentes, desinfeção de lares e escolas, internamentos), um grupo de militares que estava a fazer o perímetro de segurança a um lar de idosos foi barrado por agentes da PSP. Magina da Silva veio publicamente apoiar a ação, deixando as chefias militares incomodadas.
O texto foi atualizado às 10h10, com uma correção. Houve também um oficial da GNR nomeado para oficial de ligação em Paris e não apenas da PSP, conforme estava escrito.