Governo pediu "urgência"  na audição do novo diretor do SIED, mas parlamento recusou

O Governo queria apressar o parlamento para realizar a audição exigida por lei a Marinho da Costa, indigitado novo diretor do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa, ainda em agosto, mas esta só se realizará em setembro. A Ministra-Adjunta Ana Catarina Mendes confirma que carimbou como "muito urgente" o expediente, mas alega que era só para "encaminhar a informação o mais rapidamente possível". Com o número dois de saída, o SIED pode ficar sem liderança algumas semanas.
Publicado a
Atualizado a

O Governo pediu "urgência" ao parlamento para desencadear os procedimentos previstos de validação da nomeação do diretor do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), o diplomata José Pedro Marinho da Costa, um ministro plenipotenciário que vem da Representação Permanente de Portugal na União Europeia e, de acordo com o curriculum oficial divulgado pelo executivo (ver em baixo), sem experiência em matéria de intelligence.

A indigitação, no passado dia 31 de julho, de Marinho da Costa, que foi assessor diplomático de José Sócrates em 2010, coincidiu com o final da sessão legislativa e, conforme o DN noticiou, a exigida audição conjunta das comissões de Defesa Nacional e de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, só seria possível a partir de seis de setembro, quando os deputados regressassem à Assembleia da República.

Ao que o DN soube por fontes parlamentares de ambas as comissões, o expediente do chegou ao parlamento no início da semana, tratado pelo gabinete do primeiro-ministro, que é quem tutela o Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), onde está integrado o SIED e o Serviço de Informações de Segurança.

Segundo as mesmas fontes, a folha de rosto deste expediente terá sido carimbada, pelo gabinete da ministra-adjunta e dos assuntos parlamentares, Ana Catarina Mendes, com a palavra "Urgente".

Contactado pelo DN, o gabinete da Ministra explica assim a sua intenção: "foi pedido que o Parlamento tratasse da questão com a brevidade possível, mas não foi solicitada urgência, até porque os trabalhos parlamentares se encontram suspensos. Só foi solicitado que a informação fosse encaminhada o mais rapidamente possível e por isso o Gabinete da Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares solicitou a distribuição urgente da documentação apondo o carimbo muito urgente no documento.

Nos últimos dias o presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais fez vários contactos e procurou saber qual o entendimento jurídico do regimento do parlamento em relação a reunir as duas comissões extraordinariamente em agosto, em período de férias legislativas.

Citaçãocitacao"Feitos todos os esforços no sentido da realização da audição em causa ainda em Agosto, ficou decidido que regimentalmente seria mais adequado reunir a comissão logo no início da nova sessão legislativa"

A conclusão foi que não seria possível aceder ao desejo do Governo. "Feitos todos os esforços no sentido da realização da audição em causa ainda em Agosto, ficou decidido que regimentalmente seria mais adequado reunir a comissão logo no início da nova sessão legislativa", disse Fernando Negrão, deputado do PSD, ao DN.

Um outro deputado, conhecedor do regimento, corrobora, argumentando que "não sendo teoricamente impossível, seria extremamente difícil". Explica que "implicaria, pelo menos, uma conferência de líderes para haver autorização, sendo que a urgência é muito difícil de justificar dado que o Governo quando indicou o nome sabia que a Assembleia da República estaria fechada".

Com a tomada de posse de Marinho da Costa protelada para setembro, o Governo pode confrontar-se com uma situação insólita: ficar sem direção do SIED durante cerca de três semanas.

Isto porque o atual número dois, major-general Melo Gomes, está em rutura com a tutela por causa da escolha do diplomata e já terá avisado que vai bater com a porta logo a seguir à Jornada Mundial da Juventude.

Melo Gomes, diretor adjunto desde 2012, é um veterano do SIED, conhecedor da casa e das prioridades, muito respeitado interna e externamente no setor da segurança interna e das informações, tem sido o verdadeiro "comandante" do SIED

O seu desagrado deve-se, essencialmente, a ser a segunda vez que é ultrapassado por um diplomata, agravado pelo facto de ser, equiparando as carreiras militar e diplomática, de uma categoria inferior à sua.

O anterior, Carlos Pires, era conselheiro de embaixada quando tomou posse em 2019, uma categoria que fica, sensivelmente, a meio da carreira diplomática, enquanto um major-general está no topo da carreira militar. No caso de Marinho Costa, a sua categoria é superior, mas ainda assim apenas equivale a um brigadeiro-general.

Recorde-se que esta crise inusitada foi desencadeada com a demissão, a sete de julho passado, de Marco Capitão Ferreira de secretário de Estado da Defesa, por ter sido constituído arguido, com imputações criminais de corrupção, no âmbito da operação Tempestade Perfeita, que investiga várias contratações e compras suspeitas no ministério da Defesa Nacional.

O Governo demorou quase duas semanas até escolher um substituto, indo buscar Carlos Pires à direção do SIED. Depois, foram precisos mais 12 dias para encontrar o nome que considera o mais apto para dirigir o serviço -que equivale a uma CIA, MI6 ou a Mossad - que é responsável pela recolha de informações no estrangeiro para apoiar a tomada da decisão por parte do poder político, em particular no que respeita à condução da política externa, da defesa e da segurança.

A escolha não está a ser bem recebida entre boa parte dos oficiais de informações, que fazem uma avaliação negativa do ex-diretor Carlos Pires, a quem atribuem responsabilidades pela situação crítica que alegam estar o SIED.

Argumentam que, nas mais recentes escolhas para cargos no SIED existe um "favorecimento" a quadros da carreira diplomática, que terá crescido desde que a embaixadora Graça Mira Gomes entrou no SIRP.

Receiam por exemplo que Melo Gomes seja substituído por Teresa Pimentel, filha do embaixador João Pimentel, quadro do SIED, mas que trabalha no gabinete de Graça Mira Gomes, uma informação que tem circulado no SIED.

Acresce que o orçamento do SIED tem sido reduzido ao ponto de, neste momento, só ter, 10 "antenas" (postos oficiais no exterior, junto às embaixadas), quando já foram quase o dobro e faltam em países considerados estratégicos para Portugal. Acusam os diplomatas de "apenas se interessarem pela carreira e desprezarem as necessidades do SIED".

Esta escolha do diretor do SIED teve ainda outra invulgaridade. O líder do PSD, Luís Montenegro, recusou envolver-se no processo de nomeação, como contou o Observador, quebrando um entendimento seguido desde sempre pelos dois maiores partidos, segundo o qual este género de nomeações seriam acordadas entre ambos.

Montenegro tinha ameaçado fazer isso quando pediu a António Costa que demitisse a secretária-geral do SIRP, na sequência do polémico envolvimento do SIS na recuperação do computador do ex-adjunto do ministro João Galamba..

Atualizado às 10h com a explicação do gabinete da Ministra-Adjunta e dos Assuntos Parlamentares.

Atualizado às 8h50 com uma correção: Pedro Marinho da Costa não foi assessor diplomático de Pedro Passos Coelho, como estava escrito, mas do primeiro-ministro em 2010, está no curriculum, cargo nessa altura ocupado por José Sócrates.

- Ministro Plenipotenciário (364º sessão do Conselho Diplomático, 21.07.2023).

- Diretor de Serviços dos Assuntos Institucionais, na Direção-Geral dos Assuntos Europeus (26.8.2022).

▪ Colocado na Representação Permanente de Portugal junto da UE (13.8.2018).

▪ Cônsul-Geral em Marselha (29.7.2013).

▪ Diretor de Serviços do Cerimonial, Deslocações, Dispensas e Privilégios, do Protocolo do Estado (1.7.2012).

▪ Assessor do Conselho de Administração da AICEP (1.2.2012).

▪ Diretor de Serviços da Diplomacia Económica, na Direção-Geral dos Assuntos Técnicos e Económicos (em 30.6.2011 e nomeado a 6.10.2011).

▪ Conselheiro de embaixada (13.10.2010).

▪ Adjunto Diplomático do Primeiro-Ministro (1.3.2010).

▪ Chefe de Divisão de Relações Bilaterais com os Países da América do Norte, na Direção de Serviços das Américas, da Direção-Geral de Política Externa (em 22.9.2009 e nomeado a 6.10.2009).

▪ Colocado na Embaixada em Rabat (27.11.2004). Substituto legal do Chefe de Missão (27.11.2004 a 3.10.2006) e Diretor do IC-Centro Cultural Português (20.3.2006 a 10.4.2008).

▪ Colocado na Embaixada na Cidade da Praia (23.7.2001). Encarregado da Secção Consular.

- Colocado na Direção de Serviços da África Subsaariana da Direção-Geral das Relações Bilaterais (19.2.1998).

▪ Admitido no concurso de admissão para adidos de embaixada (aberto 5.6.1997).

OUTRAS ATIVIDADES

▪ Monitor de Direito Internacional Público dos XVIII e XIX Cursos de Formação Diplomática e Consular para os PALOP, organizados pelo Instituto da Cooperação Portuguesa (1999-2001).

▪ Participação no "International Visitor Leadership Program", do Departamento de Estado norteamericano, sobre o tema da resolução de conflitos (18-7 a 5.8.2011).

▪ Participação no programa "Personnalités d"Avenir Défense", do Ministério da Defesa francês (Paris, 1 a 6.5.2011).

PUBLICAÇÕES

▪ As Crises e os Homens no Século XXI: o Sentido da História e o Portugal Europeu, Lisboa: Esfera do Caos Editores, em associação com a Sociedade de Geografia de Lisboa, 2017 (ensaio).

▪ No Outro Lado ou Viagem ao País dos Sonhos, Esfera do Caos Editores, 2013 (romance).

▪ No Rasto de um Cometa, Lisboa: Papiro Editora, 2006 (romance). HABILITAÇÕES ACADÉMICAS

▪ Licenciatura em Relações Internacionais, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade Técnica de Lisboa (1991-1995).

▪ Pós-graduação em Estudos Europeus, Instituto Europeu, Universidade de Lisboa (1996-1997).

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt